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Panel discussion 21/11/05

ApresentaçãoProgramaçãoTextos e RelatosVídeos da Conferência


CIMAM 2005 Annual Conference
“Museums: Intersections in a Global Scene”


Nessa sessão, as conferências anteriores são comentadas por Ursula Biemann, Suely Rolnik e Brian Holmes, com moderação de Ivo Mesquita.

 

Ursula Biemann efetua seus comentários apresentando, além de palavras, o seu próprio trabalho em vídeo: Arquivos do Mar Negro (Black Sea Files). Os trechos do vídeo ajudam a esclarecer a noção de micropolítica da imagem, assunto tratado por Mauricio Lazzarato. Úrsula trabalhou em projetos relativos à caracterização de uma geografia transcultural com Ângela Melitopoulos, autora citada como caso da construção de dispositivos micropoliticos pela atividade artística. Ambas trabalham com regimes de fronteiras, captando fluxos, raramente evidentes, de pessoas, de sensações, experiências culturais e de estilos de vida,  acompanhando as rotas de bens econômicos muito preciosos. Neste trabalho — um conjunto de vídeos, totalizando 10 arquivos, realizados com auxilio de textos, recortes da mídia, pesquisa em arquivos e gravações diretas —, constrói-se uma geografia humana fragmentada em torno da questão do petróleo, mostrando o fluxo de recursos econômicos, imagens e capital, e não apenas conflito entre petróleo, uso local da terra e poder.

Ursula procura revelar uma geografia do fluxo do petróleo, pouco divulgada pela mídia, referente aos contratos do Mar Cáspio de onde uma companhia transnacional extrai o óleo cru das reservas fósseis para levá-lo ao resto da Europa por um extenso oleoduto que atravessa três paises, saindo das reservas do Azerbajão, próximas ao porto de Baku, e seguindo pela Geórgia, até a costa mediterrânea da Turquia. Não se trata porém de um trabalho linear, pois busca mostrar a dimensão macropolitica dos grandes contratos realizados em escritórios e órgãos estatais enfatizando casos de embates micropoliticos tanto com a população que ocupa a rota escolhida quanto com a que sofre ou sofrerá efeitos indiretos do projeto.

Ao mostrar a materialidade do fluxo de um recurso energético e seus efeitos geográficos e políticos, pelo foco dos impactos visíveis na vida de seres humanos, registrados com muita dificuldade pelo trabalho artístico, a artista pretende contradizer a aparência mágica  dos deslocamentos  de população que vêm bater na União Européia, assustando os governos e enfrentados com duras medidas restritivas. As rotas abertas pelo transporte do petróleo e outras mercadorias, abertas por uma política geral da Europa de expansão para a Ásia estabelecida após o fim do comunismo,  passaram a ser usados para o tráfego de seres humanos, inclusive se reinventando o tráfico de mulheres, geralmente para prostituição. Um trecho do arquivo mostra duas prostitutas da Rússia e seus cafetões que tentavam entrar na União Européia, uma delas relatou que fôra operária têxtil em Moscou. A questão feminina consistiu em um dos fragmentos  da construção de sua geografia

Em um trecho do vídeo do Arquivo 2, Ursula aparece refletindo sobre seus procedimentos de coleta e seleção de imagens na busca do significado dos eventos que estava encontrando em seu percurso. A seqüência mostra sua oscilação entre um trabalho de artista e de um investigador secreto, quase de um espião, ou de um cientista, pois o acesso às informações sobre o oleoduto, inclusive seu traçado, era proibido. Além disso há um cuidado em não transformar a situação humana em espetáculo.

Em sua fala,  Ursula reconhece seu papel de artista ao lidar com esta situação, na medida em que seleciona e transcreve imagens em um trabalho, ao mesmo tempo em que se preocupa com a circulação e recepção deste pelos diversos públicos.  No entanto, afirma que este tipo de  vídeo-pesquisa não tem sido definido pelos parâmetros da História da Arte, ao mesmo tempo que se baseia em conceitos sobre direitos humanos, na metodologia de  investigação das ciências sociais. Seus trabalhos em vídeo buscam se infiltrar nos canais de onde surgiram os apoios mais importantes, sejam acadêmicos, sejam ativistas. O Museu de Arte acaba não sendo o ponto principal de exibição ou de suporte desta obra, mas vale pensar o papel que o museu pode desempenhar em trabalhos deste porte.

Suely Rolnik aponta que há uma inquietação comum nas conferências de Lazzarato e de Grasskamp: a relação arte e geopolítica, visto que ambos propuseram pensar tal relação a partir do eurocentrismo. No entanto, os caminhos deste pensamento se bifurcam: Grasskamp interroga a história do museu e Lazzarato interroga as políticas dos museus na contemporaneidade. A abordagem desta questão realiza-se pelo ângulo micropolítico, a saber, da produção de realidade subjetiva e objetiva, perspectiva esta que foca a dinâmica sensorial na relação com o outro. Assim se definem políticas de subjetivação e da própria criação.

