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Encontro Ibero-Americano de Programas de Residências Artísticas

relato por Giorgia Mesquita

Encontro Ibero-Americano

de Programas de Residências Artísticas

24 de novembro de 2008

 

Mesa: programas de residencia como práctica situada

A mesa que teria somente Miren Eraso, editora, ex-gestora Arteleku (ES), apresentando seu manifiesto por una residencia situada, que visa a criação de uma plataforma editorial que conecte programas de residências, espaços de produção e práticas discursivas, foi reconfigurada com Alessio Antoniolli (Triangle Arts Trust/ Gasworks, Londres), Martí Peran, crítico de arte catalão (em comunicação virtual simultânea) e a artista e pesquisadora Carla Zaccagnini, seguindo esse mesmo conteúdo.
Antoniolli começa sua fala convidando os participantes a exporem suas idéias a respeito das seguintes questões: porque fazer uma residência, para que se fazer uma residência e para que serve uma residência. Muitos dos presentes se pronunciaram, sendo que alguns tiveram sua fala comprometida no vídeo, tamanho o ruído captado do ambiente, o que me faz alertar ao fato de algumas delas não serem citadas neste relato.
A discussão seguiu em direção ao formato das residências como espaços produtivos (questão colocada por Peran pela manhã), e como o público seria parte desse espaço produtivo. 
Antoniolli  destaca que o artista que faz uma residência se envolve com público não apenas no espaço da residência, mas no espaço da cidade e em outras organizações que entra em contato. Os participantes da sessão seguem colocando suas idéias, citando brevemente experiências ocorridas em seus programas e algumas de suas preocupações. Luis Romero (Oficina #1, Caracas) atenta para o vínculo entre os artistas residentes com outros seguimentos, no caso a escola de arte, e define o resultado da experiência que se dá com o público como um “produto intangível de valor incalculável”. Ramiro Garavito (Martadero, Cochabamba) dá enfase à questão do processo produtivo como necessariamente vinculado com o social, alertando ao fato de que as residências seriam laboratórios onde os agentes/artistas devem assumir a realidade.
Uma das participantes citou alguns itens sobre o conceito de residência em campo semântico ampliado, colocadas por Peran pela mãnha. Tais pontuais questões soaram como que pendentes na fala matutina do convidado. São elas: entender a conversão do conceito de residência à agência; a
relação com o público local que desfruta a experiência artística e que também pode servir para discutir a modificação do conceito de residência; de que é uma residência e para que serve e; por último, a residência como um fator do capital simbólico, ressaltando que este seria provido de muitos matizes, como bienais, galerias, o circuito de arte, etc.
Peran começa atendo-se à definição de capital simbólico (seria o conceito de Pierre Bourdieu?) como uma noção de valor, e a residência uma plataforma de construção de valor simbólico. “De um modo bem concreto”, uma agência seria uma plataforma que detecta dinâmicas sociais previamente existentes (conflitos, demandas), incorporando-as e entregando-as à criatividade, como nos programas de residências, de tal modo que os artistas possam lhe dar um destino. Complementa que, caso se avance por essa via, pode-se afirmar que todos os programas de residências em contextos específicos não caminham na direção de construir consensos, de limar diferenças, de apaziguar conflitos, acomodar territórios, pois para isso há outros órgãos que dependem dos instrumentos da política convencional, da política ordinária, que está obrigada a construir espaços serenos. Os projetos culturais tem por objetivo detectar conflitos, problemas e diferenças, colocando-os em destaque com o objetivo de alterar os espaços. Continua, sem contudo exemplificar, sobre a importância de fazer com que os projetos realizados nos programas de residência sejam verdadeiramente interessantes, enfatizando que a mobilidade não é uma noção de valor e não deve justificar um programa de residências, uma vez que esses devem estar pautados em interesses reais. Acredita que os esforços feitos pelos agentes dos programas de residências, em linhas gerais, não correspondem com seus resultados.
Traça ainda paralelos entre os programas de residências e a crítica institucional, colocando que agora podemos estar re-fundando uma terceira fase de crítica institucional. A primeira pode ser considerada quando o mundo da arte toma consciência do institucional, com artistas como Hans Haacke; a segunda quando a própria instituição passa a refletir sobre si mesma, quando os museus se organizam, fazem seminários sobre as exposições e tentam definir seu público; e a terceira, a que estamos passando, seria a redução da marca institucional, onde os espaços e estruturas de pequenos formatos detém capacidade para realizar atividades, podendo então, ser considerados uma atividade paralela à crítica institucional.
