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HO|ME Hélio Oiticica e Mircéa Eliade

Tendência para o concreto: mitologia radical de padrão iniciático

Suzana Vaz

 

DREAMTIME

O reconhecimento de uma mitologia radical de padrão iniciático na obra e no processo criativo de Hélio Oiticica – padrão anunciado na afirmação Aspiro ao grande labirinto1 e evidente desde os Penetráveis2 – situa as suas realizações num paradigma de tendência para o concreto, tal como este é formulado por Mircéa Eliade nos seus estudos sobre a experiência humana de mudança de modo de ser, de passagem de um modo de ser profano para um modo de ser não-profano.


Mircéa Eliade descreve a tendência para o concreto como a valorização do conhecimento experimental, da realização prática, directa e individual – dependente de dados concretos, imediatos, dificilmente separáveis do seu substrato fisiológico3 – nessa mudança ou passagem, e aponta a preponderância desta tendência nos complexos culturais arcaicos ou pré-clássicos – aborígenes, proto-históricos e populares, não sistemáticos e de tradição oral – em oposição à tendência de valorização do conhecimento especulativo, característico de complexos culturais sistemáticos e de tradição escrita, escolástica e hermenêutica4.

Eliade desenvolve uma abordagem comparativa da experiência humana do sagrado, que coloca em evidência a mudança de modo de ser e a dinâmica da passagem do modo de ser profano para o modo de ser não profano, fazendo uma apresentação contextual dos veículos culturais preferencialmente adoptados para essa mudança ou passagem: métodos (como o Yôga), técnicas (como o xamanismo), ritos (como a passagem do ano ou a orgia), mitos (como o mito originário, do centro do mundo ou do paraíso perdido) e símbolos (como o labirinto ou o ovo).

Adoptando esta perspectiva, este texto analisa a possibilidade de que o conjunto da obra de Hélio Oiticica (realizações, processo criativo, reflexões) surgindo do campo de tensão entre estes dois paradigmas epistemológicos – de tendência para o concreto e de tendência para a especulação – acciona consistentemente veículos culturais de mudança de modo de ser subjacentes ao paradigma de tendência para o concreto, e expõe os paradoxos da coexistência das duas tendências na cultura heterogénea que a sua biografia abrange.


A referência a Mircéa Eliade acontece em 1973 nos escritos de Hélio Oiticica5 como uma indicação dada por Guy Brett acerca da ideia de dreamtime:

«Guy descobriu/revelou-me muitas coisas mas acima de tudo falou-me do DREAMTIME [TEMPO DO SONHO] como parte do padrão social das TRIBOS ABORÍGENES: e reclarificou/relembrou-me isso hoje: no livro de Eliade (qual?) descobriu que durante períodos intermitentes o indivíduo pertencente a uma tribo (TABA/NUCLEO) deixa a comunidade para deambular sem objectivo na floresta além da TABA: a dispensa de obrigações comunitárias conduz neste caso a uma libertação do pensamento – uma transformação que ocorre dentro do seu comportamento social: papel-social-com-individualidade-consolidada: suprema forma de lazer não repressivo: a descoberta de Guy direcciona-se brilhantemente para o foco principal que gerou muitos dos meus projectos tais como o do Éden, etc.: BARRACÃO: e penetrar nas consequências implicadas numa concepção tal como a de DREAMTIME pode ser (e é) a mais reveladora e efectiva das muitas linhas de pensamento que conduziram a proposições tais como as relacionadas com PARTICIPAÇÃO/COMPORTAMENTO/INVENÇÃO/ LAZER (e CRELAZER)/ETC. como campos experimentais recentes: Guy de facto revelou-me um vínculo de p a i x ã o dentro da concepção de DREAMTIME.

Quem quer que tenha tido o privilégio de DREAMTIMING [DETER-SE NO TEMPO DO SONHO] só pode ser alguém de sorte e bom gosto – um full timer da experimentação [experimentador a tempo inteiro] e o único a instalar um padrão comportamental definido de experimentação total dentro dos padrões sociais estabelecidos»6

Hélio interpreta DREAMTIME, o tempo do sonho, como a dispensa de obrigações comunitárias e como uma “libertação do pensamento” e, numa formulação avançada, como um “padrão comportamental” que se define em contraponto ao modelo comportamental estabelecido; de facto, caracteriza uma dinâmica de consciência pela qual se realiza a “experimentação total”. Ao mesmo tempo, identifica a ideia ou concepção de DREAMTIME como central nas suas proposições experimentais, naquela altura as mais recentes, nomeadamente os projectos Éden e Barracão, distinguindo-a como a “mais reveladora e efectiva das linhas de pensamento” que a estes teriam conduzido.

A análise desenvolvida neste texto segue a recomendação de Hélio de «penetrar nas consequências implicadas numa concepção tal como a de DREAMTIME». Para tal, toma as realizações e projectos do artista como veículos para a mudança de modo de ser, pelos quais este realiza a experimentação na relação empírica corpo/mente/ambiente e a observação da dinâmica de consciência num complexo corpo/mente, para comprovar a sua integridade dentro de um paradigma de tendência para o concreto.


Mito originário e potência criativa

No contexto arcaico, a validação da experiência concreta é correlata de uma validação das acções humanas elementares, e, primeiramente, das acções relacionadas com a fisiologia, de modo directo ligadas à génese e existência do homem. Atribuindo-lhes significado, o homem liberta-se de acções meramente automáticas, protegendo-se assim da insignificância e do nada: escapa à esfera do profano, unifica-se com a realidade7.

A concepção arcaica de que o homem, por meio das acções humanas elementares, se unifica com a realidade, advém directamente da mitologia cosmogónica que dá coesão a esses complexos culturais. De estrutura semelhante, com variantes em diferentes comunidades, o mito originário é instrutivo: in illo tempore, antes da ‘história’ começar, os deuses ou os ancestrais do homem realizaram as acções arquetípicas, servindo de modelo para todas as acções humanas significativas ou relevantes para a sobrevivência ou subsistência humanas, em todos os âmbitos, desde a sexualidade, à caça ou à navegação, sempre que se tratasse de fazer algo, vivo, animado, ou inanimado8. A repetição destas acções permite ao homem tornar-se contemporâneo dos deuses ou dos ancestrais, permite-lhe abolir o tempo – das acções profanas, da transformação, e da condição humana – e regressar ao tempo antes da ‘história’, ao momento originário, de unificação com a realidade, ao estado pré-cosmogónico, pré-formal.

A repetição da acção original – acção exemplar – é um dos factores míticos que define a motivação criativa de Hélio Oiticica. Hélio designa a repetição da acção exemplar como programa-obra in progress e, no CONTRA-BÓLIDE Devolver a terra à terra, recorre a uma operação poética de deslocação de terra para concretizá-la:

«Trata-se de uma operação poética que se instaura no que chamo de CONTRA-BÓLIDE ou seja: é a contra operação poética da que gerou o Bólide:

O BÓLIDE-VIDRO (e o BÓLIDE-CAIXA também: já que a cor-pigmento pintada ou caixificada em bloco-cor era uma forma de concretizar a massa-pigmento de uma forma nova extra-pintura) que continha o pigmento a terra etc. na verdade não o continha como se fora a «caixa de guardar terra» mas concretizava a presença de um pedaço da terra-terra: dava-lhe uma concreção primeira e contida afastando-a do estado disperso naturalista […]

Nesta operação CONTRA-BÓLIDE pego uma forma de madeira de 80x80x10 cm e preencho-a de terra preta trazida de outro lugar: mas em vez de ser esta terra colocada num container é ela colocada nesta cerca sem fundo: o fundo é a própria terra da localidade onde foi colocada a forma: a forma é então retirada deixando então TERRA SOBRE TERRA que ali fica: o CONTRA-BÓLIDE passa a ser então em vez de obra uma espécie de programa-obra in progress que pode ser repetido quando houver ocasião-necessidade para tal: o CONTRA-BÓLIDE revelaria a cada repetição desse programa-obra in progress o carácter de concreção de obra-génese que comandou a invenção-descoberta do BÓLIDE nos idos de 63: por isso era o BÓLIDE uma nova ordem de obra e não um simples objeto ou escultura!.»9

O estabelecimento ou fundação de uma acção original confere ao acto e processo criativos o seu antecedente de potencial e latência; desse modo, uma acção original é mais do que uma criação, já que também enuncia a própria potência criativa, a criação. Por um lado, por ser exemplar, a acção original «pode ser repetida quando houver ocasião-necessidade para tal». Cada repetição (neste caso sob a forma de CONTRA-BÓLIDE, que Hélio designa como “programa-obra in progress”) torna presente a acção exemplar, o arquétipo, que Hélio designa como “obra-génese” (neste caso, o BÓLIDE “dos idos de 63”). Por outro lado, a obra génese ou arquétipo é a concretização de uma “invenção-descoberta”: expressa, ao mesmo tempo, um comando criativo e a potência criativa que lhe está subjacente, ou seja, veicula uma possibilidade de invenção radical, pela qual, para além da mera obra, o artista institui uma nova ordem de obra10.

À semelhança do homem do contexto arcaico, Hélio procura a condição de contemporaneidade com os deuses ou os ancestrais, ensaiando a situação do momento originário11. A sua apropriação da estrutura mítica da acção original revela uma vontade de retorno ao pré-formal, ao estado potencial e latente que precede e comanda a criação, em dois processos concomitantes: o acesso e vivência da potência criativa e a comprovação do carácter indeterminado da criação. O depoimento sobre CONTRA-BÓLIDE - que é uma das últimas realizações de Hélio Oiticica, de 1979 – assume a importância de uma reflexão retrospectiva sobre a sua posição enquanto criador, afirmando a coerência do seu processo criativo, já que estabelece explicitamente a ligação com BÓLIDE e revalida o intuito que motivou essa criação generativa e o seu devir.

