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Conferência: "Constant Transformation: storytelling in the information age”

Por Isis Gasparini – Jean Franczyk Diretora adjunta do Science Museum Londres, Reino Unido.

Relato por Isis Gasparini

Coordenadoria dos relatos por Beto Shwafaty

A abertura do 7o Encontro Paulista de Museus contou com a conferência de Jean Franczyk, diretora adjunta do Science Museum of London, que apresentou a estrutura e a missão dessa instituição, destacando as estratégias que tornam mais convidativas ao público exposições dedicadas a teorias e tecnologias complexas.

O Science Museum of London foi fundado em 1857 e compreende hoje um conjunto de quatro entidades (Science Museum Group): o Museu de Ciências, em South Kensington, Londres, o Museu de Ciência e da Indústria, em Manchester, Museu Nacional das Ferrovias, em York, e o Museu Nacional da Mídia, em Brandford. Juntos, esses espaços alcançam um público de 5,4 milhões de pessoas ao ano. A fala de Franczyk se concentrou sobre as atividades da sede londrina, que está entre as principais atrações turísticas da cidade. Sozinha, ela é responsável por 3,3 milhões desses visitantes. Esses números foram trazidos para ressaltar tanto o êxito quanto as responsabilidades do trabalho de sua equipe.

Franczyk divide os visitantes em três diferentes configurações: aqueles que vão em família representam 49% do total, adultos independentes, 39% (número que mais tem crescido) e, por fim, os grupos escolares, que somam 14%. Esses dados surpreendem pelo fato de que a grande maioria das visitas serem espontâneas, não dependendo da tutela das escolas que, cada vez mais, incluem os museus em suas atividades pedagógicas.

Considerando que o encontro teve como uma de suas questões centrais os esforços realizados pelos museus brasileiros para garantir e ampliar seu público, esses dados demonstram o contraste entre as realidades do Brasil e da Inglaterra, com peculiaridades que certamente transcendem o tema aqui debatido. Se o público permanece sendo um tópico central na missão do Science Museum, o desafio que esse assume diz respeito exatamente em como garantir o atendimento e a satisfação de um universo grande e diversificado de pessoas.

Se o número de visitantes alcançado pelo museu londrino não é um de seus problemas, seu orçamento também parece ser satisfatório. Sem expor dados concretos, Jean Franczyk destacou que, sendo esse um espaço cultural de expressão nacional, o museu recebe grande apoio financeiro da Coroa Britânica, o que também possibilita que suas atividades sejam oferecidas gratuitamente.

Mesmo que a realidade econômica e cultural londrina seja muito distinta da nossa, é possível observar em sua apresentação alguns parâmetros úteis para refletir sobre nossos acervos, estruturas museológicas e abordagens curatoriais, sobretudo no que diz respeito ao esforço para tornar amigável os temas a que se dedica um museu de ciências.

As exposições são pensadas como narrativas que reinterpretam a história com abordagens multidisciplinares, para encontrar nas ciências os aspectos sociais que tocam o presente e que possam interessar a um público amplo. Jean Franczyk acredita que a erudição pode ser construída também pelo entretenimento, pelo despertar de uma curiosidade que, uma vez instigada, pode também ser levada para fora do museu. Para isso é preciso que todos se envolvam, não apenas intelectualmente com os temas abordados, mas também emocionalmente.

A interatividade e o caráter lúdico das exposições foi um aspecto bastante destacado na fala de Franczyk: os espectadores podem vivenciar o acervo, mais do que visualizá-lo. Ela acredita que seu público quer se divertir, tanto quanto aprender. Em mais de uma ocasião, ela se refere aos artefatos científicos como feios e desinteressantes. Por isso, eles devem ser não apenas manipulados, mas acessados a partir de uma narrativa que desperte a curiosidade e atenção dos visitantes, que por vezes é estimulada por simulações e animações.

