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Texto apresentado por Camilo de Mello Vasconcelos

1º Encontro das Ações Educativas em Museus da cidade de São Paulo. Mesa 1: Mediação para jovens em Museus - 14/08/2006

No universo museológico, paralelamente ao desenvolvimento das atividades de preservação e pesquisa dos seus acervos, tornou-se fundamental o incremento do potencial educativo do seu conjunto material e simbólico.

A partir das duas últimas décadas assistimos a um crescente, intenso e profícuo debate a respeito da questão educacional no interior das instituições museológicas de nosso país.

O número de congressos, simpósios e fóruns realizados nos últimos vinte anos em diversas cidades de nosso país, vem demonstrando essa preocupação não apenas por parte dos profissionais que atuam diretamente no âmbito museológico, mas também no mundo acadêmico. O resultado disso pode ser medido pela expressiva qualidade na produção de artigos, monografias, dissertações e teses voltadas para a abordagem da questão educacional nos museus das mais diferentes instituições acadêmicas de nosso país.

Na verdade, a discussão a respeito do papel educativo dos museus envolve uma questão mais ampla e está relacionada à definição do papel que deve ser exercido pelas instituições museológicas em um país como o nosso.

Pretendo no âmbito desse encontro, apresentar algumas questões que contribuam para uma reflexão a respeito da atuação do educador de museus em nosso país, à luz de alguns pontos que considero fundamentais.

A primeira diz respeito à própria natureza da mediação no âmbito de uma instituição museológica. Afinal, o que vem a ser, como ocorre e qual a natureza dessa mediação junto ao público quer este seja jovem ou não?

A segunda questão estará voltada para discutir essa mediação na realidade específica de um museu antropológico e universitário como é o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, onde atuo como educador há vinte anos.

Minha intenção é apresentar essas discussões não como um modelo e tampouco como uma receita a respeito do papel do educador de museus, mas, sobretudo, como uma reflexão que permita, além da troca de experiências fornecer também uma contribuição para o debate profícuo de idéias com profissionais e interessados nessa questão.

Quer seja em países com maior tradição museológica ou mesmo na América Latina, pode-se afirmar que a grande identidade dessas instituições atualmente seja a atuação educacional. Essa preocupação, mesmo existindo desde o final do século passado - especialmente nos grandes museus europeus - foi sendo considerada de maior relevância somente a partir da segunda metade do século XX, resultado de um processo de críticas que os museus vinham recebendo por não atribuírem à categoria público a devida importância que esta merecia.

Na implementação de trabalhos educativos sistemáticos em museus brasileiros (exceção feita ao Museu Nacional do Rio de Janeiro que já possuía um setor de atendimento ao público), alguns encontros foram fundamentais para se pensar a prática educacional em museus de nosso país: o Seminário de 1958 no Rio de Janeiro, realizado pela UNESCO como parte do programa dedicado a discutir o papel educativo dos museus e a Mesa Redonda de Santiago do Chile que, em 1972, criou o conceito de museu integral e apontou a necessidade dos museus latino-americanos exercerem um papel social mais atuante do que até então vinham desenvolvendo.

No Brasil, estudos sobre a criação dos museus de ciência evidenciam a rica contribuição dessas instituições para a consolidação das ciências naturais e humanas quer seja nas áreas de zoologia, geologia, botânica, arqueologia, etnologia e história. Contudo, no que se refere propriamente à história dos museus de ciência, percebe-se que o movimento de criação dos mesmos, instaurado no contexto brasileiro, passou por mudanças importantes ao longo de sua trajetória.

Em nosso país, as primeiras experiências educacionais em museus ocorreram a partir da década de 20 no Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde foi criada uma Divisão de Educação pelo seu diretor Roquete Pinto, voltado para o atendimento das escolas em seu espaço expositivo.

As concepções educacionais que marcaram essa relação localizavam-se no âmbito dos princípios da Escola Nova do norte americano John Dewey, e que foram trazidos para o Brasil pelo educador Anísio Teixeira.

