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Painel de Discussão 3

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CIMAM 2005 Annual Conference
“Museums: Intersections in a Global Scene”



A última sessão de painéis do CIMAM 2005 foi composta por Gabriel Perez Barreiro, curador de arte latino-americana do Blanton Museum of Art, da Universidade do Texas, em Austin;  Ariel Jimenez, curador da coleção Patrícia Phelps de Cisneros, Caracas, Venezuela; Virginia Pérez-Rattón, artista, curadora e agente cultural, diretora-fundadora de TEOR/éTica, um projeto de cunho artístico, teórico e político que envolve diversas ações na América Central e Caribe; e  Ana Longoni, professora de História da Arte da Universidade de Buenos Aires, Argentina, com a mediação de Moacir dos Anjos, diretor do MAM, Recife, Pernambuco, Brasil.

Partindo das premissas apresentadas por Walter Mignolo na conferência “Museus no Horizonte Colonial da Modernidade”, os quatro palestrantes discorreram sobre as especificidades das questões artísticas, curatoriais e museológicas no contexto latino-americano, enfatizando a diversidade e complexidade desse contexto.

Gabriel Perez Barreiro fez a primeira comunicação, que discutiu a problemática da arte latino-americana no contexto norte-americano, apresentando uma proposta de geografia cultural para a abordagem da questão. Perez Barreiro é curador de arte latino-americana do maior museu universitário dos Estados Unidos, o Blanton Museum of Art, sediado na Universidade do Texas, Austin, que tem a maior biblioteca latinoamericanista (a Benson Library) e um dos mais importantes programas de estudos latino-americanos nos EUA (LLILAS). O curador iniciou suas colocações retomando a discussão proposta por Mignolo sobre a relação entre modernidade e colonialismo. Parafraseando a pergunta do crítico cultural britânico Raymond Williams - quando foi o modernismo? -, Barreiro trouxe para o debate a questão – onde foi o modernismo? –  no intuito de pensar as geografias da arte moderna e contemporânea e como o museu pode responder às suas delicadas implicações. Os trabalhos do artista afro-americano Fred Wilson, discutidos por Mignolo, instigaram-no a pensar a cultura latina em relação à necessidade de desconstruir as relações de poder coloniais, mas nessa perspectiva, Barreiro também considerou importante refletir sobre como a cultura se relaciona com a origem geográfica e étnica.

Para Barreiro, qualquer discussão sobre contexto exige que se defina de que contexto se fala e sobre qual contexto se vai falar. O seu ponto de vista, de um curador de arte latino-americana de um museu universitário na capital do Texas, uma rica cidade, central em alguns aspectos (econômicos) e periférica em outros (culturais e turísticos), certamente é diferente daquele visto a partir de Nova York, Paris, Caracas ou São Paulo. Ao contrário de outras iniciativas em museus que precisam legitimar a existência da América Latina em suas coleções, a arte latino-americana no acervo do Blanton Museum tem um lugar de destaque desde sua fundação, em 1964, contemplando não somente uma coleção, mas fazendo parte do primeiro programa de Estudos em Arte Latino-Americana em uma universidade dos EUA e mantendo o primeiro posto curatorial permanente do país, desde 1989. Esta coleção tem hoje mais de duas mil obras, é uma das maiores do país e certamente a mais conhecida. Do ponto de vista, portanto, do Blanton Museum, a arte latino-americana não é algo a ser descoberto ou redescoberto, é uma presença intensa e contínua no cenário artístico dos EUA.

Entretanto, nos EUA, subsiste o que Barreiro chamou de “síndrome de Colombo”, a pretensa redescoberta, por cada geração, da América Latina. Essa postura é visível nos exemplos trazidos por ele de duas edições de importantes revistas de arte norte-americanas, a Art News e a Art in America, ambas de junho de 2003, que noticiavam a “redescoberta” da América Latina pelo público e instituições norte-americanos. Dela surgem as estereotipias tão conhecidas de todos, mas que nem pessoas que deveriam, por profissão, desconfiar delas, escapam. Barreiro chamou a atenção para o título de um recente artigo do crítico do New York Times, Holland Cotter, que comentava a inclusão de trabalhos de artistas latino-americanos na coleção permanente do MoMA-NY classificando-a como a chegada da arte Não-Ocidental. Tal postura fez Barreiro perguntar-se se o crítico entendia como arte não-ocidental o trabalho, por exemplo, de Torres Garcia, expoente da arte construtiva que manteve estreitas relações com o holandês Piet Mondrian em Paris, um dos grandes representantes da assim chamada arte “ocidental”.

