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Encontro Ibero-Americano de Programas de Residências Artísticas

relato por Tainá Azeredo

Encontro Ibero-Americano

de Programas de Residências Artísticas

25 de novembro de 2008

 

Mesa: programas de residência em instituições

 

A arte de permanecer

“El tema de las residencias está de moda” era o que se ouvia nos corredores do Centro Cultural São Paulo, enquanto esperávamos alguns minutos mais para o início da mesa sobre programas de residências em instituições, na qual participariam Ivo Mesquita e Rodrigo Moura. Os acentos espanhóis, londrinos, chilenos, portenhos, sulistas se misturavam formando um único idioma.
O clima de troca, que permeia a idéia de residência, estava instaurado.
E assim Ana Tomé introduziu a conversa que aconteceria ali. A questão colocada para abrir a discussão foi sobre a pertinência de fazer residências artísticas em programas dentro das instituições, uma vez que este era um encontro que falava principalmente de residências artísticas independentes.
Ivo Mesquita, o atual curador da 28ª Bienal de São Paulo, deu início à conversa contando como começou, quase por coincidência, a trabalhar com artistas em residência. Em 1995, foi chamado para fazer, junto com mais três curadores, a curadoria de InSite: um programa de arte contemporânea localizado entre Tijuana e San Diego, em uma região binacional de bastante conflito, na divisa entre Estados Unidos e México. A proposta inicial de InSite era de convidar 40 artistas para conhecer a região e viver ali por uma semana, e, baseados em impressões ou sensações que tivessem, pudessem voltar para seus ateliês para produzir uma obra relacionada às questões e aos problemas da realidade cultural deste espaço. Ivo Mesquita diz perceber, a partir desta experiência, que alguma coisa estava errada na idéia de residência. A questão da permanência deveria mudar, o artista não deveria permanecer somente por uma semana ou dez dias e depois abandonar o espaço e ir criar longe dalí algo em relação com o que tinha visto. Era necessário a partir desse momento repensar a idéia e transformá-la em algo mais consistente.
Baseado neste sentimento, InSite foi remodelado, para que os vestígios deixados fossem algo além da mostra final de trabalhos realizados, e a exposição fosse o próprio processo e não somente um resultado. A residência teria que ser então uma experiência desenvolvida com bases mais profundas nas questões que o lugar impõe.
Quando os artistas se deslocam do seu ambiente comum para um ambiente totalmente novo de pesquisa devem assumir imediatamente um compromisso perante este espaço e tudo o que existe nele, mas qual seria este compromisso com a realidade em que os artistas viveram durante suas residências? Ele surge através da permanência e da troca, não poderia ser um encontro passageiro. Como o próprio nome já diz, residência traz consigo a idéia de residir, habitar um espaço e construir neste espaço uma nova relação. E quando falo em habitar não posso deixar de pensar em Heidegger quando diz que “Não habitamos porque construímos, ao contrário,  construímos e chegamos a construir à medida que habitamos, ou seja, à medida que somos como aqueles que habitam” (HEIDEGGER, 2002:128). Esta construção se dá através da troca, e para que a troca aconteça é preciso que haja tempo. O compromisso está então em criar esta relação com o espaço que se está habitando, e com as coisas e pessoas que já existem nele. Desta troca surgirá um trabalho.
Assim, o processo das residências artísticas será também a própria obra. E, mesmo se não restarem objetos concretos para expor, o resultado estará gravado nos espaços.
As residências da Bienal de São Paulo também foram se modificando com o tempo. Ivo Mesquita aponta como referência a 27ª Bienal, de Lisette Lagnado, na qual foram feitos convites para que alguns artistas viessem passar de um a três meses, em três cidades do Brasil: Rio Branco, Recife e São Paulo. Desta forma, a Bienal passaria a ser refletida em outros estados e principalmente deixaria vestígios dos artistas por onde passassem no tempo que se dedicassem a estes espaços. Com o objetivo final de produzir obras para a exposição da 27ª Bienal a partir dessa experiência.
Dentro desse processo na 27ª Bienal a artista Marjetica Potrc, da Eslovênia passou quatro meses no Acre trabalhando junto à comunidade na criação de um centro que continuou existindo depois de sua partida. Essa artista carregou consigo a experiência do Acre para os futuros trabalhos e deixou por lá algo que era dela. O vínculo entre artista e ambiente não se desfez. E aqui é possível enxergar claramente o compromisso da residência discutido à cima.
 Lisette Lagnado começou a construir o que Ivo Mesquita retomou em sua curadoria nesta 28ª Bienal, em parceria com o programa internacional de residências artísticas do Edifício Lutetia da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, para a qual foram convidados seis artistas que viajaram para São Paulo, alguns meses antes da própria Bienal, para começar a construir um diálogo com a cidade. A necessidade de colocar um programa de residência dentro da Bienal é justamente para acentuar o compromisso dos artistas para com o ambiente no qual eles devem trabalhar. Podendo não só usufruir, mas somar e contribuir para a formação deste ambiente. Além destes seis convidados outros dois artistas brasileiros também participaram da residência em São Paulo, Mabe Bethônico e Alexander Pilis, que fizeram trabalhos envolvendo não só o espaço da cidade mas também as pessoas que transitam por ela.
mebe01No caso da obra de Mabe Bethônico, foi feito um rastreamento do funcionamento do parque, envolvendo todos aqueles que lá trabalham, seja dentro do parque seja dentro das instituições que o parque acolhe. Ela criou, através de depoimentos essas pessoas e passeios pelo parque, um jornal que ficou à disposição do público dentro da Bienal com todos os documentos arquivados, esta é a terceira edição do jornal chamado museumuseu que Bethônico vem desenvolvendo desde 2000. Para esta edição foi dado o nome de União Cultural Ibirapuera. Além da artista Mabe Bethônico, o artista indu Sarnath Banerjee, com a obra Despachos da cidade sem retorno, fez um circuito de entrevistas com pessoas relacionadas à arte e a partir das entrevistas produz histórias em quadrinhos que são publicados semanalmente no jornal 28b, da Bienal.
Ivo Mesquita fecha sua exposição enfatizando a importância da existência deste tipo de residência nas instituições, com elas o aspecto transitório que se apresenta em mostras e exposições começa a se transformar pela apresentação de trabalhos que nascem de uma permanência. O transitório se contrapõe ao permanente, com a formação de residências artísticas assim aparece o momento de reavaliar a instituição, a partir de trabalhos que nascem de uma convivência do artista com o ambiente. E realmente a melhor forma de reavaliar uma instituição é permanecer nela, e ver a partir dela o que pode se modificar, relacionando-a com seus fatores externos, com a população e com seu entorno. Extravasar a Bienal para além de sua paredes é melhor que esvaziá-la.

