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Relato: As (inter)faces da arquitetura e do espaço público – a arte e seus públicos

Relato da mesa As (inter)faces da arquitetura e do espaço público - Casa Porto das Artes Plásticas - Vitória, ES - 19/10/216

Relato por Murillo Paoli

 

A artista e professora Raquel Garbelotti, vinculada ao Departamento de Artes Visuais da UFES (D.A.V./UFES), iniciou os trabalhos da mesa agradecendo ao Fórum Permanente, aos colaboradores: Funarte e Casa Porto, assim como  a presença dos participantes da mesa e ao público.

O professor Yiftah Peled, mediador da mesa esclareceu que as mesas do evento foram organizadas pelo DISSOA (Diálogos entre Sociologia e Arte), grupo de pesquisa do DAV / UFES. Logo após, ele passa a palavra ao professor Diego Rayck (DAV/ UFES), o outro mediador da mesa, que introduz os participantes e o nome de seus trabalhos ao público. Em seguida o professor Yiftah explica que  as mediações na esfera pública, possuem muitas interfaces. A arquitetura, com presença marcante, cria um tipo de envelope que se comunica tanto de forma externa quanto interna com o campo expositivo. A arquitetura possui, portanto, caráter central e delimitante do referido campo.

A seguir fala o artista Vitor Cesar que inicia com agradecimentos e apresenta a formação do "GRUPO INTEIRO", que consiste na união de artistas que atuam, individualmente, mas, que nesse coletivo, realizam um só trabalho. Vitor atua como designer gráfico, arquiteto e artista, e, muitas vezes, mescla esses campos em seus trabalhos. Isto gera múltiplas interpretações sobre sua obra e sobre a forma como trabalha. Usou como referência o antropólogo Eduardo Viveiro de Castro que sugere pensar, com uma certa indisciplina na forma de classificação e identificação antecipada que fazemos ao nos deparamos com as coisas no dia a dia. Explica que é natural fazermos isso, pois a partir do momento em que essa indisciplina atua na área do nosso fazer artístico, começamos a ter um conceito desconstruído de percepções estabelecidas do mundo. Ele cita o trabalho de Marcel Duchamp - PORTA APERTA E CHIUSA – em que o artista utilizou a idéia de desconstrução do mundo, pela impossibilidade de uma porta estar aberta e fechada ao mesmo tempo. No caso desta obra de Duchamp, as duas possibilidades existem.

O que uniu o "GRUPO INTEIRO", na visão de Vitor, foi essa busca e fixação da indisciplina em seus trabalhos.

Em relação a este coletivo, foram apresentados dois trabalhos realizados em São Paulo: o Playground, no vão do MASP -  "Condutores" e o "Campo de Preposições", realizado no SESC Ipiranga.

A obra "Condutores" foi iniciada a convite da curadoria do MASP para uma exposição chamada Playground. Essa exposição é representativa da política atual do museu, que pretende repensar a instituição retomando algumas exposições históricas e, de alguma maneira, atualizá-las. O ponto de partida para "Condutores", foi uma reflexão sobre como o corpo se comporta na cidade e sobre as condutas do corpo na mesma. A obra consiste em uma instalação, formada por peças que compõe a estrutura interna dos ônibus, uma arquibancada, um espaço de debate e também um trepa-trepa. Durante o processo, o coletivo discutiu a idéia de corpo no espaço. Vitor explica, também, que estamos sempre nos locomovendo na cidade e seguindo padrões de comportamento e conduta. Esses padrões são consensuais e construídos durante toda a nossa vida. A arquitetura, a cidade, os meios de transporte estão muito ligados à essas condutas. Uma das etapas das discussões do "GRUPO INTEIRO" sobre como esse trabalho se concretizaria, foi um debate em relação à mobilidade urbana.

A idéia central da exposição Playground era de mobilidade do corpo em uma situação imprevista, pois os trabalhos ali expostos geravam inúmeras possibilidades de uso, não descartando nenhuma dessas possibilidades. A forma de utilização dos Condutores, depende unicamente da interpretação pessoal, da exploração individual do corpo. Durante o tempo de exposição, o trabalho foi bastante utilizado pelo público. E a obra mescla a interpretação de arte com arquitetura, deixando aberto a outras interpretações. O trabalho não foi uma crítica ou uma referência às condições da mobilidade urbana, mas a quem implica o uso do transporte no dia a dia.

No SESC Ipiranga, o projeto foi pensado a partir do mobiliário (Plenário / Tribuna) da Câmara do Senado, também deixando o público a vontade para usá-lo como bem entender, evocando assim o debate sobre esfera pública e política, pensando em maneiras de incluir o público, refletindo sobre as possibilidades de uso do espaço. Essa obra permite o uso deste mobiliário tanto pelo público visitante, quanto para a realização de palestras e performances de artistas convidados pelo coletivo. O nome do projeto – "Campo de Preposições" – foi inspirado nos acontecimentos entre dimensões locais atuais do bairro do Ipiranga, do monumento à proclamação da Independência do Brasil em 1822 e das políticas que atravessam o país em 2016, visto que o espaço é usado de diversas formas por públicos totalmente diferentes e para o trabalho. O "GRUPO INTEIRO" pensou, inicialmente, sobre a maneira como as pessoas se relacionariam com aquele espaço, e, após observarem, notaram que o mesmo era usado de uma forma imprevista e, de certa forma, sem a disciplina esperada, considerando tratar-se de um sítio histórico. O espaço é comumente usado por leitores, skatistas, casais, famílias; cada um com sua forma de agir no e sobre o espaço. Em Gramática, as preposições são conceituadas como palavras (vocábulos) que unem outras palavras em uma oração, para expressar um pensamento. Assim, a obra "Campo de Preposições" tinha como função unir pessoas que, embora não se relacionassem visando um objetivo comum, estavam ali para usufruir do mesmo espaço.

