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Arquitetura, Cinema, Teatro e Arquivo — relato das mesas IV e V.

Relato por Marina D’Império Lima

Ciclo de Debates Museu Lasar Segall 50 Anos 1967 – 2017

 

Mesa IV: Cinema e teatro no acervo da Biblioteca Jenny Klabin Segall, com a participação de Eduardo Morettin, Sergio Carvalho e Mónica Aliséris (mediadora); Mesa V: Arquitetura do Museu Lasar Segall e arquivo histórico, com a participação de: José Lira, Johanna W. Smith, Carlos Eduardo Warchavchik (mediador) e Luciana Amaral (mediadora)

Relato por Marina D’Império Lima

 

Em outubro de 2017, em comemoração aos 50 anos do Museu Lasar Segall, aconteceu no auditório da instituição um Ciclo de Debates que visitou diferentes aspectos e desafios experimentados na construção do espaço comum do Museu, inaugurado em 1967. Nesse relato, me concentro em duas das mesas de debate, sendo a primeira sobre Cinema e teatro no acervo da Biblioteca Jenny Klabin Segall, e a segunda, sobre Arquitetura do Museu Lasar Segall e arquivo histórico.

Ao descrever especificamente essas mesas, entendo que haja um aspecto importante em jogo: a materialidade do Museu e suas transformações, tanto enquanto espaço arquitetônico, quanto como lugar onde se reúnem diferentes acervos, obras de arte, coleções de livros, documentos e revistas. Esse momento de encontro e reflexão, implica em partilhar memórias e experiências que podem produzir uma visão crítica e propositiva para novos sentidos a serem projetados sobre o espaço do Museu. Gostaria de exercitar através desse texto, um mapeamento desses pontos de provocação e suas relações com alguns aspectos que constituem as singularidades e potências do espaço, a partir do que foi apresentado e discutido nos dois encontros, tendo em vista que o Museu foi criado durante a movimentada década de 60, pela sua idealizadora Jenny Klabin Segall – escritora, tradutora e pianista, e viúva de Segall.

 

Encontro e desencontro

A mesa sobre Cinema e teatro no acervo da Biblioteca Jenny Klabin Segall, aconteceu no dia 6 de outubro e os debatedores convidados foram Eduardo Morettin, professor de Cinema na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo; e Sérgio Carvalho, também professor da Escola de Comunicações e Artes do Departamento de Teatro e diretor da Companhia do Latão; a mediação da mesa foi feita por Monica Aliséris, bibliotecária e coordenadora da Biblioteca Jenny Klabin Segall.

Considero importante localizar que os dois convidados trazem em suas falas perspectivas de intimidade com relação ao Museu, pois ambos experimentaram, segundo seus depoimentos, um intenso uso do espaço durante seus respectivos períodos de formação, tanto para fins de pesquisa quanto de formação crítica. Nesse sentido, mais genericamente, a primeira pergunta levantada no debate, a partir do depoimento de Eduardo Morettin, estabelece uma tensão sobre os papéis da biblioteca do Museu e sua sala de cinema, enquanto espaços de pesquisa física e acesso a conteúdos exclusivos, antes e depois da criação dos acervos de livros e filmes digitais e online. Abrindo uma discussão sobre quais serão os sentidos atualizados desses acervos nas próximas etapas da instituição, e também sobre os limites que as pesquisas digitais apresentam.

Partindo de suas experiências, Eduardo defende as potências de aprofundamento que a pesquisa dentro do Museu abrange por meio dos arranjos e orientações diversas que o acervo físico possibilita. Os primeiros livros da biblioteca vêm do conjunto de obras da coleção de Jenny Klabin e Lasar Segall, e uma de suas características marcantes é o comprometimento por parte de seus elaboradores, em constituir coleções completas a partir de estudos minuciosos, além da reunião de uma série exemplares inéditos. A exemplo da revista Cinearte, produzida no Brasil, que segundo o depoimento de Eduardo teve pela primeira vez todas as suas edições catalogadas, e hoje também digitalizados, por meio do acervo da biblioteca do Museu.