Paulina Varas (Crac, Valparaíso) contrapõe o ponto de vista de Peran quanto à primeira crítica institucional que se situa em Hans Haacke, alertando ao fato de que não existe uma crítica institucional, mas críticas institucionais diversas, pautadas em contextos diferentes e com outras referências, citando como exemplo, a ditadura militar chilena. Complementa sua fala propondo uma saída, que seria a de pensarmos não em algo específico ou em uma crítica institucional, mas na construção de um lugar para essa crítica, sem contudo aprofundar, porém dando ensejo à discussão do que seria a relação entre os espaços de pequenos formatos (ou independentes) e as instituições, colocadas por Peran: uma independência econômica. Algo que, de fato, não foi seguido adiante pelos demais participantes.
Giancarlo Scaglia (Revolver, Lima) um tanto duvidoso quanto às práticas realizadas na residência, volta à questão espaço produtivo, considerando que os artistas convidados durante o período de um mês, na referida residência, produzem e depois mostram na galeria, como uma maneira de criar um circuito, onde a comunidade entra em contato. Scaglia afirma que quando um artista é convidado é para que possa enriquecer sua obra, por isso lhe é dado um tempo para que possa realizar um projeto a partir da experiência que teve. Zaccagnini exemplifica que  há casos em que não se está previsto que se tenha um produto e que a produção de um artista pode tornar-se visível de várias maneiras: em uma exposição, quando os artistas apresentam seus trabalhos ou quando há artistas locais e estrangeiros residindo no mesmo momento, sendo esta, uma maneira mais orgânica de troca.
Complementando as dúvidas de Scaglia, Antoniolli enfatizou que o produto é diferente segundo o lugar, uma vez que os lugares tem necessidades diferentes, jogando a questão: porque limitar os artistas ao mesmo direcionamento? Retoma as definições de Peran ao dizer que essa é uma questão de voltar à noção de agência, detectar conflitos, o que se passa no contexto e depois pensar algo com os artistas, uma vez que, “não estamos tentando criar uma rede homogênea, onde todos fazem a mesma coisa”..., “mas usar as diferenças para fortalecer as produções dos artista, crescer como organizações/instituições, que é o que somos”.
Eraso, do mesmo modo que seus colegas de mesa, colocou que o espaço de produção pode ser uma oficina, e também, como algumas pessoas têm definido, uma residência. Essa diferença pode estar no tempo, nos intervalos, nas intensidades em que pode ocorrer. Algumas residências não tem a expectativa de um produto final, cada centro imagina este resultado a partir do contexto que está e tem propostas diferentes (pode ser um workshop, uma oficina, uma atividade em diferentes espaços...).
Raquel Schwartz (Kiosko, Santa Cruz de la Sierra) alerta ao fato de que o que ocorre, em Kiosko e em outras cidades latino-americanas, é uma carência no circuito de visibilidade, uma vez que os críticos e curadores não visitam esses locais. Coloca também que o referido programa é um espaço de arte contemporânea com referência em outros espaços e tem como objetivo dar oportunidade para que os artistas possam conversar sobre arte.
Augusto Albuquerque (Sacatar, Itaparica-BA), depois de fazer uma explanação um tanto piegas ao definir o artista como um ser especial que merece ser premiado com residências e, descrever como é o processo seletivo da Sacatar, se ateve a algumas questões relacionadas ao espaço produtivo. Se de um lado Albuquerque não vê problema no artista que deseja ficar dependurado numa rede todo o período da residência, por outro lado, lança a questão de como justificar para o governo que banca um artista, o fato dele chegar para uma residência e não fazer nada, acrescentando que isso seria uma característica peculiar dos programas de residência. Por último, falou da importância dos artistas locais estarem em contato com os artistas internacionais e da oportunidade do Encontro de Residências para construir e solidificar ações.
Marcos Moraes (Lutétia-FAAP, São Paulo), no gancho de Albuquerque,  fez apartes da residência da FAAP em Paris na Cité des Arts e da residência em São Paulo, para depois, lançar uma provocação. Moraes acredita que a criação desses espaços, referindo-se à FAAP, têm um sentido de contribuir com formação artística, onde a troca, o tempo, e o deslocamento temporal, no qual se permite ao artista estar em contato com outra realidade e outras pessoas, amplia seu processo de formação. A única exigência da FAAP é que os artistas residentes tenham relação direta com a formação de outros artistas, no caso, os estudantes de arte, e isso se dá pelo menos com um encontro ou palestra. Termina sua fala apontando que os itens discutidos nessa mesa são os mesmos discutidos mundo afora, e cita alguns deles: a importância da rede e como esta se insere no sistema, as possibilidades de articulação de pequenos núcleos e porque essa necessidade e desdobramentos; alertando para a idéia de outras possibilidades de conexões, algo que seria discutido num encontro da Res Artis no Canadá.