Um outro momento da mesa se inicia com a apresentação do curador e crítico de arte Rodrigo Moura, atual curador do Instituto Cultural Inhotim. Entre 2003 e 2006 foi curador do Museu de Arte da Pampulha-MAP em Belo Horizonte, onde coordenou o programa Bolsa Pampulha, uma residência para artistas emergentes. Não é por acaso que Rodrigo Moura inicia sua fala contando sobre o espaço do museu, contando a história da construção e utilização do prédio onde hoje está instalado o MAP. A questão do espaço esteve presente durante a conversa, assim, não teria melhor forma para se começar a falar da Bolsa Pampulha...
O prédio foi projetado por Niemeyer entre 1942 e 1944 para abrigar um cassino dentro do conjunto arquitetônico da Pampulha. Quando em 1946, o jogo foi proibido no Brasil, o prédio fechou suas portas, e só abriu de novo em 1957 quando é destinado para abrigar o Museu de Arte da Pampulha, com o compromisso de organizar o Salão de Arte de Belo Horizonte.
MAP01Depois de 44 anos de existência do museu, pela primeira vez é chamado Adriano Pedrosa para ocupar a função de curador, a partir deste momento foi criado um programa de exposições que começou a levar em consideração o espaço do museu, uma vez que ele a principio não havia sido construído para tal fim. O MAP é um espaço muito aberto, com vidros em todo o seu entorno, esta transparência liga o prédio com o exterior, formado por jardins desenhados por Burle Marx. E, apesar de ser uma bonita construção arquitetônica, se torna um lugar um pouco restrito para determinados tipos de mostras e exposições. Com a curadoria, passaram a ser feitas pequenas panorâmicas de artistas em meio de carreira e com obras apresentadas especificamente para o espaço. Além disso, também era apresentada, paralelamente às panorâmicas, uma mostra de artistas em início de carreira que ficava exposta no mezanino. A partir daí começou-se a pensar em uma forma de incentivo a estes jovens artistas.
Para isso foi lançada em 2002 a Bolsa Pampulha, em reflexão ao modelo de Salão que era apresentado antes pelo museu. Os salões costumam ser de caráter restrito e transitório, quando o salão termina nada resta dele, ele não deixa resíduos. A Bolsa Pampulha surgiu desta maneira para por em questão a transitoriedade do meuseu, remodelando os conceitos da instituição, discussão também colocada anteriormente por Ivo Mesquita com relação à Bienal.
A Bolsa era dividida em duas etapas, no primeiro ano os artistas trabalhavam junto ao museu e individualmente na produção de trabalhos ligados aos espaços do MAP e da cidade. Lá recebiam visitas de artistas, críticos e curadores, para uma análise, discussão e uma troca de idéias sobre a sua produção. Já a segunda etapa da Bolsa era a mostra dos trabalhos realizados dentro do período de tempo da residência. De dois em dois meses 2 dos 10 artistas residentes mostravam seus trabalhos paralelamente a outras exposições principais que estavam no museu.
Rodrigo Moura lê trecho de uma entrevista de Matheus Rocha Pitta que foi gravada e transcrita no mesmo Livro Bolsa Pampulha “Na nossa geração existe um certo mal entre os artistas e as instituições, principalmente nos contextos mais coletivos. Existe uma postura alternativa de propor espaços novos e até uma postura anti-institucional mesmo. O que acho bacana daqui é que o trabalho é conjunto, é um pacto. Não existe algo assim, instituição de um lado e interesse dos artistas de outro.”
Com um trecho escrito por Merleau-Ponty poderia complementar o depoimento de Matheus Rocha Pitta, “Ter a experiência de uma estrutura não é recebê-la em si passivamente: é vivê-la, retomá-la, assumi-la, reencontrar seu sentido imanente” (MERLEAU-PONTY, 1994:384). No momento em que se retoma o conceito da instituição, ela pode ser reavaliada, repensada num sentido mais amplo para alem dela mesma.  Este pensamento vale também para todos os outros tipos de residência, uma vez que, cada artista que vive o espaço, vem de um lugar diferente, de um pensamento diferente, e assim os espaços podem ser reformulados através da troca.
No caso das residências em instituições, os trabalhos se dão sempre em parceria com o museu, levando em conta suas restrições e imposições. Diferente de algumas residências que são chamadas aqui de independentes, os artistas devem trabalhar em parceria com o museu. Artistas e instituição trabalham juntos para a criação das obras.
Os resultados dos trabalhos da Bolsa Pampulha, apresentados por Rodrigo Moura através de fotos, mostravam muito claramente esta relação entre o artista e a instituição. Entre muitos exemplos de trabalho mostrados os que mais me chamaram a atenção com relação ao diálogo existente entre espaço e trabalho artístico foram: Área de Insegurança do artista Jared Domício, que montou uma intervenção diretamente sobre o andar do mezanino do museu, com telas de proteção para edifícios, formando um volume azul e retangular dentro de um espaço de linhas orgânicas formadas pela arquitetura de Niemeyer. Através da transparência do material utilizado, Jared também se comunica com o lado externo do edifício. Outro trabalho foi O Jardim das Coisas do Sótão de Sara Ramo, que vasculhando os porões do museu descobriu diversos objetos danificados, que por serem materiais do patrimônio público não podiam ser descartados, então eram acumulados. A artista recuperou estes objetos, e mais alguns encontrados em outros porões, e construiu um jardim com flores de refugo, mostrando a contraposição do ambiente interno, com aqueles materiais guardados, e o ambiente externo com a idéia de jardim.
Com estes exemplos Rodrigo Moura retoma a reflexão iniciada por Ivo Mesquita sobre a importância da troca nas residências.
O que o artista deixa? E o que ele retém?