De maneira geral, a inserção da arte latino-americana no contexto institucional norte-americano se dá através de duas posições contrastantes. A primeira enfatiza a diferença e identidade da arte latino-americana, como um posicionamento político que tem raízes nos movimentos civis dos anos 1960. Essa perspectiva, que defende o desejo por visibilidade e auto-representação, levou ao estabelecimento de organizações culturais dedicadas a registrar e interpretar a experiência latina nos Estados Unidos, como o Museu Del Barrio e a Galeria de La Raza. Nos anos 1980 a política das minorias se torna o discurso predominante e a arte latino-americana ou “latino” (i.e. de imigrantes latino-americanos vivendo nos EUA) acaba se tornando sinônimo da arte do “outro”.

Na visão de Barreiro, o que essa perspectiva acarretou foi uma falsa idéia de que existe uma cultura latina única, como se todos os latino-americanos compartilhassem a mesma origem. Alguns artistas latino-americanos começaram a questionar o seu estatuto de minoria, segundo os parâmetros políticos norte-americanos, quando não se consideravam como tal em seus respectivos países. De outro lado, os artistas americanos de origem latina expressavam o seu descontentamento com as instituições que colocavam sua luta política por visibilidade lado a lado de artistas latino-americanos que não compartilhavam da mesma experiência. Um exemplo clássico analisado por Barreiro é a predominância de tópicos como “fronteira”, “hibridismo cultural” ou “bilingüismo” nas discussões sobre arte latino-americana nos EUA, difundindo a imagem de que todo latino-americano vive “entre fronteiras”.

A segunda posição reivindica exatamente o contrário e se exemplifica na atitude de Gabriel Orozco (México, 1962) e de Felix González Torres (Cuba, 1957-1996), artistas que recusaram a categoria arte latina, enfatizando a natureza global de sua produção. Barreiro lembrou que o circuito comercial das artes, incluindo as feiras e bienais, respondeu quase imediatamente a essa reivindicação, e hoje é possível encontrar artistas de todos os cantos do mundo onde haja uma bienal internacional. Essa difusão nem sempre vem acompanhada de qualidade ou compreensão dos trabalhos, por esse motivo Barreiro enfatiza a importância de se pensar os diversos contextos de produção artística sem fazer das diferenças elementos intransigentes ou instrumentalizadores.

No caso do Blanton Museum, com a abertura da nova sede em abril de 2006, a questão colocada para os curadores de arte americana e latino-americana era como apresentar suas coleções escapando de ambas as armadilhas. Ambos consideraram a separação arte latino-americana e americana insustentável como um princípio organizador da coleção e optaram por um rearranjo da coleção que dissolvesse essa dicotomia sem perder de vista os contextos de produção dos trabalhos. A opção deles foi juntar as duas coleções e organizá-las de maneira cronológica, em uma seqüência que vai da arte moderna à contemporânea, enfatizando os contatos entre os artistas, os diálogos e aquilo que Barreiro chamou de “geografia da produção artística”, isto é, a discussão do contexto de produção das obras. A mobilidade, para Barreiro, é quase uma norma entre os artistas latino-americanos modernos e contemporâneos, pois poucos nasceram, viveram e morreram no mesmo lugar. Para o curador, é necessário que o museu reflita e dê instrumentos para a percepção desses aspectos sem dissolver a questão do contexto em um jogo de construção de semelhanças formais.