Pesquisas  médicas com cegos mostraram que estes desviavam de objetos de uma sala mesmo sem enxergá-las. O olho apreendia o invisível, apreendia a presença viva do que compõe o ambiente, independente de suas formas,  é o olhar cego, ou olhar subjetivo. Estes e outros estudos sobre o sensorial apontaram  existência de duas potências dos órgãos dos sentidos em captar o mundo, associadas a camadas distintas do córtex cerebral:

1) percepção, pela qual apreendemos o mundo como forma, associada à cartografia da representação na qual o sentido do outro é previamente definido. Denomina-se aqui de macrosensorial esta potência objetivante.
2) sensação, pela qual o mundo é apreendido como campo de forças vivas que nos afetam. O mundo penetra no corpo e nos faz parte da sua textura, a subjetividade se funde no contexto.  O corpo todo tem capacidade de recepção do mundo, numa potência ‘cega’ aqui denominada microsensorial.

A presença viva, que sempre é percebida pelo corpo, pulsa como elemento estranho e gera desconforto e tensão pois contraria o mundo da representação no qual nos situamos habitualmente. Conforme o grau de acolhimento e sustentação do desconforto e tensão, praticamente inevitáveis, que se instauram pela percepção corporal do outro, conforme o grau de abertura ao outro, surgem diferentes políticas de produção de subjetividade e objetividade. Os tipos de micropolítica  se definem por diferentes políticas de se captar a presença do outro e se polarizam em dois campos:

1) a tensão macro-sensorial e micro-sensorial dispara a criação, onde exteriorizamos o elemento de estranhamento acarretado pela percepção do outro e o reintegramos  em um processo de subjetivação transformando-nos e ao ambiente num devir outro.
2) a atividade acima é recusada devido ao estranhamento ser intolerável e a atividade do sensível é macro-sensorial, na qual o outro aparece objetivado, mesmo que a imagem que apareça seja politicamente correta. Recusar a existência viva do outro é reduzi-lo à representação. Aqui entra o eurocentrismo, que, com sua política de  subjetivação escorada no macro-sensorial, afastou e afasta o outro, neutralizando suas forças vivas.  Também assim se bloqueiam as forças de criação.

Esta digressão mostra-se importante para os comentários a respeito das conferências. Retomando a fala de Grasskamp, a abordagem acerca da formação dos museus a partir dos Gabinetes de Curiosidades das cortes européias demonstra a neutralização da força viva dos colonizados ao transformar os objetos destes, que com certeza causavam estranheza e questionamento ao próprio modo de vida europeu, em mera forma a ser apreendida macro-sensorialmente.  

A  distribuição posterior destes objetos diversos em setores ligados à  ciência, deixando a ‘pura arte’ para um museu especifico, também corrobora esta micropolitica do tipo macro-sensorial.  O Museu de Arte acabou se tornando agente da globalização da cultura ao levar os objetos da História da Arte para todos os recantos possíveis, mas retirando delas o contexto das tensões que possibilitaram sua criação. Sem a problematização que as gerou, as obras de arte circulam como formas anêmicas.

Lazzarato partiu da Europa atual, focando, não o Museu mas o conflito entre uma União Européia universal e uma Europa de singularidades, na qual a arte pode ser um acontecimento pois surge dos conflitos e tensões provocados pela presença do outro.  Aqui há uma interrogação acerca das dinâmicas destas populações, com um olhar cego, com a abordagem micro-sensorial. Interessa a Lazzarato a vulnerabilidade ao outro, numa experiência conjunta que requer disponibilidade política e estética para incorporar o confronto e as tensões do encontro. A obra resultante é um Acontecimento, que desestabiliza as hierarquias e as representações das imagens midiáticas. O próprio filme ou vídeo é um dispositivo que porta imagens vivas, rompe assim com a identificação especular, do espelho eurocêntrico.
Como falar então de história da arte? Grasskamp perguntou se os museus de arte não repetem os Gabinetes de Curiosidades, e Lazzarato contrapõe a esta tendência de neutralizar objetos em formas anêmicas com uma cartografia vinda da exterioridade dos museus.

O que fazer com os museus? Destruí-los? Como foi aventado nos anos 60 no auge dos questionamentos às instituições? Mas isso seria manter a mesma lógica, contra ou a favor, sem romper com ela. Importante seria investigar a reificação que separa objetos do processo que os criou. As questões básicas que interessam para a vitalidade dos museus e a afirmação de uma micropolitica que se situe na tensão do encontro com o outro como deflagrador da própria criação podem ser assim resumidas: Como incluir a memória da arte de modo que a vitalidade lhe seja restituída e assim dialogue com o contemporâneo?  Como o Museu poderia ser um dispositivo de produzir acontecimentos?

