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Relato Mesa 2

Raquel Garbelotti

A dupla FrenchMottershead iniciou a fala da mesa com a apresentação de seu processo de residência, comentando ser este um processo de exploração de coisas cotidianas, a produção de imagens e textos.

Os artistas e seus colaboradores trabalharam documentando e descobrindo comunidades de comércio em duas cidades contrastantes - Salvador e São Paulo.

Naquela mesma quarta-feira levaram cópias de textos e imagens aos locais em que trabalharam, apresentando-as às pessoas que integraram de várias formas o projeto. Tais fotografias ficaram expostas em lojas como em “galerias urbanas”; termo cunhado pela dupla.

Trabalharam com diversas formas de colaboração; com Márcia Abujamra e Felipe Moraes documentando o processo, Túlio Tavares como fotógrafo e Milena Durante nas traduções.

Eles buscavam uma resposta ao ambiente cultural em que estavam, fazendo intervenções por imagens e textos. Segundo os autores, foi importante apresentar o processo aos escritores para que estes pudessem colaborar com o projeto sob a perspectiva local, porque foram eles que os colocaram em contato com os pontos da cidade onde há fluxos intensos de compra/ comércio (Rua 25 de Março, seu comércio formal e informal e a relevância das padarias na cidade, dada a migração portuguesa em São Paulo).

Na Rua 25 de Março, explicaram que sentiram-se como num “campo de batalha”, como “Moisés abrindo o Mar Morto”. Perceberam que teriam que agir rápido aos fluxos de mobilidade do lugar, porque o material exposto nas ruas poderia a qualquer momento ser confiscado - como no caso dos camelôs que formam também uma comunidade, com códigos de proteção contra o poder da polícia (RAPA).

Estes movimentos foram apreendidos e absorvidos pelo projeto, Os autores comentaram a dificuldade de se estar lá, de trabalhar e se localizar neste contexto. Para filmar um vídeo de 1 minuto, segundo eles, foi preciso preparar um espaço de recepção, em que fosse possível captar os movimentos dos “clientes” dos estabelecimentos, seu fluxo. Os vídeos ou imagens configuram-se como pequenos excertos de documentos destes momentos.

Uma breve descrição de uma destas imagens poderia ser: um “cliente” ou personagem desta população, em forma estática, enquanto a paisagem entorno se move.

A estratégia de produção de imagem da dupla me remeteu `a sequência fílmica de “F for Fake”. No filme, o personagem de Srta. Oja Koldar, é inserido por Orson Welles na cidade, sob câmeras escondidas. A escolha de Welles por um personagem feminino provocante, desloca toda a concentração e olhar masculino dos passantes e trabalhadores do bairro de suas funções. No projeto de FrenchMottershead o “cliente” ou personagem torna-se diferenciado e posa estático para a câmera, enquanto o lugar todo move-se em direção aos seus próprios fins e fluxos.

Os autores trabalharam com retratos individuais que permitiam uma espécie de contato com esses “clientes”. Passaram uma manhã de domingo com os vendedores de flor na Avenida Dr. Arnaldo, tentando entender como os mesmos operam e vendem seus produtos, percebendo como poderiam interagir com a comunidade de “clientes” dali.

Os autores trataram em tom quase narrativo as histórias por detrás das imagens, como a de um rapaz que comprava as mesmas flores que deu a seu amor uma outra vez. “Uma espécie de recomeço ritual. Pedimos a ele para ficar parado por instantes olhando para a câmera, pensando na pessoa que iria presentear”.

Visitaram também as padarias da cidade. Nelas tiraram várias fotografias, dado o grande movimento destes locais. Estiveram na padaria comunitária de “Itapevi” que é subsidiada pelo governo e na “Benjamin Abrão”; padaria icónica do bairro de Higienópolis. Realizaram uma série de imagens em cada uma destas padarias, e por motivo estratégico do projeto escolheram quatro imagens do lugar. Na série da Benjamin Abraão, documentaram três momentos do dia: às 6:30 hs, às 19:30 hs e às 21:30 hs, imaginando suas comunidades nos diferentes horários. No primeiro horário, o das empregadas domésticas e homens de negócio, no segundo horário a de trabalhadores da região e, no último, a de moradores do bairro.

As imagens apresentadas pela dupla são geralmente formalizadas com as assinaturas dos participantes da fotografia. No canto direito, fica impresso o lugar e dia em que foram realizadas e ao lado esquerdo da imagem, o título do projeto - SHOPS.

Uma espécie de imagem-impossível foi descrita por eles ao tentar documentar os marreteiros, os vendedores dos trens. Ao final deste experimento os autores perceberam-se em perseguição aos marreteiros e quase sem material documental, em função dos constantes movimentos errantes dos mesmos nestes locais.

Apresentaram também a imagem que fizeram de um grupo mascarado de traficantes de drogas, que escolheu a Vila Madalena para a captação da imagem do grupo. Esta apresentava a idéia de expansão de um comércio, determinado pelos personagens fotografados, que escolheu o local.