A proposta de Gabriel Perez Barreiro para o Blanton Museum foi a de reorganizar os sistemas de classificação das obras, incluindo nas fichas catalográficas informações relativas às cidades nas quais viveram os artistas e em quais períodos. Esse passo prático permite, na visão de Barreiro, redefinição dos termos da discussão sobre a chamada arte latino-americana e permite um entendimento mais acurado dos contextos específicos de produção dos artistas, permitindo a compreensão dos trabalhos e das trajetórias em termos de uma geografia cultural.

Ariel Jimenez, o segundo palestrante da tarde, fez uma intervenção na qual apresentou seu trabalho como curador da Coleção Patrícia Phelps Cisneros, de Caracas, Venezuela, trazendo três experiências, duas nos EUA e uma no Brasil, para refletir sobre as estratégias curatoriais específicas de uma coleção e sua inserção em contextos diversos.

A coleção Cisneros é uma das mais importantes coleções privadas de arte latino-americana nos EUA, sobretudo moderna e contemporânea, com um considerável acervo de arte concreta e neoconcreta brasileira, um núcleo expressivo de arte contemporânea latino-americana, obras modernas e contemporâneas produzidas fora da América Latina mas que funcionam como uma espécie de universo referencial para a coleção, além de um núcleo denominado Paisagem das Américas, com obras de artistas europeus que visitaram o continente, do século XVII ao início do século XX. A coleção conta também com um importante núcleo etnográfico e de arte colonial.

A coleção, que expõe seu acervo em diversos museus na Europa e América e não tem sede expositiva própria, foi feita a partir da vontade e dos critérios pessoais de uma colecionadora preocupada em estabelecer uma estratégia legitimadora para a arte latino-americana nos EUA: proporcionar a visão de uma “outra” América Latina, distante dos estigmas de território exótico e enfatizar a necessidade de autoconhecimento do continente, desativando os comportamentos pós-coloniais e preconceitos entre os diversos povos latino-americanos.

Jimenez comentou que o seu principal esforço como curador era o de tentar estabelecer novas relações de força entre os trabalhos da coleção e os espaços de exposição, fazendo dos museus que a recebem (pensados não só como local, mas como instituições de poder), um espaço de encontro, de diálogo, colocando e jogo a estratégia do colecionador, no caso de Cisneros, de apresentar uma outra América Latina, e as expectativas dos curadores de cada instituição ou exposição.

A primeira exposição da coleção foi feita no Blanton Museum da Universidade de Austin, Texas, da qual se mostrou exclusivamente o núcleo de obras da abstração geométrica e cinética venezuelana, quase sem a participação dos curadores da coleção.

A segunda experiência comentada por Jimenez foi a exposição realizada no Fogg Museum da Universidade de Harvard, em 2001. O diretor dos museus de Harvard e curador da exposição, James Cuno, selecionou algumas obras singulares e representativas, segundo o seu critério, do acervo, sem procurar considerar a trajetória dos artistas, a posição desses trabalhos particulares no conjunto da obra do artista. Essa situação fazia os curadores da coleção, incluindo Ariel Jimenez, refletir sobre o que significava essa seleção de obras particulares tiradas de seu contexto e de seus processos particulares. A posição da curadoria de Harvard era a de tratar a obra como um mundo autônomo de sentido, o que limitava a percepção dos motivos próprios da coleção, de sua constituição e objetivos, além de não contemplar a compreensão do desenvolvimento dos artistas, suas heranças e os diversos cruzamentos entre eles e suas visões.

A terceira experiência foi a exposição no MAM-São Paulo, que impunha a difícil tarefa para um curador estrangeiro de mostrar uma coleção de arte brasileira no Brasil. Boa parte da coleção brasileira dentro da coleção Cisneros havia sido constituída com a consultoria de Paulo Herkenhoff, e mostrar esta coleção, no Brasil, como obra de uma colecionadora , através de sua perspectiva e a do curador brasileiro, requeria, antes de tudo, para Jimenez, refletir sobre uma estratégia de inserção e obrigava a uma infinidade de considerações. O trabalho de Herkenhoff havia feito Patty Cisneros refletir historicamente a coleção, pois sua forma de trabalho incluía seleções que buscavam articular uma leitura histórica das obras, portanto, essa dimensão deveria estar explicitada. Mas, também, era necessário enfatizar como esta coleção apresentava um olhar a partir do cenário venezuelano para a arte brasileira.