Brian Holmes denomina sua fala de “Além dos mil globais”, fazendo uma referencia à palestra de Grasskamp quando este aludiu ao fato da arte ser um aspecto restrito e refinado da globalização e que, citando Tom Wolfe, haveria apenas cem artistas circulando pelo mundo.

Holmes se colocou, não entre os 100 artistas internacionais, mas entre mil pessoas que fazem do museu um local de experimentação de alternativas, um laboratório político e de políticas e que agora se sentem com maior visibilidade no horizonte museológico, apesar das dificuldades com os museus transnacionais.

Aponta que as conferências trouxeram dois grupos de idéias: Grasskamp desafiou a idéia de visão universal da arte carregada pela prática museológica do século XX quando associou o código de exotismo dos primeiros museus aos códigos da arte contemporânea.  Lazzarato indicou a possibilidade do museu ser suporte de uma arte que tem compromisso com o exterior da instituição museológica, principalmente ao empreender ou facilitar a ocorrência de  processos cooperativos de produção. O exemplo foi o projeto de Ângela, no qual se mostra que dispositivos experimentais podem transformar os ‘universalismos’.

As dificuldades porém existem e Holmes faz algumas associações irônicas para descrevê-las. Em primeiro lugar o modelo de  arte contemporânea se tornou um “bem” devido a uma economia de “turismo”. As cidades mundiais passaram a rivalizar entre si no sentido de atraírem turistas culturais e principalmente serem locais acolhedores, com equipamentos e instalações adequadas para atrair a  “nova classe super criativa”. Há uma competição pelo capital humano, que obviamente atende interesses não tão novos de serem polos dinâmicos da economia, da economia semiótica inclusive. Afinal, o velho sonho da classe burguesa sempre foi usufruir o ócio tal qual a aristocracia.

Assim, mesmo os museus e instituições experimentais, as “brincadeiras” dos ‘mil’ globais, muitas vezes contam com patrocínios das elites que acabam entrando no jogo da competição entre as cidades. O sucesso de uma cidade é ela ser considerada criativa.No entanto, há coisas que não podem ficar escondidas por muito tempo. Logo se percebe que não há mobilidade “para cima”,  nestes jogos com as elites, as hierarquias são mantidas.

Neste começo de século, este turismo global está sob estado de sítio devido à crise. Segundo Richard Florida, nesta “luta de classes criativas”,  os próprios turistas são atacados.

Mesmo assim continua o que Holmes denominou “urbanização da cegueira”,  onde complexos turísticos luxuosos são construídos em áreas de pobreza e exploração de trabalho. Estas áreas não estão escondidas, mas os turistas não a enxergam.

Muitos artistas estão buscando apoio fora da subjetividade ‘neo-liberal’ das elites e dos patrocinadores, os ‘ativistas’ empreendem ações de aliança com a populações migrantes.
Holmes prevê que os confrontos ideológicos voltarão e que os neo-liberais não vão soltar seu patrocínios para uma arte transversal que está surgindo. Afinal querem agora apenas  “se divertir novamente”.

As dificuldades aumentarão. Quem quiser partir para a experimentação, se afastar da visão universal, deve exercer a crítica, pensar como se transformam as noções de arte. Principalmente no que se refere às relações arte e vida e a questão da participação e da representação.

A lógica das coleções das instituições precisa ser pensada de dentro, o que entra num museu? Desde o programa dos museus transnacionais, os formatos museológicos pouco se alteraram e uma crítica vinda de outros campos de saber pode contribuir para um trabalho mais amplo de formação de gosto, uma das funções do museu. As ciências sociais podem fornecer teorias sociais que poderão trazer elementos importantes também para a formação de coleções. O próprio campo da arte pode incluir teorias e experiências sociais em seu desenvolvimento.

Debate:  Platéia:
- Esse interesse pela ligação teoria e com a utopia lembra a vanguarda do século XX. Será que  assistiremos a uma institucionalização disso? Há um risco de transformação em marketing cultural, segmentado, com projetos específicos para trabalhador, etc.
- Seria o papel dos museus lidar com problemas sociais, não há outras instituições para isto?
- Porque só os museus de arte contemporânea parecem que são mais responsáveis do que outros tipos de museu no lidar com questões sociais?
- Como envolver no museu de arte um público além  da elite. A quem a arte tenta alcançar?
_ Na fala de Brian há uma dicotomia entre imagem e conflito, os museus fazem parte do turismo e as pessoas se acostumaram a isso.
- A questão estética muitas vezes é diminuída frente às questões sociais, a obra de arte pode ser ruim. Qual o critério estético? Quais outros critérios para se avaliar se uma obra é boa?
- Quais as técnicas de interpretação da arte?

