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Palestra Prof. Rubens Machado: “As óticas de representação e a fisionomia da Metrópole nos meios audiovisuais”.

por Néstor Gutiérrez e Raquel Garbelotti

  

 

Rubens Machado iniciou sua fala com a seguinte frase: “A cidade que vemos no cinema, transforma a cidade em que vivemos”. Ele explanou sobre as dificuldades de se imaginar São Paulo cinematograficamente, diferentemente de Nova Iorque, Rio de Janeiro e Nápoles, que possuem imagens que as tornaram cidades reconhecidas/ reconhecíveis. Para ele investigar a razão disto, é também uma das maiores dificuldades para a pesquisa das representações da cidade. Em uma coleção dos dez postais mais vendidos na última década e em cada década do século XX, raramente possui a mesma imagem de década para década, porque a cidade de São Paulo mudou sua fisionomia destruindo sua imagem de cidade anterior.

 

Para a relação da cidade com o cinema, Machado teve em sua pesquisa, que contemplar cada época, conceituando em cada uma delas sua ótica de representação. As óticas de representação possuem traços  particulares em cada período. A que tem maior continuidade, segundo o palestrante, diz respeito a uma “cidade para o trabalho”, uma cidade que trabalha ordenadamente. A cidade do trabalho e progresso predomina na primeira metade do século, pois recebe a migração européia e uma migração interna.

 

Após os anos 1950, na época do Cinema Novo, começam a surgir óticas que antes não existiam, em contradição – a respeito deste progresso.

 

Machado examinou a primeira fase destas óticas de representação, para depois entender o que é negado na segunda fase, depois dos anos 1960. Ele falou das transformações das representações a partir do primeiro centro de poder, o da “Colina Histórica do Triângulo”, a primeira centralidade, sendo este local o da primeira imagem que corresponde a um “cartão postal” da cidade. Esta imagem, resistiu durante toda a primeira metade do século, a imagem do Vale do Anhangabaú. Houve, segundo o pesquisador, um interesse em representar a paisagem física à semelhança das grandes cidades europeias, o que implicou em filtrar as margens bucólicas de São Paulo. A São Paulo bucólica (carroças e ruas com cabras), mesmo próxima do centro comercial que se encontra nos registros fotográficos, pinturas e literatura, não existe no cinema.

 

Os cineastas preocupados com imagens européias e com as cidades americanas, encontraram dificuldades de “documentar” uma cidade à semelhança das primeiras por sua falta de verticalização. As primeiras imagens que representam a cidade são as da Rua Libero Badaró, com seus primeiros arranhacéus, com menos de 20 andares, edifícios que começam a ser construídos nos anos de 1920. No filme apresentado por Machado,  São Paulo, a sinfonia da metrópole (1929) de Adalberto Kemeny e Rudolf  Rex Lustig, aparece o Vale do Anhangabaú em sobreposição  à Rua Libero Badaró, uma cidade vertical. O filme apresentado fora uma encomenda, um sistema chamado “cinema de cavação”. Filmava-se e depois vendia-se o material para comerciantes, uma espécie de financiamento e venda direta do produto cinematográfico. Segundo Machado este filme difere-se do Berlin, sinfonia de uma cidade, documentário de Walther Ruttman,  realizado dois anos antes por ser o de São Paulo um filme de sequências convencionais, um filme institucional. Em “Berlin”, existe segundo ele, a pulsação das ruas.

 

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Cena de São Paulo, sinfonia da metrópole

 

 

A partir das imagens, o palestrante descreveu a cidade com relação à sua representação: ‘Do outro lado da “Colina Histórica” existe o Parque Dom Pedro onde começam as várzeas, os bairros operários. Na paisagem dos anos 1920, existe a vontade de verticalização prematura, este como o desejo de apresentação dos mídia e cineastas à população. Um modelo de verticalização que é figurado como modelo desta época.