A exposição do MAM-SP refletiu, segundo Jimenez, uma estratégia de inserção das obras no Brasil, em São Paulo, assumindo que as obras são percebidas de modo diferente em contextos diferentes. Comentando imagens das plantas da montagem da exposição, Jimenez afirmou ter tomado a linha exterior do parque do Ibirapuera (local do MAM) como diretriz para o eixo da montagem, aludindo a uma metáfora do fora para dentro, explicitando como a coleção era pensada ao inserir-se no museu.

O eixo central da montagem trazia o peso do neoconcretismo na coleção, os eixos perpendiculares e diagonais apresentavam uma leitura histórica, ou mais precisamente arqueológica, pois partiam do contemporâneo até a arte dos anos 1940 e 1950. Paralelamente e não visíveis a partir da entrada estavam os artistas europeus, colocando figuras como Mondrian não como ponto de partida, o que imporia uma leitura equivocada, mas como contraponto. Além disso, a presença de artistas de outras partes da América Latina, Peru, Chile, Colômbia, entre outros, levava à reflexão de que muitas vezes, na visão de Jimenez, desconsideramos a produção de nossos vizinhos, porque ainda guardamos o preconceito colonial de nos comparar com a Europa e desvincularmos de nossos pares.

Assim, Jimenez crê que o trabalho de coleções de arte latino-americana, como a Cisneros, deve levar a questionar as condutas eurocêntricas que ainda se escondem em nossas ações, levando a uma reflexão sobre os espaços de sentido que se criam a partir de uma coleção, suas necessidades de legitimação, seus parti pris, deixando entrever as diversas tradições regionais e suas intersecções.

A terceira participante da sessão de comunicações, Virginia Perez-Ratton, trouxe uma ampla reflexão sobre a realidade do sistema de museus na América Central e a sua relação com os problemas legados do passado colonial e do que chamou de uma espécie de colonialismo no presente, relacionado ao impacto da influência dos EUA no continente. Primeiramente, num exercício de ironia necessária, a artista situou os presentes no encontro do CIMAM sobre a localização de seu país, a Costa Rica, e sobre os demais paises da América Central e Caribe, apresentando e discutindo a imagem de um mapa da região. Perez-Ratton comentou a atitude que chamou “autocolonizadora” dos países latino-americanos, com relação aos EUA, e sobretudo da América Central, considerada o “jardim dos fundos” desse país, situação essa que se desdobra a partir das peculiaridades de seu processo de descolonização e “recolonização” pelos EUA. A região, que não foi palco de movimentos de libertação nacional como os da América do Sul, desde a metade do século XIX tornou-se uma região virtualmente ocupada pelos Estados Unidos, com suas empresas e ações militares, fato que instigou os vários movimentos de guerrilha que explodiram em confronto armado até o final dos anos 80. Apesar da Costa Rica ter escapado da guerra civil, pelas reformas políticas e sociais implementadas desde o final dos anos 1940, o país foi afetado em suas relações comerciais na região e pelo massivo influxo de refugiados (cerca de 10% da população) coincidindo com uma grande crise econômica no período.

Ancorada nesse sentimento e perspectiva, a artista trouxe os resultados de sua experiência em ações artísticas públicas e privadas no contexto centro-americano, na confrontação deste background com as estruturas da ação cultural internacional, perante a crescente radicalização do processo de globalização em direção a um controle mais rígido, ao aumento da censura e diante da onda conservadora em relação à produção cultural, que tem seus aspectos locais na América Central, mas é influenciada pelo novo autoritarismo no cenário internacional. Perez Ratton propôs que nos interroguemos sobre maneiras de lidar com essa situação, sugerindo que tentemos tomar a posição de “jardim dos fundos” como espaço de reflexão.

