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Relatos da Homenagem a Maurício Segall e Celso Lafer — relato mesa VI e a de abertura

Relato por Paola Lopes Zamariola

Ciclo de Debates Museu Lasar Segall 50 Anos 1967 – 2017

 

Homenagem a Celso Lafer, com a participação de Claudia Perrone Moisés, Jorge Schwartz e Sérgio Toledo Segall; Mesa VI: Maurício Segall e o Museu, com a participação de: Carlos Augusto Calil, Cristina Bruno, Marcelo Araujo e Pierina Camargo.

Relato por Paola Lopes Zamariola

 

Estamos em 2042, e em frente ao número cento e onze da rua Berta algumas pessoas estão reunidas na calçada. Uns fumam, outros mexem no celular, porém a maioria está conversando. Acabam de sair do encerramento dos eventos que compuseram as comemorações dos 75 anos de existência do Museu Lasar Segall. Muitos dos que estão ali não estiveram na ocasião do evento dos 50 anos, com exceção de uma das funcionárias, que tenta recordar detalhes dos encontros que aconteceram no ano de 2017.

Ela compartilha com o grupo algumas das lembranças acerca da exposição que ocorreu 25 anos atrás, em especial a parte dedicada a homenagear Maurício Segall, que havia falecido naquele mesmo ano. Na maioria das memórias evocadas é possível notar a satisfação por ter feito parte de uma das várias pequenas fotografias dos então atuais e ex-funcionários do museu, que compunham uma obra que formava o rosto de Maurício Segall, primeiro diretor do MLS.

Tal vestígio afetivo não deixa de dar espaço para recordar a frágil situação do museu naquele momento. As dificuldades em realizar manutenções na casa, que implicavam desde infiltrações que prejudicavam a permanência das exposições, até o fato da biblioteca estar fechada para visitação espontânea pelo espaço a qual estava destinada não comportar mais as novas demandas, são apenas exemplos de outros tantos. É nesse contexto que ela lembra que foi no final daquele ano que aconteceu a chamada pública que viria escolher seu/sua novo/a diretor/a.

Na roda, em uma conversa coletiva que estava mobilizando a curiosidade dos que permaneciam, aos poucos, diversas perguntas foram sendo lançadas para essa funcionária. O que te fez permanecer no museu nas últimas décadas? Você trabalhou aqui todo esse tempo ou passou algum período em outro trabalho? Qual o tipo de vínculo empregatício que tem agora? O que achou, sinceramente, das mudanças feitas pela nova diretoria? Quanto tempo demorou para começar a reforma? Como o público do Museu Lasar Segall reagiu a essas ações? Mas, afinal, quem optou por essa mudança com relação à biblioteca?

Voltamos a 2017. Não sabemos as respostas que aquela mulher deu, assim como não sabemos os rumos que o MLS terá nos próximos anos. O fato é que o quadro que tal funcionária vive, no presente, deflagra a transição bastante delicada de um museu que foi pioneiro na cidade de São Paulo, mas que, infelizmente, atravessa um período de crise que pode vir a alterar os princípios de seu projeto. Questionar-se sobre as perspectivas atuais do museu foi o eixo central do ciclo de debates que aconteceu entre os dias 04 a 07 de outubro de 2017, principalmente nas duas mesas organizadas para homenagearem os principais responsáveis pela constituição e viabilização desse museu, Mauricio Segall e Celso Lafer.

As evidentes potencialidades do MLS em suas décadas iniciais foram retomadas em diversas das falas que se propuseram a debater a função dessa instituição tão peculiar ao longo de sua história. Singularidade que se evidencia na diversidade de ações e acervos que transitam entre as áreas das artes visuais, da fotografia, do cinema, do teatro, da arquitetura e da educação. Na abertura desse ciclo, ocorrido na tarde da quarta feira do dia 04 de outubro, Jorge Schwartz, atual diretor do museu, fez uso justamente de uma perspectiva histórica, quando através de alguns apontamentos que tensionaram o passado, e o futuro, afirmou que certamente o registro desses encontros servirão aos que buscarem materiais para as comemorações do centenário do Museu Lasar Segall.

Talvez não seja o momento ideal de lançarmos expectativas para um horizonte ainda tão distante, a ponto de perdermos a conexão com um presente que se mostra bastante incerto no atual contexto político que o país atravessa e que atinge, não por acaso, as políticas públicas do campo da cultura. Sem suportes consistentes do Ministério da Cultura, bem como dos governos estaduais e municipais, muitas instituições estão à mercê de uma ação cultural comprometida com o desenvolvimento social brasileiro. Tal mudança, mesmo que mínima, provavelmente só acontecerá se, de fato, uma categoria atuante conseguir se organizar a ponto de mobilizar alterações significativas na área da museologia.

Tal articulação política e artística, por exemplo, foi realizada por figuras como Celso Lafer, e é sobre ele que Claudia Perrone Moisés, professora associada do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, inicia a mesa que faz tributo ao advogado que foi já foi embaixador do Brasil junto à Organização das Nações Unidas, ministro das Relações Exterior entre os anos de 2001 e 2002, além de presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo de 2007 a 2015.