Brian Holmes:
- As propostas de ligação da arte com utopias ou teorias sociais não são mais vanguarda, pois estas se massificaram, talvez seja pós-vanguarda. Não sou contra institucionalização da arte. Estamos caminhando para um período violento que vai exigir muito trabalho das instituições.
- Os museus de arte devem se envolver nas questões sociais no que concerne à arte, na especificidade da atividade artística.
- Fazer uma avaliação da obra de arte de modo que inclua outros elementos que não apenas o estético é fazer uma grande transformação da avaliação. A teoria social não dá respostas para tudo. Mas na verdade devemos sentir que algo é bom. Duas pessoas são afetadas diferentemente por algo, difícil definir o que seria suficiente para dizer que uma obra é boa, aqui pode estar uma das funções do museu.
- Para interpretar a arte seria necessário discutir políticas na arte e pela arte. O capital financeiro abafa a diversidade das pessoas. Seria preciso usar os recursos dos museus e fazer algo com eles de acordo com interesses diversificados e não apenas das elites.

Ursula Biemann:
- Os artistas têm ido às ruas para lidar com questões de âmbito social. Mas são os museus de arte que tem demonstrado mais interesse nestas questões, de um modo que não nega os conflitos.
- Em relação ao público, os vídeos são mostrados dentro de contextos em são previstos debates e confrontos.
- A auto-organização cresceu. Os museus perderam o poder de aglutinar pessoas e interesses, assim grupos de fora, de outras práticas, têm sido convidados pelas instituições.
Platéia
- Para Suely, a arte pode ser ponte nesta dicotomia imagem conflito?

Suely Rolnik:
- É preciso reconquistar a dimensão de relação com o outro que a Ursula trouxe. Não é produz uma imagem que se tem do outro, é preciso fragilizar-se diante deste outro. Isso tem sido possível de ser reativado mais na arte do que na própria clínica. Fragilizar-se, tornar-se vulnerável ao outro e não mediado pela imagem que se tem do outro, isso  é buscar o que está vivo. E não encher o espaço de imagens, mesmo que “corretas”, que sufocam a existência, a vida, do outro.

Martin Grossmann:
- O artista como produtor cada vez mais é um mediador, precisa negociar com o museu, com o contexto, com seus interlocutores, etc... Nessa situação o museu passa a operar como uma interface, permitindo uma relação horizontal entre os vários agentes do sistema da arte. Mas isso traz perigos, o artista perde certa aura que o próprio público espera dele. O público em grande parte vai para o museu para se deleitar, ver coisas diferentes, mas se o que lá está exposto se aproxima muito ao cotidiano da grande mídia e da realidade, não estaria o museu perdendo sua dimensão de singularidade?

Suely Rolnik:
Este local de processo de subjetivação que escapa da macro-sensorialidade e leva a produzir o outro em si, o que antes estava escondido começa a implodir com a vanguarda. A Abertura afetiva (no sentido de ser afetado) ao outro força a criação, isso veio com a ruptura da contracultura. Esse movimento trouxe a crise dos anos 60, e não foram criadas respostas institucionais, especialmente pelos agentes destas rupturas. Foi o capitalismo porém que inventou e manteve a convocação da força de criação instrumentalizada pelo capital. 50% de uma empresa vai para publicidade e prepara terreno para a mercadoria. A criação agora investe em produzir modos de vida interessantes para o capital. A força de trabalho dinâmica é a criativa. O artista se rende à produção de uma mais valia de glamour, se rende ao logo, às marcas. Arte foi instrumentalizada, a publicidade promete paraísos na terra, felicidade, sucesso pessoal. A presença do outro é neutralizada. Como abrir a instituição para bolsões de conexão com o outro em vez de ser instrumentalizada pelo mercado?  O museu deve investir em questões políticas, mas em questões da arte e do próprio museu. Como não se deixar instrumentalizar? Como o museu pode sustentar acontecimentos?

Platéia:
- Os museus são transversais, não são homogêneos, nem sempre são instrumentos do capital. Há museus que tem discutido isso internamente. A crítica não necessariamente vem de fora da instituição.
- As coleções dos Gabinetes de Curiosidades  acabavam sendo vistas pelas pessoas de fora das Cortes reais e entravam no imaginário delas.
- Está aqui se generalizando uma idéia de museu único, descontextualizado de quem trabalho dentro dos museus.
Brian Holmes:
- Eu falei e de um tipo de museu transnacional tipo Guggenheim. Concordo que há muitas realidades, há conflitos entre museus transnacionais e outros, nacionais e mesmo sócio culturais em geral.

(por Beatriz Scigliano Carneiro)