De acordo com esses princípios a maior preocupação das escolas (contrariamente à visão da pedagogia tradicional), passou a ser a própria relação professor/aluno. Desta maneira, o professor passou a ser visto como um coordenador e incentivador. A iniciativa deveria ser sempre do aluno. A aprendizagem ocorreria em ambientes motivadores com a utilização de uma rica diversidade de materiais didáticos.

Essas mudanças e esse novo modelo acabaram trazendo para o interior das escolas uma maior preocupação com o âmbito técnico pedagógico. O importante nesse contexto era "aprender a aprender".

No que diz respeito aos museus, essas instituições passaram a ser vistas como o local primordial para ilustrar o conteúdo curricular trabalhado pelo professor em sala de aula e, também, como um apêndice da escola sem autonomia e sem qualquer perspectiva de agente produtor e difusor de conhecimentos.

Na década de 60, Pierre Furter, um dos principais representantes no Brasil dos princípios da Educação Permanente disseminados pela UNESCO, considerava que esse conceito deveria ser entendido no contexto da modernização da sociedade e que, portanto, caberia à Educação Permanente substituir o ensino regular por ser mais eficiente e flexível.

Nesse contexto, os museus continuaram a ser vistos como ilustradores do currículo oficial e confundindo o seu papel, constituindo-se apenas como um complemento da escola e apresentando algumas propostas paliativas para o trabalho do professor.

Nem é preciso mencionar que as experiências e as discussões em torno da educação popular lideradas por Paulo Freire na década de 60, nunca chegaram a contaminar os museus que continuaram como meros reprodutores dos interesses das escolas.

Essas duas concepções acima descritas acabaram influenciando o chamado processo de escolarização dos museus em nosso país, definido como o "processo de incorporação pelos museus das finalidades e métodos do ensino regular, cujas manifestações iniciais surgiram com os movimentos escolanovistas e vêm se aprofundando no bojo das propostas de educação permanente para museus" (LOPES, 1992).

Contrariamente a essa tendência, a partir do início dos anos 90 a prática exercida pelos educadores de museus em nosso país passou a questionar esse modelo escolarizado, estabelecendo como tônica das discussões a questão do papel deste profissional na busca de uma prática pedagógica realmente comprometida com os interesses do público e com a transformação social.

Desta maneira, ampliaram-se as experiências de educação não formal voltadas para o atendimento de outras categorias de público que normalmente não têm acesso aos espaços museológicos tais como os favelados, idosos, indígenas, familiares, deficiente visuais e mentais.

A partir deste contexto, chegou-se a alguns eixos comuns na atuação dos educadores de museus.

O primeiro deles diz respeito à questão dos educadores de museus serem vistos e se assumirem como mediadores do conhecimento produzido pelos museus e o público (seja escolar ou não).

Essa mediação não deve ser vista como a mera tradução do conhecimento especializado por parte dos educadores, mas sobretudo na perspectiva da construção coletiva do conhecimento, ou seja, que envolva o pesquisador, o museólogo, o educador e o público alvo da ação a ser empreendida.

Acredito que o mediador colabore e muito para tornar uma visita significativa, preenchendo o vazio que muitas vezes existe entre o que foi idealizado e a interpretação dada pelo público ao que está exposto, mas para que isso ocorra deve existir o que já foi chamado por alguns autores de o saber da mediação (QUEIRÓZ, Glória, VALENTE, Esther, & outros, 2002).

No caso específico dos museus de ciência, onde há um rico acervo de objetos, réplicas, artefatos tecnológicos e experimentos, além de textos explicativos que visam proporcionar um ambiente envolvente e prazeroso que introduz os visitantes em uma cultura específica, devemos levar em conta a necessária transformação desse saber de forma a torná-lo acessível ao público. É necessário termos clareza também de que estamos trabalhando na perspectiva da representação de uma realidade e não com esta propriamente.

Neste contexto o mediador é aquele que circula por vários mundos, repletos de contextos diferenciados: da ciência, dos visitantes, dos museólogos, curadores e das atividades propostas.

Sua função é desenvolver modelos pedagógicos1 que sejam capazes de evidenciar as concepções e modelos mentais alternativos aos da ciência e colaborar com perguntas e atividades para que o público se engaje no processo de construção de novos conhecimentos, mais compatíveis com o elaborado pela ciência e transposto para as exposições do museu (QUEIROZ, Glória, VALENTE, Esther & outros, 2002, p. 79).