BÓLIDE e CONTRA-BÓLIDE são experiências marcadamente simbólicas: na experiência BÓLIDE, o objecto é transformado, «de forma simbólica, em obra de arte»12, concretizando a presença da terra e contendo-a; em CONTRA-BÓLIDE, o objecto passa de contentor a molde, e a transformação simbólica evolui para uma “operação poética”, neste caso a de devolver a terra à terra. Por meio desta operação poética, que permite e prevê a repetição da acção, a experiência adquire a dimensão de rito, dimensão em que a repetição da acção, como vimos, não é automática nem insignificante, mas restaura uma acção original, reatando um complexo de significados relativos à vivência da potência criativa, e evidenciando uma estrutura de mito originário.


Partição da consciência e realização do atemporal

A experiência BÓLIDE, recordemos, é «o começo da percepção das qualidades específicas dos objetos, […] trata-se de despir esses objectos existentes, úteis ou não, de suas qualidades conotativas, para deixá-lo na sua pureza primitiva»13. O BÓLIDE visa suscitar uma «oscilação do ponto de interesse» e um «contínuo deslocamento estrutural», que «criam a disprivilegiação da visão total da obra», que «não é vista ‘assim’ ou ‘de outro modo’, mas totalmente, segundo a intuição do espectador no deslocamento a que é levado na estrutura»14. A experiência BÓLIDE parece sugerir uma regressão no processamento cognitivo que Hélio explica de modo ainda mais simples: «Na experiência dos Bólides sinto-me assim como uma criança que começa a experimentar os objectos para aprender suas qualidades: sólido, oco, o ‘redondo’, seu peso, transparência»15. BÓLIDE situa-se no conjunto de experiências respeitantes ao objecto, que inclui PARANGOLÉ, e em que Hélio reafirma a valorização do conhecimento experimental – da realização prática, directa e individual – de uma dinâmica de consciência desencadeada pelas características do objecto. Essa realização depende não de uma “apreensão objectiva” dos materiais, mas de uma relação “condicionada-incondicionada”16 no contacto espectador-obra, que atribui a ênfase àquilo que no objecto «permanece aberto à imaginação».

A experiência BÓLIDE, recordemos ainda, é antecedida pela pesquisa que Hélio desenvolve em resposta à «necessidade de dar à cor uma nova estrutura»17, de que resultam INVENÇÕES, MONOCROMÁTICOS, RELEVOS, BILATERAIS, NÚCLEOS e PENETRÁVEIS, experiências que buscam uma “nova ordem da cor”18. Nestas, Hélio sublinha a importância do diálogo do artista com a matéria19, «que pede do artista uma disponibilidade e um desinteresse, quase que um brincar com a cor»20. O diálogo com a matéria proporciona o “movimento criativo” do qual se pode dizer que nasce um conteúdo, indeterminado, informulado21, naquilo que Guy Brett referiu como “processo ‘mágico’ dos materiais”22. Esse movimento criativo assinala, na experiência criativa segundo Hélio Oiticica, a partição da consciência em duas instâncias - mente e movimento criativo:

«A criação é o ilimitado; não adianta querer mentalizá-la. A mente tem o poder de aprisionar o que deve ser espontâneo, o que deve nascer. Dessa maneira, porém, só consegue atrofiar o movimento criativo. Precisa-se da mente, mas com isso não nos deixamos escravizar por ela; é preciso movimentar o ilimitado, que é nascente, sempre novo; faz-se»23.

Nos NÚCLEOS e nos PENETRÁVEIS, em que o espectador entra fisicamente na obra e fica circundado por esta, Hélio pretende tornar «mais clara a intenção de toda essa experiência no sentido de transformar o que há de imediato na vivência cotidiana em não-imediato»24, referindo a realização do não-temporal, a possibilidade de passagem de um modo de ser profano para um modo de ser não profano. No processo de “desenvolvimento nuclear da cor, esta é assumida como estrutura que progride no tempo e no espaço, adquirindo assim um “carácter existencial, fenomenológico”25: pulsa do “estado estático para a duração” e alcança uma “dimensão infinita”26. Nessa dimensão estabelece-se, por um lado, a realização de um “movimento interior” de “aspirações indeterminadas” (o movimento criativo)27 e, por outro lado, o «diálogo com o espectador, uma realização existencial no mais alto sentido da palavra»28. Essa experiência existencial é vivida como um clímax, como superação do quotidiano29, que já anteriormente Hélio descrevera como «achando a eternidade na temporalidade [que, ao ser] vivenciada e apreendida, se estatiza num não-tempo (o outro pólo seria a temporalidade relativa do quotidiano)»30.


Parangolé e a “vontade de um novo mito”:

1. retorno ao incondicionado

Na progressão experimental «cada vez mais comprometida com o comportamento e participação individuais» e visando «a derrubada de todo o condicionamento», que conduziria posteriormente à “proposição vivencial”31 de ÉDEN, BARRACÃO e NINHOS, enquanto a experiência BÓLIDE é determinante para a distinção entre simples objecto e uma nova ordem de arte32, a experiência PARANGOLÉ estabelece, para além disso, «uma verdadeira retomada da estrutura mítica da arte»33.

Enquanto uma nova ordem de arte, pelo seu sentido construtivo34, PARANGOLÉ abre para a “procura de totalidades ambientais” e para a “participação ambiental” do espectador, «em ordens que se estabelecem segundo a necessidade criativa crescente»35, até chegar à “vivência-total Parangolé”36 em que o espectador é agora “participador”37. A designação PARANGOLÉ, sem significado previamente conhecido e apropriada de um letreiro que identificava uma assemblage de um sem-abrigo38, recupera um vocábulo ininteligível de uma cultura não institucional. A designação PARANGOLÉ é excepcional entre as designações atribuídas por Hélio às suas experiências e realizações, que recuperam termos de uma cultura heterodoxa mas institucional, de modo directamente inteligível, e em referência, por exemplo, à história da arte (READY-CONSTRUCTIBLE) ou a trends pop (COSMOCOCA). A designação PARANGOLÉ não assinalará simplesmente o interesse pela “primitividade construtiva popular”39, mas denota o intuito de distinguir uma dinâmica subjacente à “totalidade” (ou “fundação objectiva”) desses “núcleos construtivos primários”40 – «a relação pluridimensional entre ‘percepção’ e ‘imaginação’»41. Esta relação é homologada a um processo de regressão à consciência pré-linguística, de suspensão dos dispositivos discursivos (analíticos, racionais) e de resgate da situação de espontaneidade, de que resulta, sintomaticamente, a criação de uma nova linguagem verbal, ininteligível para terceiros. Nesse sentido, a designação PARANGOLÉ sugere a adopção simbólica de uma cultura não reconhecida e anuncia, desde logo, o factor mítico de retorno ao incondicionado que, como veremos, configura a concepção de DREAMTIME e todo o empreendimento criativo de “proposição vivencial”42.

Na experiência PARANGOLÉ Hélio estabelece a aproximação a um conjunto de factores que reconhece proporcionarem o “retomar do mito”, tais como “elementos da dança” ou “a criação de lugares privilegiados”. Hélio descreve a influência destes factores como uma «interferência contínua e de longo alcance [no comportamento do espectador], que se poderia alçar nos campos da psicologia, da antropologia, da sociologia e da história»43. Mircéa Eliade resume os aspectos essenciais do comportamento mítico – o padrão exemplar, a repetição, a interrupção da duração profana e a integração no tempo primordial (originário)44 – e refere que o mito revela uma região da ontologia que é inacessível à experiência lógica45, pelo que «uma das suas principais funções é determinar, autenticar os níveis de realidade que tanto uma primeira impressão como um pensamento mais detido indicam ser múltiplos e heterogéneos»46, desse modo transformando um evento num modo de ser47.


2. iniciação e anti-cultura

Com o seu interesse pela dança, «experiência da maior vitalidade», torna-se mais precisa no discurso de Hélio a caracterização da partição da consciência em duas instâncias, quando coloca em paralelo a sua necessidade vital de desintelectualização e a sua necessidade de uma livre expressão, e quando refere a correspondência entre, por um lado, a improvisação, a imersão no ritmo, a identificação vital completa do gesto e, por outro lado, o obscurecimento do intelecto «por uma força mítica interna individual e coletiva»48. Sintomaticamente, a experiência PARANGOLÉ apresenta, sob a forma de paramento individual, a possibilidade de vivência de uma nova sensitização e motorização corporais, de suspensão de automatismos perceptivos e motores e de suplantação de atavismos cognitivos. Esta vivência franqueia o acesso a uma consciência incorporada e nuclear49, directamente dependente dos sistemas homeostáticos, cinestésicos e proprioceptivos e dos inputs das modalidades sensoriais que interligam as instâncias corpo/mente/ambiente. A situação assim alcançada contrapõe-se à supremacia do conhecimento processado por uma consciência de grandeza maior50, caracterizado pela mediação da linguagem e pela perda de vivacidade da componente sensorial do percepcionado51. Quando Haroldo de Campos se refere a PARANGOLÉ, primeiro como um “projecto alado” e, depois, como uma “asa delta para o êxtase”, explicando que pretende colocar em evidência, ao mesmo tempo, a qualidade de “transfiguração do espaço-tempo” e o “elemento corpo, elemento júbilo, quase erótico” que emergem do uso do Parangolé, sublinha a condição sine-qua-non da experiência - a sua realização prática, vivencial:

«[…] de repente com o usuário, com o corpo do usuário, elas esplendem e decolam como um voo transfigurador, investidas de vida pela própria presença do usuário e espectador. Nesse caso, não é nem espectador, é um ‘fruidor’, desfrutador, porque está dentro, é um catalisador. O espectador é aquele que vê a performance do usuário. Este é uma espécie de ‘tactilizador’, se sensibilizador daquele manto, capaz de tanta plasticidade, e que de repente alça voo no momento em que, como que por magia, a lei da gravidade é suspensa pelo simples gesto do usuário que está investido no Parangolé»52.