O processo de paz na América Central, iniciado em 1989, implicou diferentes relações entre a direita e esquerda, os exércitos, as milícias paramilitares, os contra–revolucionários e as guerrilhas em cada país. As transformações iniciadas criaram novas expectativas, não só econômicas e sociais, mas também com relação às redes de produção cultural. A primeira tarefa, segundo Perez-Ratton era colocar-se de pé. Evitar o passado recente sem esquecer sua memória de desumanidades, violência e horror. Recriar uma imagem e um lugar. Ações de colaboração regional começaram a tomar forma, procurando direcionar os esforços para diversos aspectos: o problema da “invisibilidade” da região, reagindo a estereótipos veiculados pelas instâncias oficiais e acabar com as conotações românticas da terra das guerrilhas másculas de paisagem vulcânica, das imagens exóticas de florestas intocadas, animais selvagens e piña colada, e corrigir a imagem menos atraente de um lugar no qual vive uma massa de indígenas sem cultura incapazes de decisões políticas maduras.

A região ainda está no processo de se restabelecer e construir a sua infra-estrutura cultural, com a consciência, segundo Ratton, de que se vive não só em diferentes espaços, mas em diferentes temporalidades. Ratton afirmou que a região precisa de museus e de museus fortes, não de instituições fracas que não proporcionem as condições adequadas para a apresentação das práticas artísticas e que não tenham poder de mudar a situação, sobretudo de como os centro-americanos representam a si próprios. Qualquer instituição, na visão de Ratton, tem algum tipo de poder e a questão central para a artista é o que se fará com ele. Como se utilizar desse poder para mobilizar uma região em direção a uma noção de lugar, quando existe um sentimento generalizado de não-lugar, não pertencimento.

A artista seguiu à apresentação de alguns dos quinze museus existentes na região e relatou que os museus na América Central estão em situação precária, há uma dificuldade generalizada para expor, armazenar, documentar as mais diversas formas de produção moderna e contemporânea. Só há recursos para museus étnicos e etnográficos, pois é lá para onde vão os turistas. Tal é a situação do Museu de Arte Moderna da Guatemala, localizado em um salão de baile construído pelo ditador Ubico nos anos 1930, da Galeria Nacional de Honduras, cuja coleção é emprestada dos artistas e de suas famílias e do MARTE, Museu de Arte de Arte Moderna de EL Salvador, o único museu da região construído especificamente para a sua função, criado pela iniciativa de industriais da região, cuja coleção é um empréstimo da Fundação Julia Diaz e cujas exposições temporárias raramente são propostas pela equipe interna. Na Nicarágua, existe a coleção de Ortiz Gurdian, que acumula a função de colecionador, curador e diretor de seu espaço expositivo, e o Museu de Arte Contemporânea Julio Cortazar. Em San José, existe apenas o Museu de Arte Contemporânea e Design. No Panamá, o museu de Arte Contemporânea, cujo presidente é também um galerista.

Na Costa Rica existe o Museu de Arte Contemporânea, criado em 1994, o único, segundo Perez-Ratton, a funcionar realmente como museu, com caráter regional e que expõe a produção centro-americana juntamente com a produção internacional –européia, americana, e latino-americana. Ele se tornou uma referência regional e criou um centro em direção do qual os artistas e a informação convergem, tornando-se um agente disseminador.

O projeto Teor/Ética, dirigido pela artista, pretende, segundo a mesma, seguir nessa direção, tendo construído, em doze anos de trabalho, uma forte rede regional, contribuindo para a construção do que Perez-Ratton denominou um “lugar”, um espaço onde trabalhar, um circuito local, onde a América Central seja realmente o centro, o seu centro, um lugar de reconhecimento e de legitimação.

Na quarta e última apresentação, a historiadora da arte argentina Ana Longoni traçou uma análise da relação entre vanguarda e instituição dentro do contexto portenho, apresentando o debate atual sobre a arte ativista na capital argentina.

Sua comunicação relembrou as históricas exaltações dos futuristas italianos incitando a que se queimassem os museus, consideradas emblemáticas de uma atitude das vanguardas históricas como antagônicas ou oponentes das instituições artísticas, algo que, segundo o comentário da historiadora, é definidor do conceito de vanguarda proposto pelo crítico alemão Peter Bürger em sua Teoria da Vanguarda (1973).