O grande desafio colocado por esta idéia reside no fato de que o mediador não deve nem supervalorizar a informação científica como única e colocada num patamar inacessível nem tampouco nivelar esta mesma informação por baixo, mas sim buscar o equilíbrio entre a idéia ou experimento e a sua tradução, sem perder o brilho e a possibilidade da descoberta que o público possa vivenciar.

Para que isso ocorra é necessário, portanto, o estabelecimento da troca que possibilite o diálogo entre o educador e o público diminuindo a distância existente e propondo uma relação de proximidade entre estes e o conhecimento que se está mediando.

Outro saber desta mediação está na questão fundamental da linguagem a ser utilizada, ou melhor, na capacidade de adaptação desta para os diferentes tipos de público que visitam o museu. No caso do público escolar, é necessário que se estabeleça um saber compartilhado com a escola e com o professor numa relação de parceria e não de hierarquia.

Finalmente, um outro saber fundamental da mediação é aquele voltado para o saber da própria instituição museológica: conhecer a história da instituição que propõe o diálogo e se abre ao visitante quer seja numa mediação no contexto expositivo ou de outro recurso educacional.

Conforme disse no início, o último problema a ser apresentado neste encontro, refere-se à questão educativa em um Museu Antropológico como o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.

Uma de nossas maiores preocupações2 quanto à clientela escolar, que se constitui em nosso público alvo e aquele representado por mais de 90% de nossos visitantes, diz respeito à forma pela qual devemos receber e atender à esta demanda cada vez mais numerosa. Temos a convicção da importância desta clientela e, portanto, é imprescindível pensarmos sobre este público não desobrigando-nos das atividades educativas com alunos e professores, ou seja, não podemos por omissão, nos anularmos como lugar de produção e disseminação de conhecimentos.

Ao apresentar objetos em contextos expográficos, estamos tratando de processos comunicativos que acabam sendo ou não compreendidos pelo público escolar. Daí a importância da participação do educador não só no processo de concepção de mostras de longa duração, temporárias e itinerantes, mas também no momento de avaliação das respostas que o público escolar apresenta em relação a este processo de comunicação.

Neste sentido, não basta apenas conceber uma exposição ou material didático de apoio ao professor e defini-lo como educativo. É necessário termos claro se atribuímos à prática pedagógica a possibilidade do exercício da reflexão crítica, ou seja, aquela que está intimamente relacionada à possibilidade de haver escolhas e tomadas de posição por parte do público que nos visita ou que utiliza nossos recursos educativos.

Desta forma, o trabalho deve partir dos profissionais dos museus, mas estes devem estar atentos à formação não só do professor que já atua em sala de aula, mas também do futuro professor que está hoje nos bancos universitários e ainda depende de uma sensibilização para a questão do potencial educativo de nossas instituições. Não basta, portanto, visitar nossas instituições, é necessário trabalhar o como visitar nossos museus, no que eles se constituem e qual o seu papel político, cultural e social.

Por esta razão é que por meio de nossos programas de ação educativa3 privilegiamos o contato com os professores de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio antes (grifo meu) da visita de seus alunos. Ou seja, é fundamental que trabalhemos com os professores propiciando não só o conhecimento de nossas exposições, mas também a discussão de nossos pressupostos básicos relacionados à uma instituição antropológica tais como o conceito de cultura, etnocentrismo, diversidade cultural, territorialidade, dentre outros. É fundamental sensibilizá-los para a particularidade do Museu e por conseguinte ganhar a confiança e a participação dos seus alunos quando da visita destes.

Quanto ao futuro professor (hoje aluno), que ainda está freqüentando a Universidade, também oferecemos a oportunidade deste conhecer nosso potencial por meio da realização de estágios sistemáticos em nossa área. Os resultados alcançados por estes alunos em seu crescimento profissional e pessoal vêm nos demonstrando que este esforço é fundamental no que diz respeito ao amadurecimento profissional e também das perspectivas que se abrem para a atuação destes futuros agentes multiplicadores em sala de aula.