Claudia procura no sentido da palavra louvor o gesto que esteja à altura da contribuição de Celso para a história do Museu Lasar Segall. Se o louvor consiste na ação de exaltação, admiração e manifestação de reconhecimento ao mérito de alguém, esse significado se explicita nas áreas do Direito, da Administração, da Ciência Política, das Relações Internacionais, da Literatura, das Artes Plásticas, entre outras, que testemunharam as habilidades múltiplas de um intelectual que trafegou entre muitas searas do saber.

Para fortalecer sua busca em torno da palavra louvor e sua conexão com a trajetória de Celso Lafer, Claudia convoca os apontamentos feitos pela pensadora alemã Hannah Arendt ao sublinhar que o louvor seria a possibilidade de expressar o que de todos já sabem, porém com a necessidade indispensável de se poder fazer isso em público. No caso de Lafer o que se apresenta como louvável é o fato de suas contribuições permitirem o fortalecimento de direitos básicos de um país ainda em construção como o Brasil.

Para dar sequência à mesa Jorge Schwartz utiliza a imagem da tapeçaria analisada ao contrário para dar a ver os vários laços das famílias Klabin e Segall, propositores iniciais de um museu que nasce em 1967, ano da morte de Jenny Klabin Segall, esposa de Lasar Segall, e que é mantido de modo privado até a passagem para a estrutura pública em 1985. Atualmente como patrimônio do Estado o MLS, que já foi ícone por apresentar estrutura multidisciplinar e fluida entre os atos de poetizar, fruir e conhecer arte, necessita refletir sobre as práticas realizadas nos últimos anos e suas conexões com a atualidade.

A revisão sobre a vocação do Museu Lasar Segall é feita, então, por Sérgio Toledo Segall, cineasta e roteirista brasileiro, filho de Maurício Segall, que resgata as experiências do coral, dos ateliês de gravura, fotografia e escritura, além do pioneiro educativo, durante as primeiras décadas do museu, nas quais a formação era o eixo primordial de uma instituição referência na sua área, período no qual Celso Lafer presidiu o conselho e conseguiu agregar ao MLS prestígio intelectual e artístico.

As peculiaridades da direção de Maurício Segall foram a temática da mesa que aconteceu na manhã do sábado 07 de outubro, e que foi mediada por Pierina Camargo, coordenadora da área de museologia do museu Lasar Segall, que afirmou na abertura desse encontro que os méritos alcançados por ele foram possíveis devido a sua sensibilidade à realidade, bem como a sua forte personalidade.

Marcelo Araújo, que também já foi diretor do MLS, dá inicio à mesa narrando um poema escrito por Maurício Segall no qual faz um panorama das diferentes frentes de interesse de um sujeito que trabalhou na produção do Teatro São Pedro, escreveu diversos textos sobre as políticas culturais brasileiras, fundou o museu em homenagem a Lasar Segall, entre tantas outras experiências que buscavam interligar áreas aparentemente desconectadas, sem nunca deixar de frisar que a arte possui um papel incompressível na vida de qualquer ser humano.

Para tanto, inspirado pelas experiências francesas, o acesso a arte deveria ser expandido onde, mais que um museu, um espaço de cultura como o MLS teria o importante papel de se abrir às várias linguagens artísticas e práticas comunitárias. No contexto das décadas de 1960 e 1970, quando a área da museologia ainda se constituía no Brasil, Maurício apostou no engajamento dos funcionários para viabilizar uma construção cotidiana do museu através de processos que visavam o fortalecimento da capacidade de escuta do coletivo e da abertura ao exercício da alteridade.

Participaram também dessa mesa Cristina Bruno, diretora do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, que enfatizou o quanto as plenárias realizadas por Maurício, nas quais as participações e debates coletivos aconteciam até as últimas consequências, representaram para ela um laboratório fundamental para sua formação. Para Cristina, o que Maurício priorizava era a função social, onde era exatamente essa qualidade que permitiu ao MLS não ser apenas mais um museu como tantos outros.

Carlos Augusto Calil, professor do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da USP, ex-secretário Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo entre os anos de 2005 e 2012, encerrou a mesa destacando as consequências da incorporação do museu ao Estado, assim como também aconteceu com a Cinemateca, e também enfatizando o quanto as alterações dos últimos anos mudaram os papéis dessas duas instituições no atual contexto da cidade de São Paulo.

Ao final dessa mesa uma conversa com o público é aberta, uma das funcionárias relembra que nas comemorações dos 25 anos do Museu Lasar Segall, Maurício declarou que por um período chegou a não ter ideia do que era museologia, processo esse que foi sendo alterado através da construção coletiva de um aprendizado engajado com o desenvolvimento da área, que formou diversos profissionais e, devido a sua militância, contribuiu para a regulamentação da profissão no país.

Seja por essa funcionária, que, no mínimo, permaneceu 25 anos trabalhando no museu, ou da figura hipotética que abre esse texto, o que encontrarmos nas diversas falas é o compromisso de diversas pessoas em atualizar o projeto do MLS, fato esse que somente poderá ser materializado através da junção de esforços significativos que permitam rever seus propósitos e encontrar perspectivas políticas, artísticas e pedagógicas para que esse modelo, talvez, nem tão novo, mas necessariamente vivo, possa ser inventado e gestado.