Haroldo de Campos refere ainda, a propósito da personalidade de Hélio, a “polarização momento ‘intelecto’”/”momento ‘corpo’”, associando o “pólo corpo” ao «influxo direto da vivência, da existência […] do sensorial, do epifânico», e, assim, à assimilação de um conhecimento directo no qual o corpo é o suporte preferencial de «fenómenos de desconstrução, de destruição de padrões, de esquemas». Por outro lado, Haroldo de Campos homologa o Parangolé ao manto de plumas Hagoromo, elemento iconográfico central de uma história de carácter lendário do teatro clássico japonês Nô, tornando clara a “dimensão mitopoética”53 do primeiro. Com efeito, Mircéa Eliade mostra que o complexo de representações plásticas com o sentido de voo apontam para a ideia de voo extático ou mágico, e inserem-se num simbolismo ascensional de difusão universal que expressa dois propósitos, «transcendência e liberdade, ambos obtidos por uma ruptura no plano da experiência e reveladores de uma mutação ontológica do ser humano»54, indicada primeiramente pela abolição do peso55. Particularmente nos ritos relacionados com o voo extático ou mágico, a capacidade de voar proclama a degeneração da humanidade56, já que, de acordo com numerosas tradições e mitos, na época mítica, no tempo primordial, essa capacidade estendia-se a todos os homens57; a assimilação do voo à queda da condição humana é ainda confirmada pelo papel que a nostalgia do voo ocupa na ‘imaginação do movimento’ no psiquismo humano58:

«[…] nos diferentes planos interligados do onírico, da imaginação activa, da criação mitológica e do folclore, do ritual e da especulação metafísica e, finalmente, no plano da experiência extática, o simbolismo de ascensão refere-se sempre à saída de uma situação que se tornou ‘fechada’ ou ‘petrificada’, à ruptura de plano que torna possível passar de um modo de ser para outro – em suma, liberdade ‘de movimento’, liberdade para mudar de situação, para abolir um sistema condicionante».59

Entretanto, o carácter integrador do mito revela-se em PARANGOLÉ também pela estrutura mítica da conjugação de opostos, expressa na polaridade que opõe o estático e o dinâmico, onde Hélio encontra a chave daquilo a que chama “arte ambiental”: «o eternamente móvel, transformável, que se estrutura pelo ato do espectador e o estático, que é também transformável a seu modo, dependendo do ambiente em que esteja participando como estrutura»60. Mircéa Eliade explica como a coincidentia oppositorum, em que todos os contrários se conciliam, constitui um dos modos mais primordiais de expressar o paradoxo da realidade divina, do modo de ser não profano, sendo um modelo arquetípico transversal dentro da diversidade de complexos culturais. É a estrutura mítica que está subjacente a ritos como a orgia – evento que simboliza o retorno ao indistinto, a um estado no qual todos os atributos desaparecem e os contrários se fundem – bem como às técnicas contemplativas que visam igualmente superar todos os atributos. Nestas últimas, a coincidentia oppositorum é um processo que começa pela identificação de toda a experiência do indivíduo com os ritmos que conduzem o universo até ao desfecho da tomada do cosmos como um todo, em que o indivíduo refaz a unidade primordial anterior à existência do mundo, «uma unidade que significa não o caos que existia antes de qualquer forma ter sido criada mas o estar indiferenciado no qual todas as formas estão incorporadas»61. Na experiência de Hélio, um processo de identificação análogo parece estabelecer-se com a sua investigação respeitante à cor, prosseguindo com a investigação respeitante ao objecto, e afirmando-se explicitamente na “vivência-total Parangolé”62. Hélio começa por referir que «é preciso que a cor viva, ela mesma; só assim terá um único momento, carrega em si o seu tempo, e o tempo interior, a vontade de estrutura interior»63, para “tornar-se temporal, criar a sua própria estrutura, na qual a obra é o ‘corpo da cor’”64; mais tarde explica o “desenvolvimento nuclear da cor” como se esta “pulsasse do seu estado estático para a duração”, numa busca da “dimensão infinita da cor”, reconhecendo, porém, nesse problema plástico um “sentido puramente transcendental de si mesmo”65, como anteriormente notámos. Será também esse processo de identificação que preside à “relação de ‘transobjectividade’”66 inerente aos BÓLIDES, na qual aquilo que interessa para a percepção da obra é o fenómeno total, “directamente e não em partes”, permitindo a ‘fundação do objecto’, «na sua pura plasmação espacial, no seu tempo»67. À semelhança da procura da estrutura da cor que a precedeu, a procura da estrutura do objecto é adicionalmente esclarecida, a propósito de PARANGOLÉ, como uma indagação acerca dos «elementos constitutivos dessa estrutura, das estruturas básicas na constituição do mundo dos objectos e das raízes da génese objectiva da obra»68, uma busca apoiada nos exemplos da “primitividade construtiva popular” e nos seus “núcleos construtivos primários de um sentido espacial definido, uma totalidade”69. Ainda dentro da caracterização da “estrutura Parangolé”70, o contributo da prática do samba, sendo para Hélio esclarecedor acerca da “criação pelo ato corporal” e da “contínua transformabilidade”, revela-lhe, por oposição, a “não-transformabilidade”, o «’estar’ das coisas, ou seja, a expressão estática dos objectos, sua imanência expressiva», que o artista explica como «não exactamente ‘não transformar-se no espaço e no tempo’, mas na imanência que revela na sua estrutura, fundando no mundo, no espaço objectivo que ocupa, seu lugar único»71. Desse modo, PARANGOLÉ concilia os dois atributos, a ‘não-transformabilidade’ ou “expressão estática dos objectos” e a ‘transformabilidade’ ou “lucidez expressiva da imanência do ato”, representando uma conjunção de opostos pela qual se pode interpretar o sentido integrador da designação “expressão total do eu”:

«seria a total ‘falta de lugar social’, ao mesmo tempo que a descoberta do meu “lugar individual” como homem total no mundo, como “ser social” no seu sentido total e não incluído numa determinada camada ou “elite” […] a vontade de uma posição inteira, social no seu mais nobre sentido, livre e total. O que me interessa é o “ato total do ser” que experimento aqui em mim – não atos parciais totais, mas um “ato total de vida”, irreversível, o desequilíbrio para o equilíbrio do ser»72.

A “descoberta da imanência”73 dá-se, pois, como um evento iniciático, parece assumir essa dimensão: decorre de uma experiência vivencial que traz um conhecimento directo acerca da mudança de modo de ser, descrita por Hélio respectivamente em termos de pertença a um universo e de totalidade ontológica. Eliade explica como, num contexto arcaico, a iniciação é uma experiência existencial fundamental, de passagem do modo natural para o modo cultural, pela qual o homem se torna apto a assumir um modo de ser integral, conhecedor, consequente74. A iniciação consiste na aquisição do conhecimento que marca o fim do homem “natural”, não cultural, e a transição para uma nova modalidade de existência, em que este vive não apenas numa realidade imediata75 mas, apresentado aos valores transhumanos76, fica preparado para participar na cultura de que doravante faz parte. Esta passagem é consumada simbolicamente pela “morte iniciática”, um retorno temporário ao caos, que comprova o fim de um modo de ser77, ou por um padrão alternativo, designadamente aquele em que a ideia de morte é substituída pela ideia de uma nova gestação seguida de nascimento, significando um retorno à situação de latência e espontaneidade, que comprova a transição para um novo modo de ser78. A “morte iniciática” é um recomeço, nunca um fim, já que em nenhum rito ou mito se encontra a morte iniciática como algo final, mas sempre como a condição sine qua non de uma transição para outro modo de ser, uma prova indispensável à regeneração79. Além disso, a iniciação é um evento colectivo, envolve uma comunidade que, pela reactualização dessa experiência vivencial, beneficia também de uma regeneração80. O impacto que teve em Hélio a sua participação na realidade social e cultural da Mangueira pode avaliar-se, primeiramente, pela assimilação que faz do traço mais característico do padrão iniciático – a percepção de que uma mudança de modo de ser só pode ser operada pela aniquilação do modo de ser vigente81, subjacente ao seu comentário sobre a «formulação da ideia de Parangolé em 1964», no item Barracão de Crelazer:

«raiz raiz brasileira ou a fundação da raiz Brasil em oposição à folclorização desse material raiz […] Parangolé se ergue desde 64 contra essa folclorização opressiva e usa o mesmo material que seria outrora folc-Brasil como estrutura não-opressiva, como revelação de uma realidade minha-raiz - Jerónimo, na foto vestindo a capa (Aterro, 1967) revela toda uma síntese: […] é raiz-estrutura e é não-opressiva porque revela uma potencialidade viva de uma cultura em formação: digo cultura em formação como a possibilidade aberta de uma cultura, em oposição ao carácter por que se designa habitualmente algo cultural – certo sentido, e muito, é anticultura porque propõe a demolição do que é opressivo: a cultura, como é imposta artificialmente, é sempre opressiva, é não-criar que vem com a glorificação do que já está fechado»82.

Tendo crescido num contexto familiar de tradição anarquista, a sua experiência na Mangueira estende a um colectivo comparativamente mais numeroso a partilha de processos de anti-cultura, vividos desde sempre por Hélio, em completo acordo com o seu “poder de poder experimentar”83 e numa prática experimental de inversão dos processos naturais, convencionais e mundanos, do tempo e do espaço: trocar a noite pelo dia, ocupar livremente as divisões da casa familiar84… Esta coincidência é notada por Haroldo de Campos, que refere uma «proustiana recuperação da infância ou do passado, da vivência do passado», pela qual «o Parangolé se liga à experiência do Hélio com o morro da Mangueira»85.