 

Uma das imagens comentadas por Rubens durante a palestra com relação ao São Paulo, a sinfonia da metrópole, é uma sequência quase surrealista em que uma mão representando a Fortuna distribui o dinheiro; uma metáfora da caridade.

 

No segundo momento da palestra, Machado apresentou o filme de ficção Fragmentos da Vida (1929), de José Medina. O filme é a estória de um filho de operário da construção civil em São Paulo. Na estória o pai acidenta-se e aconselha o filho a seguir o caminho do trabalho. O filho por sua vez, torna-se um vagabundo. Segundo Machado, o interessante deste enredo, baseado no conto nova-irquino House (1952), de Henry Full, é a semelhança entre as estórias. Segundo o palestrante estávamos diante de um modelo nova-iorquino, e a questão era como ambientar o filme, tal qual a outra cidade; um problema típico dos filmes paulistanos, imitar com grande dinâmica, up to date com as estéticas mundiais.

 

Na sequência de Fragmentos da Vida, a cidade cresce e o filho que se torna um vagabundo, à semelhança do conto de Full, é levado a um Centro de Regeneração, que neste caso é o Carandiru. A estória do filme remonta as diversas tentativas frustradas do vagabundo ser pego pela polícia. Algumas imagens deste filme se passam no Anhangabaú.

 

- Marli de Barros: O filme mostra a periferia ou a trama está do lado centralizado?

 

- Rubens Machado: A narrativa dá-se nos bairros da Luz e do Brás, perto do centro.

 

Após a pergunta de Marli, o palestrante passou a comentar a postura aprumada do personagem do vagabundo. Os personagens são desdobrados em dois por José Medina, o do vagabundo e o do malandro. Para ele a noção de cidadania se confunde à paisagem física vertical. Ao comentar o filme, as situações de perigo são descritas por Machado, como momentos verticais (uma cidade séria), em contraposição a transgressão da ordem; pois a cidade trabalha de “forma ordenada”. Se trata de um tipo de educação pela vertical, que impõe seu ritmo quando a ordem é ameaçada, quando há possibilidades de transgressão. A função das verticais seria educadora porque corrige essa possibilidade de transgressão e conduz à noção de cidadania.

 

Segundo Machado nem neste filme e nem no São Paulo, a sinfonia da metrópole existe a vontade de trabalhar as contradições sociais.

 

Continuando o raciocínio das fases de representação, foi apresentado o filme Candinho (1975) de Oswaldo Candeias. Interpretado por Mazzaropi, a figura do caipira imigrante que vai até a cidade de São Paulo, à procura de sua mãe. Diferente de outros atores, foi Mazzaropi quem fez o “Jeca” de maior sucesso nacional. Segundo Machado, um raro caso de sucesso de bilheteria brasileiro da época.

 

Mazzaropi chega na cidade à  procura da mãe e imediatamente cai num sanatório. Prefigura a condição de ingênuo, que segundo Rubens Machado é a outra possibilidade de característica do personagem sério. O caipira neste filme possui uma ingenuidade séria. Suas características estão baseadas nas características do Cândido de Voltaire, um ser de visão otimista.

 

As desgraças são alternadas neste filme, as contradições diluídas, tal como quando Mazzaropi encontra não a mãe, e sim o tesouro de sua herança, a fortuna deixada por ela. Um tema otimista, de Roda da Fortuna, segundo Machado, um aspecto ideológico de concepção de progresso.

 

Para tratar da terceira fase da cinematografia paulistana, Machado apresentou o filme São Paulo S.A. (1965), de Luis Sergio Person. Segundo o palestrante estamos em relação a este filme diante do Cinema Novo, principal cinema moderno e de vanguarda no Brasil. Para Rubens, São Paulo S.A., sintetiza os filmes que pensam o prejuízo existencial do progresso. Nele o personagem de Walmor Chagas ressoa a seriedade ingênua do vagabundo. A estória narra três relações amorosas do personagem, como três possibilidades de vida diferentes. O personagem de Walmor, é empregado de uma fábrica de auto-peças em São Bernardo do Campo. Este personagem ao longo da trama vai tornando-se amargo, neurótico mas sem perder a  postura altiva.