Como contraponto das políticas de sua instituição, ela lembra o exemplo da Grande Exposição de Londres, realizada no Hyde Park, em 1851, e que tinha o propósito de celebrar o desenvolvimento da indústria, constituindo uma grande vitrine de artefatos pouco ou nada compreendidos pela maioria dos visitantes. Por sua vez, já na década de 1920, a direção do Science Museum decide que sua abordagem devia ser dedicada ao público leigo. Em 1931, o museu abre a primeira galeria especialmente dedicada às crianças, que acabariam por representar uma parcela significativa do público do museu.

Foi possível notar que a instituição dá grande atenção a temas que celebram os ícones da história e da identidade cultural britânica. Para tratar da expansão das tecnologias de comunicação, o museu apresentou uma grande exposição sobre o coroamento da Rainha Elizabeth, evento que foi transmitido ao vivo pela televisão para diversos países.

As exposições atribuem grande valor aos contextos sociais do surgimentos das tecnologias, como vemos num dos exemplos mencionados pela palestrante: a exposição realizada em 2012, sobre Alan Turing, pioneiro da ciência da informação que ajudou o governo britânico a desvendar as mensagens cifradas da Alemanha nazista[1]. Além das teorias e aparatos criados pelo cientista, a exposição buscou trazer para o público o contexto de intolerância que caracteriza a década de 1950, que fez com que Turing fosse julgado por sua homossexualidade, mais do que por sua contribuição heróica. Para dar conta da complexidade de temas atravessados por essa exposição, o museu trabalhou ao lado de uma organização social dedicada aos direitos dos homossexuais e transexuais.

Segundo a diretora, o museu tem como principal missão ajudar as pessoas a entenderem como sua vida social é organizada no presente e, para isso, as exposições são pensadas para atender todos os públicos, em sua diversidade de gênero, idade e classe social. Quanto a isso, Franczyk destacou, em especial, a preocupação com a inclusão das mulheres que, segundo ela própria, tendem a ter menos afinidades com os temas ligados às ciências e às tecnologias.

Ao assumir que é um papel dos museus conectar o conhecimento que produz aos problemas locais e globais, ela teve que enfrentar uma pergunta de difícil resposta, vinda da platéia: como lidar com os conflitos étnicos e religiosos que impactam toda a Europa? De fato, é visível que instituições culturais de alguns países, sobretudo daqueles que têm em sua história uma atuação colonialista, assimilam questões relacionadas às tensões e trocas culturais que derivam do processo de colonização e dos posteriores fluxos de imigração. Franczyk se limitou a responder que o museu tem uma política inclusiva e que é aberto a todos os públicos. Sugeriu, sem aprofundar a resposta, que questões étnicas são mais pertinentes a outras instituições, como seu vizinho, o Museu de História Natural.

Mas ela acredita que os museus são fóruns para as comunidades que devem funcionar como espécies de praças públicas, oferecendo experiências transformadoras que reverberem também fora do espaço expositivo. A partir disso, ela apresenta aqueles que são os princípios básicos de sua gestão, e que traduzem sua fala na forma de conselhos que poderiam ser aplicados, guardadas as especificidades, a diversas tipologias de museu:

“Estejam cientes de sua própria história, isso é a chave. Respeitem seus públicos, conheçam-nos e, ao mesmo tempo, apliquem rigor intelectual ao seu trabalho, tanto com relação à seleção do acervo, quanto à interpretação que fazem dele”.

As preocupações apontadas por Franczyk parecem ser também partilhadas por nossas instituições. Mas ainda estamos a muitos passos de conseguir traduzir essas intenções em números tão expressivos quanto aqueles que ela apresenta na abertura do 7o Encontro Paulista de Museus. Nossas políticas culturais ainda precisam de melhorias, para fornecer a sustentação de longo prazo necessária às instituições, a fim de proporcionar ampliação na formação e acesso de público, bem como garantir às instituições museológicas a infraestrutura necessária para um funcionamento sustentável, em termos de pesquisas e trabalho com acervos, sua respectiva salvaguarda e seus projetos de exibição.



[1] Turing é o protagonista do filme O Jogo da Imitação (Reino Unido, 2014), dirigido por Morten Tyldum.