3. “domicílios galáticos”: exercícios criativos para a mudança de modo de ser

É ainda a operação de aniquilação de um modo de ser vigente, pelo retorno ao incondicionado e pela busca de um estado de latência, que orienta Hélio Oiticica no desenvolvimento posterior da sua “proposição vivencial”86, com a expansão da experiência PARANGOLÉ para o ambiente. Hélio caracteriza-a como “antiarte por excelência”, em que o papel do artista é não o de criador mas de motivador para a criação, propondo «uma realização criativa […] isenta de premissas morais, intelectuais ou estéticas […] uma atitude também criadora»87, porém sem pretender «criar uma ‘nova estética da antiarte’»88. Nas descrições de Hélio é possível estabelecer, dentro desse percurso que segue «a pista para o estado criador»89, uma evolução naquilo que entende como participação do espectador, que é induzido a dinâmicas de percepção90, de introspecção91 e de disponibilidade criativas92, pelo “contacto directo” com um ambiente criado para o comportamento93, ou seja, para a mobilização e direccionamento da consciência por meio de uma implicação directa do complexo corpo/mente/ambiente. Assim, a criação desses “lugares privilegiados”94, ou “domicílios galáticos”95, lugares para a mudança de modo de ser, permite uma significativa homologia com estruturas míticas que reactualizam o mito originário, designadamente pela estrutura do “centro do mundo” – em continuidade com a do “voo mágico” e a do “paraíso perdido”, como Haroldo de Campos intuiu – que reiteram o padrão iniciático de “nova gestação seguida de nascimento”, revelando a “nostalgia do paraíso” ou, nas palavras de Hélio a propósito de TROPICÁLIA, “a nostalgia do homem primitivo”96. Os seus primeiros ambientes, respectivamente TROPICÁLIA e ÉDEN97, têm uma vertente plástica directamente apreensível pela percepção, preparando uma dinâmica de consciência que não se processa pela lógica, pelo raciocínio ou pelo exercício intelectual mas, primeiramente, por uma “disponibilidade” – pela qual se torna possível integrar a diversidade de planos de significado e de movimentos da consciência. Estes ambientes parecem ser o desdobramento dos atributos do PARANGOLÉ individual, em organizações espaciais que, contudo, discriminam etapas para a mudança de modo de ser.

O ‘labirinto’ TROPICÁLIA, é um penetrável táctil-sensorial98, multi-estimulante, um acelerador perceptivo que ensaia um contraste na dinâmica de consciência suscitada, primeiro, durante o ‘percurso’ e, depois, na chegada ao ‘centro’: o trajecto procura sugerir o movimento oscilatório das “quebradas” da favela e o apelo perceptivo dessa vivência, enquanto no espaço terminal as imagens de um monitor de TV se sobrepõem a todas as impressões anteriores, “devorando o participador” 99. Esse contraste suscita no participador a situação do ser que é devorado e faz de TROPICÁLIA, segundo o artista, a “obra mais antropofágica da arte brasileira”. A intensidade da abrupta mudança de modo de ser alcançada no centro do labirinto é sugestiva do padrão mítico de “morte iniciática”, para o qual também concorre toda a designação substantiva de TROPICÁLIA: penetrável, labirinto, devoração e, significativamente, antropofagia. Eliade explica-nos a função e o significado da “cabine de iniciação” nos cenários de “morte iniciática” das comunidades arcaicas: a entrada na cabine equivale à entrada na barriga do monstro devorador, um canal onde o iniciante é digerido, representando também o útero, ou seja, o retorno a um estado embriónico que não é uma repetição da primeira gestação e do nascimento carnal, mas um retorno temporário ao modo pré-cósmico, virtual, simbolizado ainda pela noite ou pela escuridão, seguido de um renascimento que pode ser homologado à “criação do mundo”100. Neste contexto, o ‘labirinto’ representa a ideia de uma “passagem perigosa”101, assumindo a dimensão de prova iniciática, como veremos melhor em ÉDEN. Eliade informa-nos que a morte é simbolizada, entre outros sinais, pelo esquecimento do passado102, que pode em TROPICÁLIA equiparar-se ao apagamento do “criar sensorial”, do cancelamento do “sentido imagético” do participador, causado pela actividade preponderante da TV103. O padrão mítico de “morte iniciática”, ligado originariamente aos ritos de puberdade e legitimando primeiramente o corte da ligação com a família, designadamente da relação de posse maternal104, progride para formas mais violentas em resposta à evolução dos complexos culturais. A origem da antropofagia situa-se não nos níveis mais arcaicos de cultura mas nos estratos paleo-agrícolas posteriores105, convergindo com o mito originário que narra a morte do Ser Suprahumano – assassinado pelos homens depois de ter tentado matá-los para ressuscitá-los ‘modificados’106, ou por sacrifício espontâneo com a finalidade de criar (o cosmos, a humanidade, alimentos comestíveis…) – uma morte primordial inexoravelmente unida à condição humana subsequente: mortal, sexual e cultural (condenada às vicissitudes da subsistência, como o trabalho)107. No contexto antropofágico, a morte violenta é criativa: o desmembramento, fragmentação, dispersão, digestão de uma vida sacrificada constitui uma poderosa transferência, a vida concentrada numa pessoa transborda desta e manifesta-se numa escala colectiva, cósmica, numa “miríade de formas animadas”108. No tema mítico de que nada pode ser criado sem imolação109, Eliade destaca a importância da perpetuação da memória do que se passou in illo tempore, pela revelação e reactualização do evento mítico no ritual de iniciação, segundo uma “morte iniciática” que reproduz a morte primordial do Ser Suprahumano. Segundo Eliade, a secularização do tempo levada a cabo pelo historicismo, que postula que o homem não é constituído apenas pelas suas origens, mas também pela sua própria história e pela história inteira da humanidade, numa sequência de eventos qualitativamente equivalentes, todos igual e indistintamente significantes, encerra algumas consequências: anula a distinção entre o tempo fabuloso dos primórdios e o tempo que lhe sucedeu, elimina a magia que ilumina o illud tempus, apaga a “queda” ou ruptura” primordiais110. Em TROPICÁLIA, a “nostalgia do homem primitivo” é primeiramente o resgate de um processo iniciático, pelo qual Hélio procura afirmar a distinção entre o tempo dos primórdios (da criação) e o tempo que lhe sucede, restaurar a magia do illud tempus, pela qual é possível superar a condição humana.

Articulando as formulações do Supra-sensorial até à ideia de Crelazer111, ÉDEN visa a regeneração da dinâmica de consciência, por meio de uma sequência de movimentos contrastantes, nos quais a ponderação entre o impacto dos estímulos corpo/mente/ambiente e o âmbito do direccionamento da consciência conduz progressivamente a uma conciliação propícia à situação de disponibilidade e realização criativas. Hélio afirma em 1969 acerca do ÉDEN na Whitechapel de Londres que

«o processo de ‘despertar’ é o do ‘supra-sensorial’: o participador é retirado do campo habitual e deslocado para um outro, desconhecido, que desperta suas regiões sensoriais internas e dá-lhe consciência de alguma região do seu ego, onde valores verdadeiros se afirmam. Se isto não se dá, é porque a participação não aconteceu»112.

Guy Brett confirma na mesma ocasião que Éden

«não é uma manifestação das escolhas pessoais. Não há nada para ser decifrado. O valor destes trabalhos não é provado por referência a interpretações extensas. Tal como em jogos ou em rituais, nós os fazemos acontecer e existir, envolvendo-nos neles. Eles só são eficazes quando nós verdadeiramente tomamos parte neles».

Na sequência ÉDEN, a CAMA-BÓLIDE é um alvéolo para a “concentração no lazer”, de desprogramação da actividade consciente que, como Hélio destaca, constituiu a «primeira conflagração da ideia Crelazer»113. Os três penetráveis seguintes, de água (Iemanjá), de folhas (Lololiana), e de palha (Cannabiana), constrangendo o contacto com o restante ambiente, permitem um direccionamento da consciência para estímulos constantes e uniformes, que precede a vivência contrastante, nos bólides-área 1 (de areia) e bólide-área 2 (de feno), de espaços delimitados mas de contacto com o restante ambiente, por meio de estímulos da mesma ordem; esta sequência de cinco regiões parece pretender suscitar uma actualização da relação corpo/mente/ambiente, possível depois da desprogramação da actividade consciente atingida na CAMA-BÓLIDE. Seguem-se três penetráveis que visam um “novo mundo-lazer”, a renovação da relação corpo/mente/ambiente: uma tenda preta que «concentra o esconder-se, como um ovo», induz e protege a introspecção – no seu interior, visualmente despojado, «uma ideia de mundo aspira seu começo; o mundo que se cria no nosso lazer, em torno dele, não como fuga mas como ápice dos desejos humanos»; os penetráveis seguintes Tia Ciata e Ursa, conduzem o movimento introspectivo, por meio de estímulos perceptivos e motores seleccionados, para a percepção consciente de novas conexões entre as instâncias corpo/mente/ambiente. ÉDEN termina com duas regiões vazias, a “área aberta ao mito” e as células “Ninho”: a primeira, sem proposição, é um “cercado”, um espaço para «estar-se no estado de fundar o que não existe ainda, de se autofundar»114, a segunda, de «não ambientação e possibilidade de tudo se criar», é um espaço para alternar o “autofundar-se” com o “supraformar-se”; ambas as regiões pressupõem a realização criativa como desfecho para a dinâmica de consciência que se mobiliza para uma regeneração.