 

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Cena de São Paulo S.A.

 

 

O personagem que na trama faz o papel de malandro, é  Ottello Zeloni. Novamente temos o personagem sério em Walmor e o malandro ou empresário em Zeloni. Para Machado, a “seriedade” para com a vida, faz parte do espectro do personagem paulistano, sendo esta a característica principal tanto do vagabundo, quanto do empresário ou do caipira.

 

Rubens Machado falou também da cidade que aparece nos filmes de Ozualdo Candeias como indicada no título do filme A Margem (1967), que pertence as franjas da cidade. A várzea, região próxima aos rios; um filme de atmosfera, sem diálogos, mostra a cidade dos menos favorecidos, os bairros operários da planície da Zona Leste. O palestrante falou da importância do personagem varzeano, os operários, o lúmpen ou marginal.

 

 

 

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Filmagem de A Margem

 

 

 

- Antoni Muntadas: Você vê relação deste filme com o Neo-Realismo italiano?

 

- Rubens Machado: Não. Muito pouco. Existem filmes Neo-Realistas em São Paulo, mas até aqui eu não mostrei. O Candeias tem uma estética muito singular. O Neo-Realismo é uma das referências. Este filme é de 1967, a trilha é instrumental. Personagens perambulam pela cidade e quase não tem trabalho. O rio que aparece deve ser o Tietê. Por outro lado, o filme não é ambientado em Favelas; ele prefere a paisagem “bucólica” para exprimir a condição de despojados; mesmo de cultura popular.

 

Na descrição de Machado, os personagens cruzam-se o tempo todo no filme, e a maior parte deles morre por acidentes. A estória não tem uma narrativa convencional. Este segundo Rubens é um filme que ao lado de O Bandido da Luz Vermelha (1978) de Rogério Sganzerla, dão início ao Cinema Marginal, que muda o cinema brasileiro. O Cinema Marginal radicaliza a estética do Cinema Novo.

 

O personagem de Candinho é retomado no filme de Candeias. Rubens apresentou um momento do filme, um média metragem de 50 min, em que o personagem de Mazzaropi é retomado. O Candinho de Candeias vai para São Paulo, para as várzeas. Este como o outro Candinho, procura a mãe, mas a imagem que carrega dela é a figura de Jesus Cristo. O personagem meio maluco, vai revelando uma inteligência que se constrói ao longo do filme. Candeias se contrapõe ao Cinema Novo, apresentando a impossibilidade de uma cidadania nos termos que o cinema costuma representar. Por isso segundo Machado, Candeias nunca filmou na Paulista, por isso seus personagens estão sempre de passagem, são nômades.

 

Este aspecto nômade para Machado, remonta a um dos vetores da personalidade cultural de São Paulo. O carácter nômade que já estava no mito dos Bandeirantes (expedicionários do Brasil colônia), os homens que fizeram São Paulo e estenderam os limites geográficos do Brasil.

 

Assim como estes personagens estão sempre de passagem, São Paulo, visto através do cinema, muda a configuração fisionômica da paisagem urbana de forma constante. Em termos de fisionomia urbana não há uma imagem única e ‘clichê’ do que representaria São Paulo, como ocorre com outras cidades, conforme exemplificado na palestra; os dez cartões postais mais vendidos em cada década, que raramente repetem a mesma imagem de uma década para outra. Neste sentido parece que a característica de se representar uma São Paulo em construção constante, uma cidade sempre nova através do cinema, se relaciona com um tipo de mentalidade que não se interessa pelo passado, só pelo futuro.

 

Podemos concluir dizendo que o traço de constante reconfiguração fisionômica e a percepção de uma cidade construída em volta de e para o trabalho, são carcterísticas recorrentes na representação de São Paulo no cinema.