A outra imagem apresentada foi a da sequência de um helicóptero parado e depois se decolando do heliporto da loja DASLU. Uma imagem-possível da documentação deste estabelecimento fechado.

Os clientes têm neste lugar, um tratamento exclusivo e um helicóptero à disposição.

Em seguida Cauê Alves, que foi o mediador da mesa nesta noite, comentou como os projetos de FrenchMottershead, identificam modos de agir da sociedade brasileira, elegendo o comércio como questão central. “Em alguns casos denuncia as contradições existentes entre nós”, disse ele. Questionou os autores quanto as contradições, o quanto soava a eles exótica tais contradições e como foi para eles lidar com as diferentes funções de mobilidade dos locais em que trabalharam.

FrenchMottershead respondeu a pergunta dizendo que tentaram abraçar os diferentes movimentos. E que isto não fora para eles uma idéia a priori, pois perceberam a grande quantidade de comércio não-fixo no Brasil, que não podiam imaginar.

Sobre a questão do exotismo, comentaram sua dificuldade em definir coisas, por ser este um primeiro contato com situações com as quais não estavam familiarizados em Londres. Disseram de sua consciência sobre o juízo de valor para uma pesquisa de duas semanas, apresentada naquela mesa em síntese de 30 minutos.

Cauê Alves concluiu a fala sobre os trabalhos de FrenchMottershead, aproximando sua estratégia de projeto à fluidez e não-fixidez nossas ali projetadas, a título de exemplo, o caso DASLU.

Em seguida o artista Fabiano Marques, apresentou um vídeo sobre o seu processo de residência, do que seria para ele o “Pensamento-Fabiano”. O artista escolheu desenvolver parte de seu trabalho no “Fabian Society” em Londres.

O vídeo consistia basicamente de derivas - imagens de lugares visitados durante as residências que fez na Escócia e Gasworks, de projetos que executou nos locais por onde esteve e o discurso do que seria o “Pensamento-Fabiano”, em voz off. O autor deu chaves irônicas, como “contemporização e permeação”, desconstruindo a própria fala o tempo todo, não chegando a fim algum. Um dos episódios narrados por ele é por exemplo, uma conversa que teve com um professor Marxista, da qual não conclui ou extraiu nada. O vídeo é quase que a documentação de sua própria itinerância sobre os locais da arte e cidades em que esteve. Nele tece também paralelos e relações com diversos lugares; o que estaria acontecendo neles em correspondência com o Brasil.

Segundo Marques, em certo momento da residência, recebe a informação de amigos do Brasil, de que um balão teria caído no CCSP, causando um incêndio na biblioteca da instituição. Um dos projetos apresentados pelo artista no CCSP para a residência relaciona-se a este fato - um objeto em grande escala, construído utilizando duas estruturas da entrada para as bibliotecas; um híbrido de foguete e balão realizado em papel de seda, material utilizado pelos balonistas.

O autor conclui o vídeo dizendo que seu plano era fazer um documentário mas que “o discurso é o mesmo e a acomodação é a mesma e se a coisa está deste jeito, é por causa do Pensamento-Fabiano”.

A última artista da mesa a expor o projeto foi Camila Sposati. A artista iniciou sua fala apresentando seus trabalhos anteriores com fumaça, e o da residência, com cristais - resultante de suas pesquisa sobre Entropia. Neste projeto de quatro meses de residência foi descartada a primeira ação, pela proibição ao uso de fumaça e explosivos em Londres.

Sposati trabalhou em colaboração com o Arts Catalyst – the science and art agency, sendo residente na University College of London no Departamento de Química sob orientação do Dr. Andrea Sella. Para tanto trabalhou meio período no estudio e meio período na universidade. Sella teria ajudado com a bibliografia, pesquisa prática e teórica sobre Entropia; termo este utilizado pelo artista Robert Smithson, como também na Economia e na Comunicação.

A artista durante sua apresentação, falou das diferenças das formas geradas pela fumaça nos primeiros projetos de 2002 intitulado SMOKE (resultantes de formas confusas), e os de 2006 intitulados CRISTAL (que apresentam-se como formas ordenadas).

Como parte de suas pesquisas, apresentou um vídeo - uma entrevista com Sella, o químico colaborador, que explica um pouco sobre o conceito de Entropia. Sella fala de cristais que fazem visíveis partículas que se movem livremente, aleatoriamente. Um sistema, em que a mínima energia realiza algo.

A autora apresentou também imagens de laboratório, iguais ao de uma “pesquisa científica”, contendo até mesmo legendas que indicavam o local de sua realização: Tunner UCL.

No laboratório trabalhou com solução saturada de sal, mais especificamente, com sete a nove tipos de sais, sob a menor temperatura possível para dissolvê-los. Cada sal implicou na concepção de diferentes formações. Sendo parte deste projeto a Cristalografia ou estudo do crescimento da forma do cristal, sua nucleação. Neste projeto Sposati trabalha no campo da Arte informada pelo campo da Química.