ÉDEN e as suas regiões podem ser interpretados pela estrutura mítica do “centro do mundo” e sugestivos de uma inerente “nostalgia do paraíso”. Eliade afirma que todo o domicílio é um “centro do mundo”, o local de passagem do modo de ser profano para o modo de ser não profano, simbolicamente o local de ligação entre a terra e o céu115. Por esta razão, «qualquer construção ou contacto com um ‘centro’ implica a abolição do tempo profano, e a entrada no illud tempus mítico da criação»116, já que a passagem espontânea entre a terra e o céu era, in illud tempus, um privilégio de toda a humanidade. Estabelece-se aqui, desde logo, um ponto de continuidade estrutural com o simbolismo ascensional referido a propósito do PARANGOLÉ, em que a degeneração da condição humana é superada pela aspiração à transcendência e à liberdade, consumada pela passagem de um modo de ser profano a um modo de ser não profano. Assim se explica que o simbolismo do “centro de mundo” esteja intrínseca e explicitamente ligado a toda a iconografia relativa às técnicas de êxtase, como o xamanismo, e de enstase, como o Yôga117 e, no caso particular do tantrismo, associada a uma cosmofisiologia, em que os órgãos subtis do corpo são homologados às regiões do cosmos, num processo que é conduzido até a uma “completa conversão do complexo corpo/mente (metanóia)”118. Eliade distingue dois grupos de tradições, «uma que demonstra o desejo do homem de colocar-se no “centro do mundo” sem qualquer esforço, e outra que sublinha a dificuldade e, portanto, o mérito de consegui-lo», notando que o predomínio da primeira, «segundo a qual é fácil construir um ‘centro’ na casa de qualquer homem», é revelador de uma “nostalgia pelo Paraíso” 119. Entretanto o desejo do homem de colocar-se natural e permanentemente num local sagrado – no “centro do mundo”, no íntimo da realidade e, por meio de um atalho, transcender a condição humana – sendo mais fácil de satisfazer na moldura das sociedades antigas, tornou-se mais difícil de atingir nas civilizações subsequentes, à medida que noções como a de provação iniciática acompanharam e corresponderam à evolução destas últimas. O labirinto inscreve-se na categoria de prova iniciática, equivalente à mandala, constituindo também uma imago mundi, em que a iniciação consiste na entrada nas diferentes regiões da mandala e no correspondente acesso aos diferentes níveis da consciência. A mandala, tal como o labirinto, defende um centro, protege o candidato das forças desagregadoras do inconsciente ou do exterior120, ao mesmo tempo que o ajuda a concentrar-se, de modo a encontrar o seu próprio centro121, fornecendo-lhe pontos de direccionamento e fixação da consciência. A diferenciação de áreas em ÉDEN permite entendê-lo como um mapa de regiões para percorrer numa vivência corpo/mente/ambiente e, assim, a ideia deste como um “centro do mundo” de carácter iniciático. Por outro lado, um cercado, a forma mais antiga de distinguir um local, ou a partição entre duas áreas de diferente tipo, tem, num espaço não-profano, a dupla função de demarcar uma zona «supremamente criativa, onde a fonte de toda a realidade e consequentemente de energia e vida se encontra»122, e de assinalar a necessidade de observar os “gestos ou procedimentos de aproximação”123 que permitem a entrada auspiciosa no recinto. Ainda dentro de um padrão iniciático de nova gestação, o simbolismo embriológico observável na tenda preta, que «concentra o esconder-se, como um ovo», e nas células Ninho, aponta, segundo Eliade, para o recomeço da existência com as possibilidades intactas, o atingir de uma condição de existência mais elevada, ou o início de um modo de existência transcendente, homologável ao dos deuses124.


O sonhador no mundo

As proposições subsequentes de Hélio, em torno da concepção de CRELAZER – NINHOS, BARRACÃO, BABYLONESTS, NEWYORKAISES – de criação de lugares privilegiados, de um “centro do mundo”, seguem o padrão iniciático de aniquilação de um modo de ser vigente. Este padrão iniciático só será abandonado com a DESMITIFICAÇÃO DO PARANGOLÉ, que Hélio explica em PARANGOLÉ SÍNTESE, texto de 1972. Hélio prescinde, na sua proposição vivencial, do percurso de indução para a disponibilidade criadora e da respectiva aparelhagem plástica e iconográfica («perform não deve ser mais preform»), para concentrar-se numa “absorção do tempo” («amamentar o momento») visando directamente a realização da potência criativa («assumir o poder de inventar»). PARANGOLÉ-SÍNTESE é “experimentalidade aberta”. Desaparece da experiência PARANGOLÉ a nostalgia de estados míticos – a preocupação com o “não condicionamento sensorial”: as capas passam a ser “unidades exploráveis sem previsão pensada”, mantendo-se da experiência original PARANGOLÉ as “situações circunstanciais”; na dança, da aspiração à dimensão mítica permanece a “libertação inventiva das capacidades de play”; na performance, como vimos, «perform não deve ser mais preform mas ação simultânea num nível de processo»125. Os TOPOLOGICAL READY-MADES e os MAGIC SQUARES são aquilo que considera, em 1977, o PRELÚDIO AO NOVO nesse processo de desmitificação126; Hélio despoja essas realizações de todos os atributos para se concentrar em alguma das suas potencialidades criativas, num «programa de descoberta»127: mudar o ângulo-posição de um elástico (no TOPOLOGICAL READY-MADE LANDSCAPE Nº3), ou de um quadrado de papelão (no NEW TOPOLOGICAL READY-MADE LANDSCAPE Nº4), ou ainda “descansar na cor”128 (no PENETRÁVEL INVENÇÃO DA COR MAGIC SQUARE 3). Embora abolindo o padrão iniciático inerente à criação de lugares privilegiados e, consequentemente, a “nostalgia do mito”, Hélio conserva o factor mítico da acção original, como vimos anteriormente a propósito de CONTRA-BÓLIDE. A acção original coloca a sua motivação criativa no âmbito de uma mitologia radical, em que «uma inovação recente fica investida com todo o prestígio das revelações primordiais»129 porque actualiza a potência criativa da qual emerge. Finalmente, a sua vivência das ruas e a sua incorporação dos elementos do quotidiano, a premência poética que configuraria o DELIRIUM AMBULATORIUM, é o mesmo exercício de passagem de um modo de ser profano para um modo de ser não profano, o livre acesso à potência criativa que Hélio praticava na infância; agora, porém, liberto das tecnologias e linguagens que o absorveram durante o processo de passagem da “pintura para o espaço” até ao desfecho atingido com a “proposição vivencial”. DELIRIUM AMBULATORIUM é vivido como um “devaneio de anima”, incidindo sobre os seres e objectos do mundo que, transformados em suporte da dinâmica de consciência, constituem outras tantas revelações da potência criativa, origem da imagens poética, da criação, como explica Gaston Bachelard:

«O devaneio que trabalha poeticamente não se detém em nenhuma fronteira – espaço de união da intimidade do nosso ser que sonha com a intimidade dos seres que sonhamos. É nessas intimidades compósitas que se coordena uma poética do devaneio. Todo o ser do mundo se amalgama poeticamente em redor do cogito do sonhador […] O cogito do sonhador não segue preâmbulos complicados, é fácil, é sincero, está ligado muito naturalmente ao seu complemento de objecto. As coisas boas, as coisas agradáveis oferecem-se em toda a sua ingenuidade ao sonhador ingénuo. E os sonhos acumulam-se perante um objecto familiar. O objecto é, assim, o companheiro de devaneio do sonhador. Certezas fáceis vêm enriquecer o sonhador. Uma comunicação de ser faz-se, nos dois sentidos, entre o sonhador e o seu mundo»130.

 


Suzana Vaz investiga processo criativo e processo artístico em diversos âmbitos e desenvolve atualmente o doutoramento na Inglaterra no tema Práticas corpo/mente e processo criativo: os neo-concretos brasileiros e o grupo Gutai japonês. Colabora nos projetos teatrais e performativos da produtora de espectáculos Mala Voadora desde 2003.


1 Única entrada no diário de Hélio Oiticica no dia 15 de Janeiro de 1961, in Aspiro ao Grande Labirinto, Selecção de textos (1954-1969), Luciano Figueiredo, Lygia Pape e Waly Salomão (org.), Rocco, Rio de Janeiro, 1986 (AGL).

2 O Penetrável, realização preconizada no Projecto Cães de Caça, de 1961 (um conjunto de penetráveis), é precedido por toda a pesquisa que inclui as experiências «da transição da cor do quadro para o espaço» (AGL, p. 50) das Invenções, dos Monocromáticos, Bilaterais e Relêvos Espaciais (1959), até ao surgimento dos Núcleos, que já concretizam, designadamente o núcleo médio, o funcionamento do espaço «incorporado com signo» (AGL, p. 32), precursor dos Penetráveis.

3 ELIADE, Mircea, Yoga, Immortality and Freedom (orig. publ. Le Yoga. Immortalité et Liberté, Librairie Payot, Paris, 1954), Princeton University Press, Princeton, New Jersey, 1990, ISBN 0-691-01764-6, pp. 40-41, 144.

4 Ibidem, pp. 204, 360-361.

5 LAGNADO, Lisette (ed.), Programa Hélio Oiticica, Itaú Cultural/Projecto Hélio Oiticica, http://itaucultural.or.br/aplicExternas/enciclopedia/ho/home/index.cfm (Programa HO), Notebook 2/73, p. 29 e pp. 97-99. A localização desta referência nos escritos do artista foi gentilmente facilitada à autora por Paula Braga, que a encontrou a partir de uma informação de Beatriz Carneiro.