Entretanto, em outros contextos, as vanguardas construíram vínculos estreitos com as instituições, chegando até a criá-las, sobretudo quando eram incipientes, na América Latina e mesmo na Rússia revolucionária. Segundo a leitura de Bürger, entretanto, as neovanguardas dos anos 1960 não seriam autênticas, pois teriam sido fagocitadas pelas instituições artísticas e seus gestos anti-artísticos transformados rapidamente em Arte, neutralizado o gesto iconoclasta que as impulsionava tornando-se desvio permitido.

Longoni partiu desse quadro mais ou menos conhecido de todos para colocar algumas perguntas a respeito da tensão entre vanguarda e museu em torno dos movimentos atuais aos quais poderíamos chamar de pós-vanguardistas. A historiadora propôs uma definição alternativa de vanguarda que pense momentos em que se produz uma ampliação dos limites do que pode ser pensado como arte, incluindo aí a sua explosão ou extravasamento.

A historiadora lembrou o exemplo de Tucumán Arde (processo artístico das vanguardas argentinas dos anos 60, apresentado na forma de diversas ações de cunho político-artístico, entre elas uma mostra na Confederação Geral do Trabalho dos Argentinos com conteúdo político de denúncia da grave situação em que se vivia na província de Tucumán nesse período), que pode ser confundido com um ato político, por sê-lo, mas também uma experiência na qual a arte entra em relação com a sociedade, a política e a vida cotidiana, e não em termos de exterioridade ou autonomia, um discurso acerca de, mas desde suas perspectivas e pontos de reconecção.

O contexto cultural e artístico argentino apresentou para a pesquisadora uma outra via de acesso à questão da relação entre artistas, obras e circuito institucional que não pode ser entendido através do esquema vanguarda/ruptura, neovanguardas/reintegração ao museu. Também sustentou que já não pode mais afirmar como ateriormente, que houve um primeiro período cínico no qual a relação entre a vanguarda e o circuito institucional modernizador foi pacífica, aceitada e colaborativa, seguido de um período heróico, iniciado em 1968, que condensa a ruptura abrupta e definitiva da vanguarda com a instituição. O que une, na visão sustentada hoje por Longoni, vanguardas e instituições artísticas é uma relação mutável e contraditória. O museu, em sua perspectiva não é um mero receptáculo, mas um nexo de significado, um espaço de discussão. O que caracteriza a relação vanguarda/instituição para a pesquisadora é, muitas vezes, o descompasso, o desencontro entre os aspectos mais radicais das vanguardas e os impulsos modernizadores da instituição.

A autora finalizou com a análise de recentes episódios de colaboração entre coletivos artísticos e movimentos sociais e de práticas que surgiram na última década realizadas por movimentos não necessariamente artísticos mas que utilizam o repertório legado pelas vanguardas e neovanguardas (tal como o movimento dos filhos de desaparecidos). Elas têm sido motivo de atenção de importantes iniciativas curatoriais e instituicionais, que expressam a vontade do museu de deixar de ser somente um receptáculo ou produtor de exposições para assumir-se como uma forma de articulação de experiências passadas e presentes, como espaço de confluência para grupos de artistas e ativistas. No caso específico argentino, entretanto, coexistem iniciativas que reivindicam manterem-se fora do campo artístico, mesmo ao interagirem com ele.