A partir do depoimento de Eduardo, nos aproximamos de uma postura extremamente propositiva que circundou o Museu nas décadas de 80 e 90, com a organização de oficinas e ciclos de filmes, em que chegou a estar presente o cineasta alemão Werner Herzog. Nesse sentido, é muito interessante refletir sobre as possibilidades de encontro tanto com pessoas quanto com materiais inesperados ao longo dos processos de pesquisa e estudo. E o desafio, segundo os três debatedores, está em produzir esse movimento hoje, ou seja, dentro de um espaço já estabelecido e que compete com o espaço digital. Como incitar a curiosidade em novos públicos por uma pesquisa que de certa forma pressupõe o desencontro e o deslocamento para proporcionar um encontro?

Dando continuidade a uma reflexão do uso dos espaços, Sérgio Carvalho dirige o seu depoimento às diferentes fases de relação que estabeleceu como acervo do Museu Lasar Segall. Períodos que abarcaram suas diferentes inquietações e interesses pela dramaturgia, pela arte e pelo pensamento crítico. O primeiro contato contínuo de Sérgio com o museu foi no início de sua graduação, quando percebe a potência do Museu como lugar de encontro, onde ao procurar uma coisa você pode encontrar outras e amplificar a sua busca inicial. Esses encontros se devem à diversidade de materiais presentes na biblioteca e que deslocam a pesquisa de suas especificações e produzem relações com outros campos de diálogo, e também, com outras pessoas.

Um dos encontros descritos por Sérgio, foi com os livros do dramaturgo alemão Anatol Rosenfeld, quando em uma de suas visitas à biblioteca os livros estavam separados para exposição, mais especificamente, O Teatro Épico, de 1965, volume que aborda as manifestações do teatro épico na cena do Ocidente, desde sua emergência na Grécia, passando por diretores e correntes teatrais de diversos períodos históricos, como a Idade Média, o Barroco, e o Naturalismo, até a sua concretização maior na dramaturgia brechtiana. Desse encontro, Sérgio se dirige a um outro, quando já diretor da Companhia do Latão planejou o cenário de umas das peças a partir das fotografias e registros do cenário da peça Antígona, montada por Bertolt Brecht no teatro Berliner em Berlim. A questão aqui, não passa por um olhar nostálgico para esses acontecimentos, mas sim pensar o que deles é interessante atualizar.

 

Depois da casa moderna, um museu

A mesa sobre Arquitetura do Museu Lasar Segall e arquivo histórico, que também aconteceu dia 6 de outubro, teve como debatedores convidados José Lira, professor no departamento de história da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; e Johanna W. Smit, professora sênior do Departamento de Informação e Cultura da Escola de Comunicação Artes da Universidade de São Paulo. A mediação foi feita por Carlos Eduardo Warchavchik, arquiteto e mestre em história e teoria da arquitetura, e Luciana Amaral, mestre em ciências da informação, que nesse momento trabalha na organização do acervo do Museu.

José Lira, para elaborar questões acerca da arquitetura do Museu contou sobre a sua relação com os arquivos históricos e a história da arquitetura a partir da sua pesquisa de doutorado sobre produção do arquiteto nascido na Ucrânia Gregori Warchavchik, quem se naturalizou brasileiro entre 1927 e 1928 depois de seu casamento com Mina Klabin Warchavchik, irmã de Jenny Klabin Segall. Warchavchik é reconhecido por fazer parte da primeira geração de arquitetos modernistas no Brasil, e por construir a chamada primeira casa modernista em São Paulo, na rua Santa Cruz, no bairro da Vila Mariana. Também no bairro da Vila Mariana, o arquiteto projetou um conjunto de seis casas, entre a rua Berta e Alfonso Celso, dentre as quais, uma delas se tornou a casa do casal Jenny e Lasar, que futuramente se transformaria no Museu Lasar Segall.