6 No original: «Guy discovered/uncovered a lot of things for me but above all he told me about the DREAMTIME as part of the social pattern of the ABORIGENES TRIBES: and he reclarified/remembered it to me today: in ELIADE’s book (which?) he discovered that there are intermittent periods in which the individual belonging to a tribe (TABA/NUCLEUS) leaves the community for an aimless wandering into the woods outside the TABA: releasement from communal obligations leads in this case to a releasement of thinking – a transformation occurring inside his social behavior pattern: social-role-with-solidified-individuality: supreme form of nonrepressive leisure: guy’s discovery came brilliantly towards the main focus which generated many of my projects such as the Eden one etc.: BARRACÃO!: and to penetrate the consequences implied by such conception as DREAMTIME can be (and is) the most revealing and effective of the many lines of thought which lead to propositions such as those concerned with PARTICIPATION/BEHAVIOR/INVENTION/LEISURE(and CRELEISURE)/ETC. as recent experimental fields: Guy really revealed to me a bind of p a s s i on within the conception of DREAMTIME. Whoever has had the privilege of DREAMTIMING can only be a man of wealth and taste – a full timer of experimentation and the one and only to install a defined behavioural pattern of full experimentation within established social ones» (Tradução da autora).

7 ELIADE, Mircea, Rites and Symbols of Initiation (orig. publ. Harper Books, New York, 1958), introdução de Michael Meade, Spring Publications, Woodstock, 1995, pp. 31-32.

8 ELIADE, Mircéa, Patterns in Comparative Religion (orig. publ. Traité d’Histoire des Réligions, Editions Payot, Paris), Sheed and Ward, London, 1958, p. 411; Eliade recomenda a «dissociação da ideia de ‘mito’ da de ‘palavra’ e de ‘fábula’ (vindas do uso homérico de mythos: ‘palavra’, ‘discurso’), defendendo a sua ligação com a ideia de ‘acção sagrada’, ‘gesto significativo’ e ‘evento primordial’», ibidem, p. 416.

9 Ho rio ataulfo 1 Jan. 1980, Account sobre devolver a terra à terra meu em kleemania a 18 de dez. 1979 no Caju, in Hélio Oiticica, cat. exp. CAM, FCG, Lisboa, 20 Jan-20 Mar, 1993, p. 202.

10 A possibilidade de invenção radical comprova-se na diversidade do trabalho de Hélio Oiticica, que abrange notavelmente a amplitude de tendências da arte na actualidade, como afirma Guy Brett: «É digno de nota até que ponto o trabalho de Oiticica toca em quase todas as áreas da arte recente, sejam elas concebidas como categorias passivas – arte cinética, arte processo, monocromia, arte minimal, arte conceitual, arte pop, arte política, land art, arte ambiental, body art, participação, performance – ou como assuntos polémicos e contestados: o status do objecto enquanto comunicação ou bem de consumo; noções de autoria e as relações do artista com o público; a defasagem entre belas artes e cultura popular; questões de identidade, sexualidade, descolonização e diferença cultural; a relação entre a arte e a vida.», Exercício experimental da liberdade, Hélio Oiticica, cat. exp. CAM-FCG, 1993, p. 223.

11 «[…] the ‘mythical period’ must not be thought of simply as past time, but as a present and a future, and as a state as well as a period. That period is ‘creative’, in the sense that it was then, in illo tempore, that the creation took place, as well as the revelation of the archetypal activities by gods, ancestors or culture heroes. In illo tempore, in the mythical period, anything was possible. The species were not yet fixed and all forms are ‘fluid’», ELIADE, Patterns in Comparative Religion, p. 395.

12 19 de Setembro de 1963, Projecto HO: «Por exemplo, uma caixa vazia, em ‘alguns sólidos’, se transforma, pela valorização espacial da cor, numa forma simbólica, ou seja em obra de arte, o que vale dizer que a sua forma foi redescoberta como se fora a ‘primeira caixa-forma vazia’».

13 19 de Setembro de 1963, Programa HO

14 8 de Junho de 1964, Programa HO.

15 19 de Setembro de 1963, Programa HO.

16 «O que surgirá no contínuo contacto espectador-obra estará portanto condicionado ao caráter da obra, em si incondicionada. Há portanto uma relação condicionada-incondicionada na contínua apreensão da obra», Novembro de 1964, Bases fundamentais para uma definição do Parangolé, AGL, p. 66.

17 29 de Outubro de 1963, Bólides, ibidem, p. 63.

18 1962, A transição da cor do quadro para o espaço e o sentido de construtividade, ibidem, p. 50.

19 «Hoje está para mim mais claro do que nunca que não é a aparência exterior o que dá a característica de obra de arte e sim o seu significado, que surge do diálogo entre o artista e a matéria com que se expressa», 21 de Abril de 1961, ibidem, p. 30.

20 «Essa ordem foge ao puramente racional e, por estranho que pareça, pede do artista uma disponibilidade e um desinteresse, quase que um brincar com a cor. Desse brincar e fazer surgirá uma nova ordem, desconhecida, que nem mesmo o artista toma dela conhecimento a priori. A cor é uma necessidade religiosa, como quem fizesse preces dialogasse aqui com a cor e se estruturasse», 12 de Março de 1961, ibidem, p. 30.

21 «Na dialogação do artista com a matéria, fica o seu movimento criativo, e é daí que se pode dizer que nasce um conteúdo; conteúdo indeterminado, informulado. Esse processo não é também “transformação”, pois transformação implica transformar algo em alguma coisa, transformar algo plasticamente; mas esse “algo” não existe antes, e sim nasce simultaneamente no movimento criativo, com a obra», 7 de Setembro de 1960, ibidem, p. 22.

22 BRETT, Guy, Catálogo da Exposição na Galeria Whitechapel, Londres, 1969.

23 11 de Setembro de 1960, AGL, p. 22.

24 «Para mim, a invenção do Penetrável, além de gerar a dos projectos, abre campo para uma região completamente inexplorada da arte da cor, introduzindo aí um carácter colectivista e cósmico e tornando mais clara a intenção de toda essa experiência no sentido de transformar o que há de imediato na vivência cotidiana em não-imediato», ibidem, p. 53.

25 «Só será possível a posição do artista, posição genética, fenomenologicamente, numa expressão que se realize no espaço e no tempo», 16 de Fevereiro de 1961, ibidem, p. 28.

26 «[…] ao se desenvolver tudo para o espaço, a cor começou a tomar a forma de um desenvolvimento a que chamo nuclear, que seria como se a cor pulsasse do seu estado estático para a duração, como se ele a pulsasse de dentro do seu núcleo e se desenvolvesse. Não se trata pois do problema de cor tonal propriamente dito, mas pelo seu caráter de intermediação […] de uma busca dessa dimensão infinita da cor, em relação com a estrutura, o espaço e o tempo», Cor tonal e desenvolvimento nuclear da cor 17 de Março de 1962, ibidem, p. 40.

27 Ibidem, p. 41. É possível interpretar o termo ‘aspiração’, frequente nas reflexões de Hélio Oiticica relativas à “pintura no espaço” (1959-64), como “criação em potência”, “criação em latência” e, simultaneamente, “algo inefável”, elucidando com esse sentido a dinâmica subjacente ao ‘movimento criativo’. Nas reflexões acerca da experiência dos NÚCLEOS, o termo é usado, sintomaticamente, relativamente ao “núcleo improviso”: «No improviso, aqui, o contato com os elementos (cor, espaço, tempo, estrutura) é mais direto, mais imediato; é uma aspiração que repentinamente se realiza, surge, impregnada ao mesmo tempo de significados antigos e presentes; em certo sentido consiste numa síntese brusca de aspirações que se perderiam, se adiadas», 27 de Dezembro de 1961, ibidem, p. 36.

28 Ibidem.

29 12 de Março de 1961, ibidem, p.30.

30 4 de Setembro de 1960, ibidem, p. 20.

31 O APARECIMENTO DO SUPRA-SENSORIAL NA ARTE BRASILEIRA, ibidem, p. 102

32 No caso designada como ‘transobjecto’: «Antes, e ainda numa corrente de realizações, toda a estrutura objetiva já é criada por mim, e logo a identificação já existe no momento em que as estruturas vão nascendo, dando-se o diálogo sujeito-objeto numa fusão mais serena. Nos “transobjetos” o diálogo se dá pela oposição sujeito-objeto […] nos “transobjetos” há a súbita identificação dessa concepção subjetiva com o objeto já existente como necessário à estrutura da obra, que na sua condição de objeto, oposto ao sujeito, já o deixa de ser no momento da identificação, porque na verdade já existia implícito na ideia», 29 de Outubro de 1963, Bólides, ibidem, pp. 64-5.

33 Bases fundamentais para uma definição do Parangolé, ibidem, p. 68.

34 Revelador de «um núcleo construtivo primário de sentido espacial definido, uma totalidade», que «tenta a fundação objetiva e não a dinamização ou o desmonte do objecto» (p. 66) e que permite «estabelecer ‘relações perceptivo-estruturais’», «’imaginativo-estruturais’, ultra-elásticas nas suas possibilidades e na relação pluridimensional que delas decorre entre ‘percepção’ e ‘imaginação’ produtiva» (p. 68), Bases fundamentais para uma definição do Parangolé, ibidem.

35 «Em ordens desde o infinitamente pequeno até ao espaço urbano e que não estão estabelecidas a priori», ibidem, p. 67.

36 ANOTAÇÕES SOBRE O PARANGOLÉ, ibidem, p. 72.

37 Ibidem, p. 71.

38 Hélio Oiticica entrevistado por Jorge Guinle Filho, A última entrevista de Hélio Oiticica, in Interview, Abril de 1980, citado em CARNEIRO, Beatriz, Relâmpagos com Claror, Lygia Clark e Hélio Oiticica, vida como arte, FAPESP, São Paulo, 2004, p 235.