Uma participante, a qual não consegui identificar, propõe que seja perguntado aos artistas o que querem numa residência, já que curadores, diretores de museus, críticos, colecionadores, galeristas e professores debatem sobre o assunto, e os artistas são pouco ouvidos. Acrescenta ainda, paralelos que podem ser lincados com os argumentos inicialmente colocados por Paulina Varas, ao enfatizar que os países latino-americanos e outros centros periféricos têm necessidade de fazer arte contemporânea, e que aí há um perigo, se assim for feito como um exercício postural e não de reflexão. Destaca, por fim,  que na contemporaneidade devemos estar atentos ao que se pode gerar a partir da produção de arte, sendo que esta, não tem a ver com uma estratégica específica de formalização e sim com  respostas a critérios, a metodologias e ferramentas reflexivas que nos possibilitam pensar um outro tempo contemporâneo, onde a produção de arte não esteja pautada num sistema “hegemônico”.
Flávia Vivacqua (Terra Una, Liberdade-MG) destacando a palavra “escala” ressaltou que o que diferencia uma residência e a torna aberta é seu processo e a difusão que essa experiência pode alcançar. A escala, nesse sentido, seria tanto a experiência do artista que se desloca para outra realidade, sua relação com a comunidade e a cidade, como o deslocamento dessas experiências numa rede que possa fortalecer essas ações. Finaliza perguntando-se quem seriam os artistas que fazem residência e sobre os processos seletivos, que acredita, filtrariam de maneira decisiva essas práticas e a produção. Questões essas que me fizeram pensar se a difusão dessas experiências farão com que se tenha resultados de qualidade e, então poderíamos perguntar o que seria um produto de qualidade num programa de residência. Algo que, voltando às definições de Peran e os acertos de Moraes, ficou em aberto, devido à lacuna que existiu entre os dois pontos de vista marcantes da mesa: a primeira, do artista trabalhar num âmbito “real” e, por último, da residência ser uma possibilidade de formação artística.
Albuquerque pergunta a Ana Tomé (Diretora, Centro Cultural da Espanha em São Paulo, AECID) e Camila Milena, do British Council (que não se pronunciou, talvez pelo fato da mesa ter passado do tempo previsto e os participantes estarem um tanto exaustos), sobre o apoio e colaboração que essas organizações dão aos programas de residências, uma preocupação, como disse, em saber sobre quem apóia essas iniciativas. Tomé então explica que a Agencia Española de Cooperación Internacional, através de representantes culturais latino-americanos, considerou que havia uma demanda tanto por parte dos programas latino-americanos como espanhóis, de criar um espaço de intercâmbio e de conhecimento mútuo que permitisse reforçar não só as relações, mas as práticas de cada um desses espaços. Soma-se a isso o fato de que essas iniciativas são provenientes de recursos públicos espanhóis e que consideram-se como um elemento facilitador para essas comunicações, enfatizando que não têm propostas fechadas, mas desejam escutar, dividir e seguir uma linha de trabalho a serviço de iniciativas  pertinentes.
Peran, responde a  Paulina Varas, dentre outras questões, que acredita que o melhor modo de se praticar crítica institucional é não mencionando. Sinaliza ainda sobre o contexto específico, alertando a importância da rede e também que, quando falamos de contexto específico, não temos que falar somente do contexto de trabalho, mas também de outra vertente de contexto que seria o espaço de retorno. Esse espaço não seria o da produção, mas o da visibilidade e da reflexão. Faz breve apartes sobre o que seria o público das residências e finaliza, “como um apêndice”, apontando ao fato dos artistas residentes terem de trabalhar em tempo curto, podendo haver pressão em atingir resultados. Indaga, talvez como reflexo de posicionamentos anteriores, sobre o que representaria para os artistas trabalharem sob esse formato, considerando que, sob esse ângulo, os programas de residência podem ser experiências formativas.
Considero que aqui talvez fosse o ponto onde os diferentes discursos pudessem estar em comunhão, ou de outro modo, onde o conceito de “espaço produtivo” pudesse ser definido como uma experiência de formação. Desse modo, atendo-se ao fato de que as residências têm variantes e o processo de formação dos artistas é algo individual, talvez fosse coerente pensarmos a residência como um campo de pesquisa, onde as determinantes seletivas possam estar alçadas no desejo de pesquisa por parte dos artistas, estando estes, invariavelmente, em processos cambiantes e diferenciados. Assim sendo, se a experiência de deslocamento não é em si um valor e não justifica um programa de residências, como apontou Peran, a pesquisa, em seus múltiplos modos e inerente aos processos artísticos, preencheria o “pré-requisito” de se trabalhar com interesses reais? Por outro lado, se os programas de residências devem cumprir o papel de valoração das experiências artísticas, passariam a ter funções similares às de outras esferas do sistema de arte, como a de transformar bens culturais em econômicos?