Nos arquivos históricos do Museu estão cartas trocadas entre as irmãs Mina e Jenny, as quais, segundo Lira, evidenciam a forte relação que as irmãs tinham com a arquitetura e o mercado imobiliário, assim como um grande interesse pelas propostas modernistas ligadas às vanguardas europeias. Além de ser autora dos projetos paisagísticos das casas desenhadas por Warchavchik, Mina se tornou junto com a sua irmã investidora no mercado imobiliário, e o arquiteto Warchavchik se tornou figura crucial para a valorização dos terrenos que pertenciam à família Klabin. Contexto que também se fortalece através da importância e influência do artista visual Lasar Segall, diretamente ligado ao movimento da arte moderna no Brasil, bastante influente na inserção do arquiteto Warchavchik no contexto modernista de São Paulo. Diferentemente dos efeitos de ruptura reivindicados pelas vanguardas na Europa, a vanguarda modernista no Brasil passa a significar um grande momento de construção, arquitetônica, plástica e discursiva, sobre o qual Mina, Jenny, Lasar e Warchavchik foram atuantes. Além da casa, em um dos terrenos contíguos à ela, foi construído o ateliê de Lasar Segall, que provavelmente foi projetado em uma parceria entre o artista e o arquiteto, com traços muito marcantes da arquitetura moderna.

Ao se debruçar sobre os arquivos completos presentes no acervo do Museu, Lira – enquanto pesquisador – tem a possibilidade de construir novas narrativas acerca das relações investigas, a exemplo da desromantização de um discurso que colocaria Warchavchik na figura do arquiteto radical de vanguarda que não estabelece relações com o universo mercadológico. Ou então, tornar mais claras as formas de parceria no trabalho estabelecido entre Mina e Warchavchick, no sentido de revisar uma narrativa que não se coloca criticamente em relação ao protagonismo viciado que se dá à figura do homem na história da arquitetura.

Um outro sentido relevante que os arquivos guardam para a arquitetura, segundo Lira, foi para o estabelecimento de uma cultura de exposições de arquitetura no Brasil. Inclusive uma das primeiras exposições sobre arquitetura aconteceu em uma das Casas Modernistas projetadas por Warchavchik. Momento em que se inicia uma discussão de como expor conteúdos arquitetônicos em exposições que envolvem as paredes de um museu.

A visão sobre os arquivos e como expor as pesquisas, se aproxima do depoimento de Joana W. Smit a respeito da importância dos acervos históricos dos museus. Segundo ela, a expressão acervo histórico produz um efeito sensual no imaginário, por remeter a materiais muito importantes e icônicos, mas ela alerta que por um lado, nenhum documento nasce histórico e sim de alguma necessidade, e por outro, o que talvez haja de mais sensual nesses arquivos, é justamente as possibilidades de novas leituras que eles possibilitam. A potência de um acervo se encontra também nos registros que dão sentido a processos que em alguns casos estão ligados aos tais materiais icônicos. Esses blocos de arquivo constituem um campo fértil para a elaboração de novas narrativas a partir de novas perspectivas históricas. Nesse sentido, Joana defende a importância de ver o percurso dos arquivos: como um documento vira histórico, e, consequentemente, vai adquirindo uma importância ou ganhando um significado.

 

As partes em transformação

A arquitetura do Museu sofreu muitas transformações ao longo anos, ganhando contornos quase labirínticos, que respondem às novas necessidades e usos propostos para os espaços. No espaço das perguntas levantadas pelas pessoas presentes no debate, uma delas contou que desde jovem mora no bairro da Vila Mariana, e convive no Museu, onde nos anos 70 e 80 ia encontrar seu namorado, e que  hoje frequenta semanalmente as sessões de cinema, de forma que estabeleceu uma relação afetiva com Museu a partir do uso frequente desses espaços. Nesse sentido, seu relato levantou um questionamento importante com relação ao entorno do Museu. Como intensificar o uso e a frequência do espaço a partir da abertura do Museu para o bairro? Que pontos de transformação são interessantes estabelecer para que novos usuários construam essa relação de curiosidade e também cotidiana junto ao Museu? Em outras palavras, como responder às fortes transformações que tanto o espaço como o contexto histórico sofreram ao longo dos anos?

É bonito olhar para as mudanças e materializações que foram acontecendo ao longo dos anos, e uma reflexão sobre elas abre espaço para pensar os desafios que o Museu tem enquanto propositor de novos usos e ações. Tendo em vista a potência do acervo construído, dos profissionais responsáveis, e das ferramentas disponíveis no espaço, a partir dos depoimentos das duas mesas, em um sentido mais propositivo, eu arriscaria dizer que uma abertura maior para o entorno, que inclusive pode significar uma maior permeabilidade material do edifício com a rua, poderia funcionar como ponto propositivo de ressignificação e intensificação dos usos do Museu.