39 Bases fundamentais para uma definição do Parangolé, AGL, p. 66.

40 Ibidem.

41 Ver nota 34.

42 O APARECIMENTO DO SUPRA-SENSORIAL NA ARTE BRASILEIRA, AGL, p. 103.

43 Bases fundamentais para uma definição do Parangolé, ibidem, p. 69.

44 «It seems unlikely that any society could completely dispense with myths, for, of what is essential in mythical behaviour – the exemplary pattern, the repetition, the break with profane duration and integration into primordial time – the first two at least are consubstantial with every human condition», ELIADE, Mircéa, Myths, Dreams and Mysteries (orig. publ. Mythes, Rêves et Mystères, Librairie Gallimard, Paris, 1957), Harvill Press, London, 1960, p. 31.

45 ELIADE, Mircéa, Patterns in Comparative Religion, p. 418.

46 Ibidem,p. 428.

47 Ibidem, p. 425.

48 12 de Novembro de 1965, A dança na minha experiência, AGL, p. 72.

49 ‘Core consciousness’, termo usado por António Damásio, in DAMÁSIO, A., The Feeling of What Happens: Body and Emotion in the Making of Consciousness, Harcourt Brace, New York, 1999.

50 ‘High order consciousness’, termo usado por Gerald Edelman, in EDELMAN, Gerald M., Wider than the Sky: The Phenomenal Gift of Consciousness, Yale University Press, New Haven, 2004.

51 THOMPSON, E. and VARELA, F. J., Radical embodiment: neural dynamics and consciousness, in Trends in Cognitive Sciences, 5:418-425, 2001.

52 CAMPOS, Haroldo de, ASA DELTA PARA O ÊXTASE, depoimento a Lenora de Barros, Hélio Oiticica, cat. exp. CAM, FCG, Lisboa, 20 Jan-20 Mar, 1993, p. 218.

53 Ibidem, p. 217.

54 «[…] despite the many and various revalorisations that the symbols of flight and of ascension have undergone in the course of history, their structural solidarity remains still discernible. In other terms, whatever be the content and the value ascribed to ascensional experience by the many religions in which flight and ascension play their parts, there remain always the two essential motifs we have emphasized – transcendence and freedom, both the one and the other obtained by a rupture of the plane of experience, and expressive of an ontological mutation of the human being», ELIADE, Myths, Dreams and Mysteries, p. 108.

55 ELIADE, ibidem, p. 104.

56 ELIADE, Mircéa, Shamanism: Archaic Techniques of Ecstasy, (orig. publ. Pantheon Books, 1964), Arkana, London, 1989, p. 480.

57 Ibidem, p. 478.

58 A propósito da “imaginação do movimento”, Eliade refere em nota a obra L’air et les Songes, de Gaston Bachelard, ibidem, p. 480.

59 ELIADE, Myths, Dreams and Mysteries, pp. 118-119: «[…] upon the different but interconnected planes of the oneiric, of active imagination, of mythological creation and folk-lore, of ritual and of metaphysical speculation, and, finally, upon the plane of ecstatic experience, the symbolism of ascension always refers to a breaking-out from a situation that has become ‘locked’ or ‘petrified’, a rupture of the plane which makes it possible to pass from one mode of being into another – in short, liberty ‘of movement’, freedom to change the situation, to abolish a conditioning system».

60 10 de Abril de 1966, A dança na minha experiência (continuação), AGL, p. 76.

61 ELIADE, Patterns in Comparative Religion, p. 419-420.

62 ANOTAÇÕES SOBRE O PARANGOLÉ, AGL, p. 72.

63 Maio de 1960, ibidem, p. 18-19.

64 5 de Outubro de 1960, ibidem, p. 23.

65 Cor tonal e desenvolvimento nuclear da cor, ibidem, p. 40-41.

66 Bases fundamentais para uma definição do Parangolé, ibidem, p. 66.

67 Ibidem.

68 Ibidem.

69 Ibidem, pp. 66-67.

70 10 de Abril de 1966 (continuação), A dança na minha experiência, ibidem, p. 76.

71 Ibidem, p. 75.

72 12 de Novembro de 1965, A dança na minha experiência, ibidem, p. 74.

73 Ibidem, p. 73.

74 ELIADE, Mircea, Rites and Symbols of Initiation (orig. publ. Harper Books, New York, 1958), foreword by Michael Meade, Spring Publications, Woodstock, 1995, p. 3.

75 ELIADE, Mircea, ibidem, p. xiii.

76 Variavelmente, as técnicas, instituições e padrões de comportamento da comunidade, as tradições e mitos da origem do cosmos e do homem, os nomes dos deuses e os seus atributos, entre outros.

77 ELIADE, Mircea, ibidem, p. xiii.

78 ELIADE, ibidem, p. 130-131.

79 ELIADE, Myths, Dreams and Mysteries, p. 227.

80 ELIADE, ibidem, p. 18.

81 ELIADE, ibidem, p. 132.

82 Barracão, Crelazer, AGL, p. 116.

83 Manuscritos, Setembro de 1973, Programa HO.

84 «No ambiente familiar havia respeito e incentivo às mais diversas brincadeiras infantis. Hélio e seus irmãos podiam, por exemplo, alterar a casa para montar os seus jogos. […] Tinham um enorme formigueiro no quarto, fundaram uma cidade de papel na sala da casa nomeando ruas e seus habitantes fictícios. Durante uma viagem dos pais e, com o apoio da empregada, trocaram o dia pela noite, criando problemas com carteiros, entregadores e com os vizinhos que não entendiam o barulho noturno.», CARNEIRO, Beatriz, Relâmpagos com Claror, Lygia Clark e Hélio Oiticica, vida como arte, FAPESP, São Paulo, 2004, p. 180, cf. W. Salomão, Qual é o Parangolé?, pp. 41-42.

85 CAMPOS, Haroldo de, ASA DELTA PARA O ÊXTASE, depoimento a Lenora de Barros, Hélio Oiticica, cat. exp. CAM, FCG, Lisboa, 20 Jan-20 Mar, 1993, p. 219.

86 O APARECIMENTO DO SUPRA-SENSORIAL NA ARTE BRASILEIRA, AGL, p. 103.

87 ANOTAÇÕES SOBRE O PARANGOLÉ, ibidem, p. 77.

88 ANOTAÇÕES SOBRE O PARANGOLÉ, ibidem, p. 79. Noutro texto, Hélio precisa aquilo que entende por “antiarte” - ‘ser anti-arte’: «[…] apesar do quixotismo das posições, que não se querem ajustar ao consumismo ou ao espectáculo, SUBSISTO – a constatação de uma subsistência que se mantém, subsistência intelectual, poética, criadora, que estabelece posições permanentemente críticas, que colocam em questão o próprio problema da criação artística (eu particularmente procuro desintegrá-lo, dissecá-lo, desde o início de toda minha evolução, que pode ser chamada de anti-arte […] já critiquei o próprio conceito de anti-arte, mostrando que é uma posição mais conceitual, um princípio que rege uma conduta […] do que um tipo de arte […] [como no Projecto Geral de Décio Pignatari], usado como “ser anti-arte”», Setembro 1971, Manuscritos, Programa HO.

89 O APARECIMENTO DO SUPRA-SENSORIAL NA ARTE BRASILEIRA, AGL, p. 102.

90 «[…] é a tentativa de criar, por proposições cada vez mais abertas, exercícios criativos, prescindindo mesmo do objecto tal como ficou sendo categorizado – não são fusão de pintura-escultura-poema, obras palpáveis, se bem que possam possuir esse lado. São dirigidas aos sentidos, para através deles, da “percepção total”, levar o indivíduo a uma “supra-sensação”, ao dilatamento de suas capacidades sensoriais habituais, para a descoberta do seu centro criativo interior, da sua espontaneidade expressiva adormecida, condicionada ao cotidiano», ibidem, p. 104.

91 «Nas minhas proposições procuro abrir o participador para ele mesmo – há um processo de “dilatamento” interior, um mergulhar em si mesmo necessário a tal descoberta do processo criador – a acção seria a complementação do mesmo», ibidem.

92 «[…] faço questão de afirmar que não há a procura, aqui, de um “novo condicionamento” para o participador, mas sim a derrubada de todo o condicionamento para a procura da liberdade individual, através de proposições cada vez mais abertas visando fazer com que cada um encontre em si mesmo, pela disponibilidade, pelo improviso, sua liberdade interior, a pista para o estado criador – seria o que Mário Pedrosa definiu profeticamente como “exercício experimental da liberdade”», ibidem, p. 102.

93 15 de Maio de 1967, Perguntas e respostas para Mário Barata, ibidem, p. 100.

94 Bases fundamentais para uma definição do Parangolé, ibidem, p. 69.

95 CAMPOS, Haroldo de, ASA DELTA PARA O ÊXTASE, depoimento a Lenora de Barros, Hélio Oiticica, cat. exp. CAM, FCG, Lisboa, 20 Jan-20 Mar, 1993, p. 221.

96 Hélio refere que «o ambiente é propositadamente antitecnológico, talvez até não moderno nesse sentido: quero fazer o homem voltar à terra – há aqui a nostalgia do homem primitivo», motivação explicada pelo episódio de uma visita à Mangueira, com Raimundo Amado e sua esposa Ilíria, em que «esta observou de modo genial: tenho a impressão de que estou pisando outra vez a terra – esta observação guardei para sempre, pois revelou-me naquele momento algo que não conseguira formular apesar de sentir e que, concluí, seria fundamental para os que desejarem um “descondicionamento” social», 15 de Maio de 1967, Perguntas e respostas para Mário Barata, AGL, p. 99-100.

97 Tropicália e Éden foram apresentados justapostos na exposição na galeria Whitechapel, em Londres, em 1967, bem como na exposição Tropicália, na galeria do Barbican Centre, também em Londres, em 2006, versão em que a autora os conheceu.

98 4 de Março de 1968, ibidem, p. 115.