Para Raquel, foi natural pensar no "GRUPO INTEIRO" para a composição dessa mesa, uma vez que eles pensam a Arquitetura além da função de construção de edifícios e borram os limites entre Arquitetura e Arte. Esses artistas, segundo a palestrante não apenas pensaram na arquitetura como edificação, mas a usaram como novo “telos”. Nessa nova aproximação entre arte e arquitetura, as artes não são um campo de fuga para a arquitetura e nem um campo de práticas abstratas, de exercícios que não cabem ao campo da edificação, mas um novo modus operandi, uma nova expressão artística. Tais práticas representam o mundo mas não são o mundo, porém constroem o mesmo. Raquel cita uma obra de Hélio Oiticica, - o "Projeto Cães de Caça". Este projeto é apresentado pela artista por sua potência, visto que não foi realizado por Oiticica e sua exposição se dá pela característica física e conceitual da própria maquete. Ela citou, também, o artista Gordon Matta-Clark que utilizou o campo da arte para criticar o campo da arquitetura,  o crescimento urbano e o plano diretor de Nova York dos anos 1970, que não considerava as zonas mais pobres da cidade, nem suas necessidades. A obra que trabalha com a arquitetura sobre este prisma, não refere-se mais como site-specific, visto que haverá uma forma de atuação do público nesse lugar. A obra passa a ser um site-specificity.

A professora e artista também citou a maquete como dispositivo crítico, como lugar de reflexão e não apenas de representação e o vídeo como forma de reflexão temporal e não mais como documento. Garbelotti apresentou um de seus trabalhos, o AMC (Arquitetura Moderna Capixaba),  que são edifícios modernistas do Estado do Espírito Santo. Nestes vídeos a artista indaga se as edificações possuem características regionais, o que seria um contrassenso ao projeto modernista, a indagação proposta pelos vídeos, compõe a narrativa que insiste em local e global e suas inadequações como formulação para o Movimento Moderno. Como estratégia para o trabalho a artista coloca a câmera sempre baixa, como na documentação da escola Ernestina Pessoa.O uso da câmera utilizada quase no nível do chão produz uma imagem monumental, como que prestando uma reverência à essas edificações. Essa edificação possui escala muito própria, por ser uma arquitetura bem pequena, tornando difícil ficar muito mais abaixo que a edificação. Para a produção das imagens do Clube Libanês, a artista usou a mesma estratégia em que a câmera investiga o espaço, apoiando-se na própria arquitetura, de modo a produzir escalas mais monumentais.

Outro trabalho que Raquel apresentou foi o projeto Cinemaquete,  feito com vídeos e uma maquete que simula sala de cinema, onde o espectador “produziria” o filme. A artista colocou dois filmes, um ao lado do outro e fones de ouvidos acompanhando cada filme. A idéia era de que o público pudesse assistir a um filme enquanto escutava outro, ou mesmo, assistir ao filme com o fone correto. O som e as imagens poderiam ser trabalhados de forma disjuntiva, na medida em que som e imagem podiam ser recombinados de acordo com a vontade do público.

Garbelotti também usou essa mesma lógica (disjuntiva) em um outro projeto que apresentou, vídeos onde se vêem estações ferroviárias entre o Rio de Janeiro e São Paulo. O áudio proveniente dos vídeos é o da Rodovia Presidente Dutra, visto que, no século passado, haviam maiores investimentos nessa velocidade e facilidade de locomoção – o automóvel. O vídeo gera uma idéia de tempos mortos devido a essa espacialidade sonora e a idéia de pouco acontecimento narrativo nas imagens. Este trabalho comenta o projeto desenvolvimentista no Brasil.

Por fim, a artista apresentou uma de suas obras expostas na GAP (Galeria de Arte e Pesquisa – UFES). A obra chamada Muro de Arrimo possui uma frase de JK  - “Creio na vitória final inexorável do Brasil como nação.”

O trabalho consiste em uma maquete que remete à arquitetura de Oscar Niemeyer, e retoma as idéias do presidente Juscelino Kubitschek sobre seu Plano de Metas: "50 anos em 5", para o progresso da economia brasileira. Por ser uma maquete e estar posicionada no chão, fazia com que o público tivesse que abaixar-se para que ela fosse interpretada. As estratégias apresentadas pela artista propõe a reposicionamento do corpo de sua audiência devido as escalas propostas e a forma expográfica dos objetos que compõe os projetos.

Após a exposição da Professora Raquel Garbelotti , foi destinado algum tempo para uma conversa com o público, e, em seguida, o professor Yiftah Peled finalizou a mesa, agradecendo aos participantes.