E assim, com estas questões no ar é iniciado o espaço para a discussão com o público.
Provocador, Marconi Drummond, o atual curador do Museu de Arte da Pampulha, expõe algumas questões e conceitos que geram dúvida: o que seria um programa de residência independente? Como ele é independente se todo programa supõe a movimentação de um sistema composto pelo mercado, pelo público, pelas linhas de financiamento? É preciso fazer esta revisão. E para terminar fecha com a proposta feita anteriormente por Martí Peran: “deveria haver também residências artísticas para o público”.
Rodrigo Moura concorda em primeira instância com o desconforto que a palavra “independente” causa, e que apesar da fala dele ser voltada para uma residência que funciona dentro de uma instituição, ela mesma já faz a revisão dos modelos pré-estabelecidos pelos salões de arte, e traz a idéia do independente dentro do institucional. Rodrigo Moura não tratou de responder ao questionamento colocado por Marconi diretamente, mas se posicionou sobre a idéia de criar uma residência para artistas e pesquisadores em Inhotim, que conta com um financiamento privado e que antes de construir esta “vila para artistas”, é preciso buscar uma colaboração com agências de fomento, principalmente estrangeiras, para que esse financiamento seja possível.
E assim deveria funcionar uma residência. Já não importa mais o nome instituição ou independente ou auto-gestora ou autônoma, é preciso encontrar novas formas de financiamento para o funcionamento destas residências.
Ivo Mesquita ainda acrescenta a idéia de que as residências seriam um nova forma de nacionalismo, assim, países com mais dinheiro investem mais em seus artistas, financiam seus trabalhos e fazem partes de residências onde o trabalho que é produzido lá é visto como um agenciamento social do artista. E por aqui a coisa está só começando....
Ana Tomé finaliza a mesa com a frase que se ouvia pelos corredores, e se pergunta: “porque está a residência de moda?”, para ela não, não está de moda, é a descoberta de um novo formato, no qual cada vez mais instituições e agentes autônomos estão se aproximando.

HEIDEGGER, Martin. Ensaios e Conferencias. Ed. Petrópolis: vozes, 2002
MERLEAU-PONTY. Maurice. Fenomenologia da Percepção. ed. São Paulo:Martins Fontes, 1994