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Relato Crítico: Encontro com Ivo Mesquita por Amanda Bonan Gusmão

O Encontro com o curador Ivo Mesquita aconteceu no Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP) no dia 05 de junho de 2019.

 

Amanda Bonan Gusmão e Ivo Mesquita

Amanda Bonan Gusmão pergunta para Ivo Mesquita durante o Encontro realizado no IEA-USP. (foto: Ulisses MRF)

O relato a seguir oferece um panorama da entrevista com o curador Ivo Mesquita, organizada pelo Grupo de Pesquisa Fórum Permanente: Sistema Cultural entre o Público e o Privado em parceria com o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo com mediação de Gilberto Mariotti e a participação dos debatedores Beatriz Milhazes e Rubens Mano (via teleconferência), Carlito Contini, Giancarlo Hannud, Julia Buenaventura, Marcia Ferran, Martin Grossmann, Thais Rivitti, Vinícius Spricigo e Amanda Bonan Gusmão.

As questões levantadas, em geral, ficaram circunscritas a três temas que propomos organizar aqui de forma não linear, ou seja, sem necessariamente seguir a sequência das falas. Assim como não estão aqui reproduzidas todas as perguntas e respostas quando consideradas redundantes ou comentários fora dos grandes temas aqui tratados. Os assuntos giraram em torno das funções e deveres éticos do curador profissional; das experiências de Mesquita como curador-chefe da Pinacoteca do Estado de São Paulo de 2002 a 2012, com destaque para a criação, em 2003, do projeto Octógono Arte Contemporânea; e de uma crítica às Bienais, em especial à 28ª Bienal de São Paulo da qual Mesquita foi Curador-chefe, em 2008.

Curadoria

Segundo Mariotti, Mesquita costumava ter uma certa resistência à escrita curatorial com a justificativa de que esta pudesse apresentar uma explicação redutora das obras de arte.  Tendo frequentado o que Mesquita chamou de uma “escola brasileira”, o curador conta que aprendeu sobre arte com os artistas, aprendeu a olhar, aprendeu a experiência sobre o olhar. “Não tenho background para produzir teoria. Arte é a experiência do sensível”, afirma Mesquita.  Para ele, há um excesso de textos curatoriais nas exposições, fazendo com que o olhar fique domesticado. Os próprios artistas acabam por escrever muitos textos, tornando-se uma experiência mais literária e menos visual. Mesquita diz que seu trabalho é feito para os artistas e para a arte, e não para o público, para quem os textos curatoriais são dedicados. E conclui que há um excesso de função pedagógica nas exposições, que precisam ser acessíveis por conta das exigências dos patrocinadores.

Como contraponto à ideia de um museu dedicado aos artistas e não a seu público, pontuo aqui a nova definição de museu anunciada pelo ICOM (Conselho Internacional de Museus) em julho de 2019:

 

“Os museus são espaços de democratização, inclusão e polifonia para um diálogo crítico sobre o passado e o futuro. Reconhecendo e abordando os conflitos e desafios do presente, eles guardam artefatos e espécimes em nome da sociedade, salvaguardando várias memórias para as gerações futuras e garantindo a igualdade de direitos e igualdade de acesso ao patrimônio para todas as pessoas.”¹

 

Este trecho reflete uma transformação pela qual passa a maioria dos museus do mundo em relação a modos expositivos mais inclusivos diante da diversidade de seus públicos.

Beatriz Milhazes afirma que Mesquita é um curador que costuma visitar os ateliers dos artistas, tendo uma relação mais pessoal com a obra de arte. A artista comenta que, hoje em dia, o curador parece não se interessar por esse processo. Ela pergunta até que ponto há um interesse do curador em olhar para a produção dos artistas e critica o curador que pretende “encaixar” sua obra em um tema. Segundo Milhazes, o curador pode trazer interpretações interessantes, mas o que acontece, e por razões pouco claras, é que ele não está interessado no que o artista produziu, ele ignora totalmente a produção atual do artista. Para Milhazes, a pintura que não foi vista ao vivo não foi vista realmente. “Nada substitui uma visita do curador ao atelier”, afirma.

Giancarlo Hannud pontua a diferença entre o curador independente e o curador da Instituição e comenta que a arte contemporânea nasce institucionalizada, com legenda, seguro, etc, perdendo seu mistério. Por sua vez, Rubens Mano afirma que o curador de um instituição precisa trabalhar para além de seus gostos pessoais.  Sobre esta questão, Mesquita afirma que enquanto trabalhava na Pinacoteca tinha que lidar com orçamento e injunções variadas, além de uma agenda das exposições. Para ele, o curador de uma instituição é um mediador entre a exposição e diversos setores, como o financeiro, a educação etc. Sem negociação, há o risco do curador encontrar resistência dentro da própria instituição.