Não podemos também nos esquecer de enfrentar outro grande desafio: aquele de conquistar novos públicos. Não devemos nos deixar acomodar pela afluência apenas do público escolar que acaba justificando os nossos esforços na concepção de materiais e no atendimento cotidiano. É necessário irmos ao encontro daqueles que, fora da escola, nos vêem ainda como algo totalmente estranho: aí se encontram os cidadãos da terceira idade, os moradores carentes do nosso entorno, os deficientes visuais, enfim, aqueles para os quais não foi dada nenhuma oportunidade, mas que expressam uma vontade imensa em descortinar um universo ainda tão distante.

No MAE, atualmente estamos desenvolvendo projetos neste sentido voltados para a terceira idade, comunidade da favela São Remo e até o final do ano implementaremos um Kit Multi-sensorial voltado para o público deficiente visual, que poderá manipular diversas maquetes e materiais voltados para a exploração de temas relacionados à arqueologia brasileira.

Temos também uma grande preocupação com a concepção e o desenvolvimento de materiais pedagógicos e neste contexto temos três diferentes produtos: kit de objetos arqueológicos e etnográficos, valise pedagógica origens do homem e o kit de objetos infantis indígenas, todos emprestados ao professor de educação infantil, ensino fundamental e médio mediante um treinamento prévio que ocorre no espaço do MAE e é ministrado pela nossa equipe de educadores.

Tenho claro que é essencial em um museu antropológico, sobretudo em um contexto atual de globalização e homogeneização cultural, apresentarmos, discutirmos e evidenciarmos em nossa prática educacional a temática da diversidade cultural, que perpassa as distintas sociedades representadas em nosso acervo. Ou seja, é fundamental mostrarmos a riqueza da diversidade cultural destas sociedades como possíveis soluções que foram dadas às suas distintas situações existenciais e materiais.

Porém, considero que não podemos ser ingênuos e acreditar que somente mostrando essas diferenças culturais podemos contribuir para o processo de tomada de consciência de nossas identidades. É necessário atentarmos para não sermos "presas fáceis" de uma idéia muito próxima do modelo multiculturalista norte-americano que acaba promovendo e difundindo este discurso da diversidade cultural quando, na verdade, apenas contribui para afastar cada vez mais as culturas distintas, os povos diferentes e reafirmando ainda mais os ódios, as diferenças e os guetos.

Ou seja, não basta apenas mostrar a diversidade cultural nos museus antropológicos. É necessário politizar a questão e trabalhar no sentido de que é possível que os "diferentes" possam interagir, condição fundamental se quisermos construir um mundo realmente mais comprometido com a paz.

Resumindo, a valorização das diferenças é importante, mas não nos deve deixar perder de vista que a luta pela igualdade social e por uma sociedade mais justa ainda é uma bandeira pela qual também vale a pena lutar. Esta deve ser uma trincheira que deve envolver fundamentalmente os museus antropológicos. Caso contrário, cairemos naquilo já foi chamado de "ciladas da diferença". (PIERUCCI, Antonio Flávio, 2000).


REFERENCIAS BIBLIGRÁFICAS


LOPES, Maria Margaret. A favor da desescolarização dos museus. In: Educação e Sociedade, Vol. 3, nº 40, Campinas, 1991.

____________________. Resta algum papel para o educador ou para o público nos museus? In: Boletim do CECA – Brasil. Ano I, nº 0, março de 1997.

ARANDINO, Martha. A pesquisa em educação e em educação e ciências nos museus de ciências: uma proposta de agenda. Texto mimeografado, s/data.

IERUCCI, Antonio Flavio. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 2000.

QUEIRÓZ, Glória, VALENTE, Esther & outros. Construindo saberes da mediação na educação em museus de ciências: o caso dos mediadores do Museu de Astronomia e Ciências Afins/Brasil. (Trabalho apresentado no I Encontro Ibero-americano sobre Investigação em Educação em Ciências, Burgos, Espanha, 16-21 de setembro de 2002). Texto Mimeografado.

VASCONCELLOS, Camilo de Mello. A função educativa de um museu universitário e antropológico: o caso do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. In: Cadernos do CEOM, Campus de Chapecó-SC, nº 21, 2005. (Museus, pesquisa, acervo e comunicação)