99 Ibidem, p. 107.

100 ELIADE, ibidem, p. 36: «The memory of the secluded initiatory hut, far away in the forest, was preserved in popular tales, even in those of Europe, long after puberty rites had ceased to be performed. Psychologists have shown the importance of certain archetypal images; and the cabin, the forest, and darkness are such images – they express the eternal psychodrama of a violent death followed by rebirth».

101 Ibidem, p. 62.

102 «Characteristic here are death symbolized by a loss of consciousness, by circumcision, and by burial; forgetting the past; assimilation of the novices to ghosts; learning a new language. […] a few examples of forgetting the past after initiation. […] the novices […] are resuscitated to a new life, tattooed, given a new name, they seem to entirely forgotten their past existence. They recognize neither their families nor their friends, they do not even remember their own names, and they behave as if they had forgotten how to perform even the most elementary acts», ibidem, p. 31.

103 «[…] é a imagem que devora então o participador, pois é ela mais ativa que o seu criar sensorial», 4 de Março de 1968, AGL, p. 107.

104 ELIADE, Rites and Symbols of Initiation, p. 8: «The break is made in such a way as to produce a strong impression both on the mothers and the novices».

105 ELIADE, Myths, Dreams and Mysteries, p. 46.

106 ELIADE, Rites and Symbols of Initiation, p. 131: «We find initiatory death already justified in archaic cultures by an origin myth that can be summarized as follows: a Supernatural Being had attempted to renew men by killing them in order to bring them to life again “changed”; for one reason or another, men slew this Supernatural Being, but they later celebrated secret rites inspired by this drama; more precisely, the violent death of the Supernatural Being became the central mystery, reactualized on the occasion of each new initiation. […] Since the primordial drama is repeated during initiation, the participants in an initiation also imitate the fate of the Supernatural Being: his death by violence».

107 ELIADE, ibidem, p. 45.

108 ELIADE, ibidem, p. 186.

109 ELIADE, Myths, Dreams and Mysteries, p. 185: «[…] the myth of the origin of edible plants – a myth very widely distributed – always has to do with the spontaneous sacrifice of the divine being. […] this is the essential theme: that Creation cannot take place except from a living being who is immolated – a primordial androgynous giant, or a cosmic Male, or a Mother Goddess or a mythic Young Woman. We note, too, that this ‘Creation’ applies to all levels of existence: it may refer to the Creation of the Cosmos, or of humanity, or of one only particular human race, or of certain vegetable species or certain animals».

110 Ibidem, pp. 55-56.

111 CRELAZER, AGL, p. 114.

112 Cat. Exp. Whitechapel, Londres, 1969.

113 Ibidem.

114 Ibidem, p. 116.

115 ELIADE, Patterns in Comparative Religion, p. 370.

116 Ibidem, p. 378.

117 A Montanha Cósmica, a Árvore do Mundo, o Pilar Central. «A ponte ou escada entre o Céu e a Terra são possíveis porque se situam num Centro do Mundo», Images and Symbols, p. 41-47.

Eliade elucida também o significado de enstase e precisa a diferença entre enstase e êxtase.

Enstase é o samádhi yôguico - termo que significa união, totalidade, concentração total, absorção, conjunção - o estado de hiperconsciência que se realiza a partir do momento em que o yôguin conseguiu “concentrar-se” e “meditar”. Para evitar a confusão entre samádhi e dhárana, termo que designa o estado de concentração preliminar para a meditação (dhyána) e para o subsequente estado de hiperconsciência (samádhi), Eliade aplica o termo enstase, Pátañjalí e o Yôga (orig. publ. Patañjai et le Yoga, Éditions du Seuil, 1962), Relógio d’Água Editores, Lisboa, 2000, p. 95.

Sendo o objectivo do Yôga a autonomia perfeita, o enstase, este método não pode ser considerado ‘extático’, como a técnica do xamanismo, em que o xamã procura atingir a “condição do espírito” pelo êxtase, voo extático ou transe: «o yoguin, não menos do que o xamã, esforça-se por anular o tempo histórico e por retornar a uma situação incondicionada (portanto, paradoxal, impossível de imaginar). Mas enquanto o xamã pode obter essa espontaneidade apenas pelo êxtase (quando pode “voar”) e apenas durante o tempo que dura o seu êxtase, o verdadeiro yôguin, que alcançou o samádhi e se tornou um jívan-mukta, disfruta dessa situação incondicionada continuamente – ou seja, conseguiu abolir definitivamente o tempo e a história», Yoga, Immortality and Freedom, p. 339.

118 FEUERSTEIN, Georg, A Tradição do Yoga, Ed. Pensamento, São Paulo, 1998, p. 314.

119 ELIADE, Patterns in Comparative Religion, p. 382-383.

120 Esta concepção de inconsciente deve entender-se no âmbito da psicologia e parapsicologia de tradição oriental. A iniciação pela mandala integra-se num conjunto de técnicas budistas tantricas, emergentes no período medieval e originárias da tradição hindu do Yôga arcaico (ELIADE, Yoga, Immortality and Freedom, cap. V, Yoga Techniques in Buddhism, pp. 162-199 e cap. VI Yoga and Tantrism, pp. 200-273). Esta tradição, originalmente de transmissão oral, de mestre a discípulo, como é norma em práticas experimentais iniciáticas, produziu posteriormente uma vasta literatura, tardia quando comparada com o longo período de aperfeiçoamento experimental que a precede. O texto Yôga Sútra de Pátañjalí, autor do século III a.C., é um exemplo do período clássico dessa tradição, sendo aceite pelos estudiosos que o conhecimento e terminologia apresentados nesses textos, comprovados nos termos vásaná e samskára (que elucidamos adiante) são a repetição de um conhecimento suficientemente testado ao longo de um período de tempo que recua à anterioridade da cronologia histórica e que, pela sua qualidade experimental, supera o complexo teórico-prático de tradição ocidental, como Eliade declara: «Muito antes da psicanálise, o Yôga mostrou a importância do papel desempenhado pelo subconsciente. O dinamismo próprio do inconsciente é, segundo o Yôga, o obstáculo mais sério que o yôguin terá de superar. Isto porque as latências [psicomentais, os vásanás] querem sair à luz, tornar-se, actualizando-se, estados de consciência […] ao contrário da psicanálise, o Yôga acredita que o subconsciente pode ser dominado pela ascese e até conquistado, por meio da técnica de unificação dos estados de consciência […] Sendo a experiência psicológica e parapsicológica do Oriente em geral e do Yôga em particular incontestavelmente mais vasta e organizada que a experiência sobre a qual se edificam as teorias ocidentais sobre a estrutura da psique, é provável que, também sobre este ponto, o Yôga tenha razão, e que o subconsciente – por mais paradoxal que isto nos pareça – possa ser conhecido, dominado e conquistado», Pátañjalí e o Yôga, pp. 62-63.

Eliade explica-nos ainda o sentido dos termos vásaná e samskára: o subconsciente pode assumir a designação genérica de vásaná, enquanto samskára pode designar a faculdade da memória, da imaginação reprodutiva, ou do pensamento consciente pelo qual a mente cria formas. Os samskáras são os activadores subliminares (FEURSTEIN, A Tradição do Yôga, p. 314-316), responsáveis pela actividade do subconsciente, que permanecem como resíduos ou impressões, enquanto os vásanás são as latências psicomentais, também subliminares, algumas provenientes da hereditariedade, que permanentemente procuram actualizar-se, manifestando-se na consciência, num “impulso de auto-extinção”: «[…] todo o vásaná manifestado como estado de consciência sucumbe enquanto tal; certamente que outros vásanás virão substituí-lo; mas, tendo-se actualizado, simplesmente deixou de existir. A intensidade do circuito biomental deve-se precisamente ao facto de que as ‘latências’ e as ‘formas’ tendem sempre a cancelar-se a si próprias», Yoga, Immortality and Freedom, p. 45.

121 ELIADE, Images and Symbols, pp. 51-56.

122 Ibidem, Patterns in Comparative Religion, p. 377.

123 Ibidem, p. 370.

124 ELIADE, Rites and Symbols of Initiation, p. 58.

125 Hélio Oiticica, cat. exp. CAM, FCG, Lisboa, 20 Jan-20 Mar, 1993, p. 166.

126 Ibidem, p. 215.

127 Ibidem, p. 195.

128 Ibidem, p. 193.

129 «[…] in contrast to modern society, primitive societies have accepted all innovations as so many revelations, hence as having a superhuman origin. The objects or weapons that were borrowed, the behaviour patterns and institutions that were imitated, the myths of beliefs that were assimilated, were believed to be charged with magico-religious power, indeed, it was for this reason that they had been noticed and the effort made to acquire them. […] and since traditional societies have no historical memory in the strict sense, it took only a few generations, sometimes even less, for a recent innovation to be invested with all the prestige of the primordial revelations», ELIADE, Rites and Symbols of Initiation, p. xi-xii.

130 BACHELARD, Gaston, La Póétique da la Rêverie (publ. orig. 1960), PUF, Paris, 1986, p. 140: «La rêverie qui travaille poétiquement nous maintient dans un espace d’intimité qui ne s’arrête à aucune frontière – espace unissant l’intimité de notre être qui rêve á l’intimité des êtres que nous rêvons. C’est en cês intimités composites que se coordonne une poétique de la rêverie. Tout être du monde s’amasse poétiquement autour du cogito du rêveur. […] Le cogito du rêveur ne suit pás de si compliques preambules. Il est facile, il est sincère, il est lié tout naturellement à son complement d’objet. Les bonnes choses, les douces choses s’offrent en toute naïveté au rêveur naïf. Et les songes s’accumulent en face d’un objet familier. L’objet est allors le compagnon de reverie du rêveur. Des certitudes faciles viennent enrichir le rêveur. Une communication d’être se fait, dans les deux sens, entre le rêveur et son monde» (Tradução da autora).