Projeto Casulo e Favela Real Parque

por Naiah Mendonça e Yuri Firmeza

 

 "...uma conversa entrecortada igual ao labirinto das quebradas dos morros cariocas..."

Waly Salomão

 

Estamos agora penetrando aquele conglomerado avermelhado que tínhamos avistado do alto do World Trade Center , chamado favela Real Parque.

 

Na entrada :

 

Uma parada para conhecer o Projeto Casulo, um projeto que atende a comunidade do Real Parque e do Jardim Panorama, com oficinas de artes plásticas, oficina de dança, oficina de teatro, oficina de multimídia,aulas de inglês, entre outras.

O espaço existe desde 2003 e atende cerca de 500 adolescentes entre 10 e 24 anos e, a noite, acontece aulas de inclusão digital para adultos.

O projeto é uma iniciativa do Instituto de Cidadania Empresarial, tendo o apoio da prefeitura e, em alguns projetos, do governo do estado e de iniciativas privadas - 80/90% da verba é oriunda de iniciativas privadas. Em muitos casos as doações são oferecidas em serviço e não em dinheiro.

 

Subindo mais um pouco :

 

Agora andamos com destino a sede da ONG de ação cultural Pankararu.

Uma sensação de invasão, talvez pela quantidade de pessoas, talvez pelos olhares que despertamos nos moradores daquele lugar.

 

Invado agora o texto do Firmeza. A vida, os espaços e as relações sempre se constituem de invasões.
Neste texto não vai ser diferente. Vou penetrar no texto do Yuri para descrever minhas impressões sobre este pequeno trajeto da nossa visita à Favela Real Parque.

 

 ‘Mentiras sinceras me interessam‘
   Cazuza

 

E logo na entrada, quantas cores! Havia uma casa cor de rosa, era como uma vendinha. Parecia casa de bonecas, com um pé direito tão baixo. Saindo da Berrini, onde as coisas possuem uma escala monumental, me senti como Alice atravessando a porta mágica para um outro mundo. Tudo parecia agora pequeno, e nós então ganhávamos outra dimensão, estávamos grandes. Que incômodo! Tudo ali  feito com pedaços de pedaços, madeira e cimento se misturando freneticamente e desordenadamente na mesma construção. Portas grandes de boa madeira com detalhes se fundiam em alguns barracos. Eram grandes demais, o que causava uma impressão meio surreal. Engraçado como tudo ia se encaixando: casa em casa, barraco dentro de barraco. Uma arquitetura de entra e sai. A favela também penetra em si mesma, num movimento dinâmico.
 Um exercício de criatividade, desenhos, stencils por todos os lados nas paredes. Tudo me remetia à arte povera. A favela era também linda, a palavra era arte. 
Quanta ambigüidade! O dia estava ensolarado, e dali do morro o céu parecia estar mais perto. 
Ruas de terra batida, as mães puxavam apressadas as crianças com uniforme para irem à escola. Outras brincavam por ali, pessoas sentadas nas portas das casas comiam com o prato na mão, outras conversavam em cadeiras.
Subimos por uma daquelas ruas sem nome bem estreitas de terra, com os números das casas pintados com tinta. Subíamos rápido, não sei bem por quê. Logo no inicio da subida, a nossa guia avisa que não podíamos fotografar ou filmar lá dentro. Ela devia ter avisado antes, mas havia se esquecido, então todos guardaram os equipamentos. Penso a favela é um lugar privado, é um corpo com toda a sua dinâmica de funcionamento próprio, com regras bem rígidas.
Cruzamos alguns moradores descendo, e eles se assustam com a quantidade de gente. Uma mulher pergunta alto querendo saber quem morreu. Nossa guia explica que sempre quando morre alguém, junta muito gente em volta.
          Uma tensão no ar, nossa guia é uma moça assim como eu, de mais ou menos 30 anos. Ela me conta que é evangélica e casada. Fica o tempo todo de braços cruzados. Eu quero conversar, estou intrigada. A moça faz parecer que a Favela Parque Real é um lugar muito bom para se viver. O preço do barraco é entre R$ 200 e R$ 300. Não entendi muito bem se é mensal ou valor de compra. Ela me explica que muita gente vende o apartamento no conjunto residencial (construído ali na frente) porque lá custa R$ 500 reais e ainda tem o condomínio de R$ 50 reais mais a luz etc ...
Ela me diz: “Aqui tem de tudo, é muito bom, até condução perto”. Em seguida, me mostra o ônibus que passa bem ao lado da favela, em uma das ruas que a cerca. E continua: “Aqui tem duas igrejas evangélicas e uma igreja católica e também existe uma outra igreja onde os padres fazem atendimentos e distribuem cestas básicas para as pessoas”.
E tem violência?, perguntei. Ela respondeu apática: “Não, não muita”.
Nós continuamos fingindo, sem tocar em qualquer assunto delicado... “Você reza?”, ela me pergunta... “Sim”, respondi. Acho que menti... “E você, reza?”, perguntei. Ela disse: “Sim, todos os dias”.

 

Subimos uma estreita escadaria labiríntica de degraus desnivelados, por entre os barracos e esgotos ao céu aberto. Chegamos a ONG onde o presidente Dimas Pankararu, nos recebeu e falou sobre a chegada dos Pankararu nos anos 50, oriundos de Pernambuco. Falou sobre o aumento da migração nos anos 80 e que atualmente são cerca de 1500 em toda São Paulo.

Em 89, ano que Dimas chegou em São Paulo, foi feita a primeira qualificação dos Pankararu em São Paulo, e hoje todos os orgãos - Funai, Prefeitura, governo estadual, governo federal - "reconhecem" a existência deles em SP, mas falta um suporte do governo em relação à comunidade.

A tradição foi perdida quase por completo, e o Dimas apontou com veemência a responsabilidade da catequização da igreja católica nesse processo de perda da tradição, da língua, dos costumes dos Pankararu. Hoje o que se tem na língua original, são os rituais.

Comentou também o pedido de perdão ocorrido na catedral da sé, pelos católicos. Mas a hipocrisia desse pedido não parece ser a solução para os traumas acarretados à memória do corpo dos pankararus, pois Dimas, por mais de uma vez, fala no trauma de falar a língua original.

Comentou também a condição de muitos índios, hoje formados em direito, medicina ... e que se voltam para a luta deles, trabalhando para uma melhoria da aldeia.