Numa animação realizada com o artista Gabriel Acevedo, foi possível a visualização/ simulação de como estes cristais se comportam, podendo haver controle da cor e formato dos mesmos, como por exemplo o piramidal.

Para a exposição no CCSP, Sposati apresentou fotografias destes cristais que criou em laboratório, impressas em papel de algodão e um objeto: um retro-projetor ao chão contendo fileiras de cristais de cores diversas protegidos por uma caixa de vidro; sendo os cristais projetados, a imagem reflexiva de sua luz e cor num painel ou parede.

Cauê Alves reiniciou a mediação perguntando a Fabiano Marques, como o artista via o vídeo apresentado ali e os trabalhos do CCSP.

Fabiano Marques falou das relações que criou entre os mísseis, fatos jornalísticos da Inglaterra, e os fatos do incêndio no CCSP. Comentou que quando esteve no CCSP para produzir o trabalho prestou atenção nas rampas, no espaço físico onde instalou seu trabalho. Pensou em como poderia fazer a transição de fatos e elementos de um local para outro.

Cauê Alves falou de seu interesse pelo projeto de Camila Sposati, do que a artista produziu em Londres a partir de pesquisas em outras áreas de conhecimento. Perguntou para a artista, se interessava mais à ela a entropia ou a geometria dos cristais.

Camila Sposati respondeu que se interessava pelas duas questões. A entropia segundo a artista, diz respeito também a coisas em equilíbrio.

A artista e diretora da divisão de curadoria do CCSP, Carla Zaccagnini, retomou a fala de Cauê Alves sobre o exotismo como lugar de conforto; comentando também o quanto o olhar-do-outro pode revelar de maneira diversa um mesmo lugar.

Zaccagnini apontou que aspectos das falas de Fabiano Marques e Camila Sposati faziam alusão à guerra. Em seguida questionou os artistas ingleses sobre o que achavam destes olhares e falas apresentados pelos brasileiros sobre a Inglaterra neste projeto.

FrenchMottershead respondeu que apreciar o contexto da residência não nos colocava diante do real. Que aquilo era o final de um aspecto, um processo. O artista, acredita que a experiência vivida pelos outros artistas nas residências era não-familiar à Inglaterra. Ficou, por exemplo, surpreso com a escolha de Fabiano Marques pelo Fabian Society; que na Inglaterra é uma instituição muito antiquada.

Segundo o artista, a dupla não pensou na guerra, mesmo sendo ela uma preocupação cotidiana, mas na estranheza - dado o voyerismo feito um à cultura do outro.

FrenchMottershead perguntou aos artistas brasileiros sobre o sentido prático e das coisas não-familiares.

Fabiano Marques comentou que seu olhar sobre a Inglaterra implicou numa crítica e numa auto-crítica; que lhe permitiu criar uma tensão que pretendia no trabalho. Sobre a questão prática, o artista falou das necessidades de “planejamento das coisas”, que no Brasil segundo ele não temos. Comentou esta falta de planejamento como a “essência” do seu trabalho; pois não sabia mais em que medida tratava-se do próprio projeto, de seu olhar sobre as coisas, ou sobre sua vida.

Camila Sposati apontou haver coisas mais práticas na Inglaterra e coisas mais práticas aqui no Brasil. Exemplificou, contando o fato de não se poder utilizar o éter aqui no Brasil, elemento de suas pesquisas; de não se poder sequer transportá-lo, por ser crime inafiançável.

FrenchMottershead disse ter sido o ônibus, o seu maior problema prático; que a “Avenida Consolação deveria ser retirada”.

Cauê Alves falou com relação ao projeto de FrenchMottershead - de sua percepção aguda da cidade. A questão da fluidez como parte do mundo contemporâneo, de como a modernidade líquida não aconteceu entre nós.

Em seguida apontou que o trabalho de Camila Sposati tinha algo de valioso, que apesar do mínimo esforço, dado pelo conceito de entropia, existia ali uma valoração, um valor econômico. Perguntou a artista sobre esta relação entre valor econômico e entropia.

Camila Sposati respondeu explicando o que é o cristal sintético de laboratório. Ao contrário do que se pensa, é o mais puro e mais “natural”. Para a artista o trabalho pensa ou faz alusão `a liberdade de cada um criar seu próprio valor econômico, seu “cristal sintético”; quer seja em laboratório ou em casa. Terminou sua fala, considerando a real dificuldade de se comprar estas substâncias químicas, havendo a necessidade de mediação de uma instituição.

Ao final Roberta Mahfuz gerente do programa fez os agredecimentos pelo British Concil, e anunciou a abertura do edital para este ano do Artists Link.

Concluindo este relato crítico, penso que os projetos apresentados revelaram a articulação das instâncias de discurso e projeto nas falas e em sua formalização em “objetos de toda ordem” na exposição do CCSP.


Resta pensar o quanto as práticas artísticas contemporâneas em geral dependem da “transparência” do seu conteúdo discursivo e projetual. De qualquer modo, a desarticulação entre as formas expositivas e os seus conteúdos torna a formalização insuficiente.

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