Os últimos exemplos comentados por Longoni, para os quais apresentou algumas imagens, relacionam-se com o episódio da morte de dois “piqueteros”(manifestação política que pressupõe a interrupção de vias públicas na cidade) em 26 de junho de 2002 na ponte Pueyrredón, um dos principais acessos da cidade de Buenos Aires. Três anos após o assassinato, algumas manifestações artísticas lembraram o ocorrido quando do julgamento dos responsáveis. Muitos coletivos participaram de uma convocação do movimento “piquetero” para uma nova interrupção da ponte, um acampamento de 38 dias. O GAC (Grupo de Arte Callejero) levou ao acampamento os seus alvos móveis, recurso gráfico com silhueta de homens, mulheres e crianças, que continham um espaço em branco para preencher o nome de um alvo, explícita convocação à participação. Esses alvos já haviam sido utilizados desde 2004 em diversos contextos. No acampamento, foram usados para escrachar os responsáveis políticos do massacre, invertendo o sentido de vitimização mais comum atribuído aos alvos. Outro jogo se produziu com uma bola feita de cartuchos de balas pelo grupo Ade!, servindo a partidas de futebol e que acompanhou toda as marchas dos piqueteros.

Longoni comentou em seguida a exposição realizada no Palais de Glace, um espaço tradicional de artes em BA, sede do salão de Artes Plásticas do país, entre setembro de outubro de 2005 que fez uma homenagem aos piqueteiros assassinados, Kosteki e Sandillán. A mostra retomava a idéia dos anos 1970, associada sobretudo a Che Guevara, de que a maior obra de arte de um guerrilheiro é a revolução. Kosteki e Santillán foram apresentados como artistas, foram exibidos alguns de seus desenhos, esboços, apontamentos e pinturas, algo que de certa forma inverte a reivindicação da neovanguarda dos anos 1970 (“a vida de Che Guevara é uma obra de arte maior do que qualquer papo-furado pendurado em qualquer museu do mundo” dizia a vanguarda de Rosário nos anos 1968). Agora, ironicamente, na visão de Ana Longoni, os mártires piqueteiros são considerados artistas pelos seus desenhos. A passagem da ação de cunho artístico-político para dentro do museu muitas vezes converte aquilo que era intervenção direta em documento, acarretando problemas para os quais se deve ainda uma reflexão e que estão na ordem do dia dos diversos coletivos artísticos argentinos. Para Longoni, reconhecer que existe um “dentro” e um “fora” da arte não implica sujeitar-se a esses limites, mas justamente colocá-los em questão.

(por Fernanda Pitta)


 

 

Discussão pública e conclusões

Platéia

Há muita reação contra instituições. Gostaria que comentasse a situação.

Ana Longoni

A exibição no Palais de Glace foi uma mudança de instituição. O grupo de arte-ativistas teve uma crise interna depois da Bienal de Veneza. Era um grupo que nasceu na rua e foi direto para Veneza. Houve um debate interno muito acalorado.

Platéia

Também temos no Brasil arte instrumentalizada pelo curador, ou instituições com muito dinheiro mas sem curador, temos problemas de conservação do acervo, colecionadores com problemas de mentalidade restrita.

Temos a cena ativista também. São Paulo tem movimento de coletivos desde 2003, ligados aos sem teto, junto com as organizações de moradia. Reúne 200 artistas com atividades políticas e sociais.

Virginia Pérez-Rattón

Quero comentar ainda que, na América Central, apesar da precariedade que apontei, conseguimos fazer coisas, com apoio também do sistema privado independente. Os elos têm sido fortalecidos. Temos Bienais nacionais, temos a Bienal Centro-Americana, realizada cada vez em um país diferente. As coisas têm mudado. Paramos de reclamar e trabalhamos com o que temos.

Moacir dos Anjos

Devido à ausência de debate, vou fazer ainda umas colocações. É importante levar em conta o contexto cultural e social pelo qual o museu pode operar. A capacidade de resposta das instituições em relação às demandas variam conforme o local do Brasil.

Quase nenhum museu brasileiro tem uma coleção que consegue contar a história da arte brasileira. Exposições temporárias aqui, formam público, permitem contato com nossa história. Não há nenhum problema em museus brasileiros trabalharem com exposições de fora. Isso não significa que os museus não devam se fragilizar, no sentido dado por Suely Rolnik, se abrir para o outro, questionar as narrativas de suas próprias coleções. O museu deve ser robusto na organização institucional e, ao mesmo tempo frágil, aberto ao outro. O que define a forma concreta das instituições é entender o contexto, e não formas ou modelos universais.

(por Beatriz Scigliano Carneiro)