Pinacoteca e o projeto Octógano

Para exemplificar as negociações institucionais travadas pelo curador, Mesquita conta o caso da exposição do artista inglês Tino Sehgal, em 2014, na Pinacoteca. O artista propôs uma série de “ações construídas” onde atores, dançarinos e cantores ocupavam os espaços de circulação do museu. Uma das ações envolvia também os funcionários da Pina, que seriam pagos para participar do trabalho, criando um problema no setor de recursos humanos do museu. Dentre as ações, Mesquita cita O Beijo, em que bailarinos se apresentavam em duplas e encenavam cenas de beijos retratadas em pinturas históricas. Mesquita conta que havia um grupo de guardas evangélicos que não queria permanecer na sala e novas negociações precisavam ser feitas. “Todo direito deles”, diz.

Mesquita conta que em 2003, quando foi chamado pra fazer o Octógono, a Pina não tinha uma relação forte com a arte contemporânea. O Octógono coloca, então, a arte contemporânea no centro do museu, reforçando seu processo de institucionalização ao investir na produção do trabalho do artista. Outro aspecto importante ressaltado pelo Octógano é a noção de projeto, como um campo importante da arte contemporânea. O trabalho de Beatriz Milhazes, Bailinho, comissionado para ocupar o espaço Octógano da Pinacoteca do Estado de São Paulo, é um exemplo. Para o curador, o trabalho ganha forma quando está naquele lugar específico.

Sobre este assunto, Marcia Ferran pergunta se há um arrefecimento do site specific em favor de uma cenografização. Mesquita acredita que o site specific passou a ser contaminado com a arte das ruas. “Não acabou o site specific, mas virou uma prática nem sempre conceitualmente clara”, afirma.

Carlito Contini lembra de um espaço no MAC dedicado ao site specific, mas conclui que faltam espaços para arte contemporânea em São Paulo. As exposições são temporárias, não há exposição de acervo de arte contemporânea. Mesquita, no entanto, acha que os museus tendem a crescer. Virar grandes galpões, onde tudo talvez seja possível e lembra que a Pina e o Masp ganharão edifícios anexos em breve.

Bienal de São Paulo

Mesquita pontua que as bienais de arte consagradas não conseguem mais se atualizar. Para ele, são as Bienais menores, em lugares remotos, que fazem a diferença. A Bienal do Charles Escher (31ª Bienal de São Paulo, de 2014) seria um exemplo da defasagem das Bienais em relação à vida política e cultural. “A vida real bateu na porta e ninguém sabe o que fazer”, afirma Mesquita. Na ocasião, 55 artistas assinaram um manifesto exigindo que a Fundação Bienal devolvesse o patrocínio que recebeu de Israel (cerca de R$ 90 mil reais) como repúdio às ações militares israelenses em Gaza.

Vinícius Spricigo afirma que a Bienal de São Paulo foi pensada para se repetir continuamente entre uma edição e outra, porém, a 28ª, curada por Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, questiona seu formato como se estivesse em uma quarentena, voltando na próxima edição pro antigo formato e continuando a se repetir. Para ele, o modelo de exposições temáticas está esgotado. Mesquita afirma que a 28ª Bienal  foi entendida muito tempo depois. Nela participaram muitos artistas que tensionam a instituição. “Agora deixar isso claro, quando estava todo mundo atirando é difícil”, afirma Mesquita. De fato, 28ª Bienal Internacional de São Paulo com o título oficial “Em vivo contato”, mas apelidada “Bienal do Vazio,” foi alvo de polêmicas no meio cultural, sobretudo pelo fato dos curadores terem deixado o 2º andar do pavilhão completamente vazio, como metáfora da crise conceitual e financeira por qual passava o sistema de arte no Brasil. Outra polêmica foi a atuação de um grupo de pixadores neste andar, levantando um debate sobre arte urbana e vandalismo. Nesse sentido, a pesquisadora Julia Buenaventura levanta a suposição de que a “Bienal do Vazio” seria, portanto, um ato contra o capitalismo. Por fim, Mesquita afirma que a Bienal é um lugar onde o público internacional pode ver reunida a arte latino-americana. Sobre este ponto, Gilberto Mariotti questiona se a Bienal continuaria sendo um espaço de afirmação da identidade da arte brasileira. Mesquita acha que são problemas mal resolvidos, como é também a questão dos negros na história da arte.

 

Notas:

1 - Link Acessado em 23 de agosto de 2019: https://icom.museum/en/activities/standards-guidelines/museum-definition/

Sobre a autora

Amanda Bonan Gusmão é Coordenadora de Curadoria do MAR Rio de Janeiro. Confira o perfil completo aqui!