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Museus de Berlim na FAAP - “Antiguidade - Museus – Contemporaneidade”

Palestra de Andreas Scholl diretor da Divisão de Antiguidades dos Museus Nacionais de Berlim. Debatedor: Tiago de Oliveira Pinto, co-curador da exposição "Deuses Gregos". Mediador: Martin Grossmann, coordenador do Fórum Permanente “Museus de arte – entre o público e o privado”. Segunda palestra sobre a exposição “Deuses Gregos” que ora acontece na FAAP, em São Paulo, e é o primeiro fruto de um convênio entre esta entidade e o complexo denominado “Ilha dos Museus”, em Berlim. - 22 de agosto 2006

A conferência “Antiguidade - Museus – Contemporaneidade” proferida por Andreas Scholl, diretor da Divisão de Antiguidades dos Museus Nacionais de Berlim, na FAAP, abordou, principalmente, a coleção do Museu Pergamon, que pertence à “Ilha dos Museus” (Museumsinsel) de Berlim, tema da conferência de Klaus-Dieter Lehmann, presidente da Fundação Prussiana de Cultura, na primeira palestra sobre os Museus de Berlim na FAAP. É importante assinalar a complementaridade das duas conferências, pois o acervo do Museu Pergamon, apesar da sua história singular, apresentada exemplarmente por Scholl, pertence a um acervo gigantesco de arte internacional, que inicia na pré-história e vai até o século XIX, abrigado numa rede de Instituições (Altes Museum, Neues Museum, Alte Nationalgalerie, Bode Museum e Pergamon Museum).

Inicialmente, Andreas Scholl narrou a história do Museu Pergamon inserida no panorama histórico da formação da Ilha dos Museus (1830-1930). Pergamon, projetado pelos arquitetos Alfred Messel e Ludwig Hoffmann, foi o último Museu a ser construído, entre 1910 e 1930, dentro de um espírito de época que buscava unir cultura e ciência e entendia essas instituições como disseminadoras de conhecimento e, portanto, considerava a formação do seu acervo como uma reconstrução da história das culturas antigas a partir de uma pesquisa rigorosa. No caso particular do Museu Pergamon, essa reconstrução assume uma escala monumental, através da transposição para o espaço museográfico de recortes arquitetônicos como o Altar de Pergamon, o Portal Ishtar e o Portal do Mercado de Miletus. Muitas dessas “fachadas” foram literalmente reconstruídas a partir de fragmentos originais, fato que suscitou interrogações na platéia sobre as idéias opostas de originalidade e cópia, história e ficção. Vale ressaltar aqui que as obras do Museu Pergamon, apresentadas na exposição “Deuses Gregos” na FAAP, são “cópias” romanas dos “originais” gregos que sofreram “modificações” no decorrer de sua história dentro do acervo.

A história desse acervo monumental não se confunde somente com a história do Museu Pergamon ou da Ilha dos Museus, mas também com a história da própria Alemanha. Fatos históricos marcantes, como a unificação do Estado Alemão, em 1871, e, conseqüentemente, a transformação de Berlim em capital, ou a transposição da coleção real para os museus públicos no período em que a Alemanha disputava a hegemonia cultural do continente europeu com a França no período Napoleônico,  colocam o Museu Pergamon e o seu acervo no epicentro da formação da idéia moderna e européia de museu de arte. Outro fato digno de menção que, no entanto, não foi abordado na conferência, seria a apropriação simbólica da arquitetura e da arte clássica pelo Terceiro Reich e a maneira como a reconstrução atual desse patrimônio refletirá no imaginário do povo alemão. Falar em reconstrução significa também falar em reunificação. O edifício projetado por Messel e Hoffmann foi severamente danificado durante os bombardeios à Berlim na Segunda Guerra Mundial. No pós-guerra, grande parte do acervo foi levada pelo Exército Vermelho para a antiga União Soviética e retornou parcialmente para a Alemanha Oriental a partir dos anos 60. Com a reunificação das Alemanhas, após a queda do Muro de Berlim, em 1989, a coleção pôde novamente ser redistribuída na planta do Museu. No entanto, grandes esforços políticos e financeiro foram feitos para recuperar o edifício do Museu Pergamon, que ocupa um papel central na Ilha de Museus, e também para construir uma quarta ala para o museu, o que ampliará a sua capacidade de exibir um acervo que em grande parte permanece inacessível ao grande público.

À conferência “Antiguidade - Museus – Contemporaneidade” seguiu o comentário de Tiago de Oliveira Pinto, co-curador da exposição Deuses Gregos, apresentando detalhes do projeto curatorial de uma mostra que reúne duzentas peças do acervo do Museu Pergamon, parte delas pertencentes ao acervo permanente. Tiago fez questão de mencionar a relação das obras apresentadas na FAAP com a história do acervo do Museu Pergamon, citando que determinadas obras foram adquiridas no século 18, enquanto outras foram descobertas em escavações no século 19. Esses dois momentos distintos na formação do acervo tinham sido destacados anteriormente por Andreas Scholl. Paralelamente às mudanças nas diretrizes para a formação dos acervos, ocorreram também, no decorrer dos quase cinco séculos de história, transformações substanciais no conceito e nas técnicas de restauro. Aqui retornamos o problema, mencionado anteriormente, da ficção inerente a lógica de formação de acervos e sua exposição.

Nessa linha reflexiva, a mediadora, Maria Izabel Ribeiro, diretora do Museu de Arte Brasileira – FAAP, questionou ao palestrante e ao debatedor sobre o problema da transposição de obras que possuíam um “local-específico” para o espaço museográfico e suas implicações para a questão arquitetônica (escala) e para a recepção pública. A opinião de ambos confluiu para o entendimento de que a encenação de uma cultura antiga, nesse caso a cultura grega, no espaço do museu, tanto em Berlim quanto aqui no Brasil, desperta o interesse do público sobre o assunto e o leva à busca informações sobre essa cultura, seus mitos e personagens. Foi destacado ainda o rigor científico de formação da coleção do Museu Pergamon e dos projetos curatoriais. Embora a palavra não tenha sido mencionada, percebemos que existe uma intenção didática nesse rigor científico, exemplificada no catálogo da exposição, um material que pelo fato de reunir para além dos dados de catalogação das obras também textos de importantes estudiosos sobre a cultura grega transformam o “livro” numa obra de referência sobre o tema e um material acessível ao público interessado.

Finalmente, a conferência chamou a atenção para o fato do museu Pergamon estar inserido no circuito internacional e na lógica contemporânea da “sociedade do espetáculo” (assunto debatido na conferência do Professor Lehmann), mas ainda manter o seu papel na construção e divulgação de conhecimento acerca das culturas relacionadas ao acervo que abriga.

(por Vinicius Spricigo)