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Trabalhos estendidos de composição

Diogo de Moraes Silva Relato crítico síntese do 7º Encontro Paulista de Museus: Fórum das Comunidades

Diogo de Moraes Silva - 2021

 

Relato crítico síntese do 7º Encontro Paulista de Museus: Fórum das Comunidades

Este relato faz parte do livro: Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus

Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus Encontro Paulista de Museus

Realizado nos dias 24, 25 e 26 de julho de 2015, em diferentes equipamentos da cidade de São Paulo, o 7º Encontro Paulista de Museus – EPM teve como seus principais eixos de abordagem as noções de “museus”, “territórios” e “comunidades” – todas moduladas assim, no plural. Essa edição do Encontro, que se consolida como plataforma anual de intercâmbio de práticas e repertórios museológicos, discutiu as relações experimentadas entre museus de diferentes naturezas e comunidades territorialmente situadas, assim como os modos singulares de interação e colaboração entre museus e territórios, com seus agentes e atores.

O 7º EPM testou, pela primeira vez na trajetória do evento, a descentralização dos locais de realização da programação, distribuindo-a por diversos espaços da rede institucional ligada à cultura em São Paulo – embora circunscritos à Capital do estado. A abertura do Encontro ocorreu no auditório do Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo paulista, na manhã do dia 24 de julho. As atividades subsequentes estiveram sediadas no Museu da Imigração, no Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM-SP, no Museu Afro Brasil e na Fundação Bienal de São Paulo, instituição que também acolheu os trabalhos de encerramento do Encontro.

Além de prover programações propícias ao debate museológico, o EPM funciona como ambiente fomentador de aproximações e pactos entre profissionais da área, propósito que, na 7ª edição, efetivou-se por meio da apresentação e discussão de documentos orientadores do campo museal, com destaque para o Cadastro Estadual de Museus – CEM-SP. Assim, o último dia do Encontro esteve reservado ao exame público dos parâmetros e dispositivos do Cadastro, ferramenta concebida para guiar as ações de apoio aos museus do estado de São Paulo, coordenadas pelo Sistema Estadual de Museus de São Paulo – Sisem-SP, instância da atual Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo – SCEC-SP.

Regulamentado praticamente um ano após a ocorrência do 7º EPM, pela Resolução SC n. 59, datada de 13 de junho de 2016, o CEM-SP passou a vigorar como instrumento ordenador de informações acerca das condições técnicas dos museus paulistas, função que se alia à prestação de auxílio na perspectiva de qualificação do trabalho nas instituições museais espalhadas pelo estado de São Paulo, através da elaboração de relatórios técnicos e situacionais, com vistas ao aperfeiçoamento e à estruturação dos processos museológicos nesses equipamentos.

Com o tema “Fórum das Comunidades”, a programação do 7º EPM contou com conferências, mesas de debate e painéis expositivos (presenciais e digitais), além de visitas técnicas e do lançamento de publicações da área. Entre os recortes estabelecidos para as apresentações dos profissionais convidados a compartilharem suas práticas e pesquisas desenvolvidas na esfera museológica, em suas interfaces com comunidades específicas, é possível traçar conexões elucidativas com as noções anunciadas como principais vetores dessa edição do evento – perpassados por conceitos correlatos, como os de “museologia social”, “ecomuseu”, “memória” e “patrimônio”.

Delineando os motes para as apresentações de profissionais de museus do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e Distrito Federal), Inglaterra, Grécia e Espanha, esses recortes também correspondiam aos diferentes locais de acontecimento das atividades, em particular no segundo dia do EMP, quando as mesas e painéis se distribuíram por distintos equipamentos na cidade. Daí que o recorte “Processos colaborativos em museus” tenha ficado reservado ao Museu da Imigração, enquanto “Educação em museus e acessibilidade cultural” se deu no MAM-SP. Já “Territórios e públicos” foi acolhido pelo Museu Afro Brasil. “Cidade, gestão e sustentabilidade em museus” e “Museus e movimentos sociais”, por suas vezes, tiveram lugar na Fundação Bienal de São Paulo.

Sugestivas dos históricos, das políticas e das ações desenvolvidas por cada uma dessas instituições anfitriãs dos recortes mencionados, os enunciados por eles veiculados ajudam a pensar como as ideias de “museus”, “territórios” e “comunidades” estavam sendo postuladas e articuladas nessa edição do EPM. Cruzar esses termos com os enunciados balizadores das atividades permite-nos constatar uma teia conceitual pródiga em acepções alusivas ao binômio “museus-comunidades”, central para o 7º Encontro. Por exemplo, quando ligamos “museus” com “acessibilidade” e “educação”. E também, ao juntarmos “territórios” com “cidade” e “públicos”. Ou, ainda, “comunidades” com “movimentos sociais” e “processos colaborativos”.

Essa teia se complexifica ainda mais quando enlaçamos as tríades resultantes desse pontual exercício, como “museus-acessibilidade-educação”, “territórios-cidade-públicos” e “comunidades-movimentos sociais-processos colaborativos”, com os conceitos correlatos de “museologia social”, “ecomuseu”, “memória” e “patrimônio”, que atravessaram o 7º EPM longitudinalmente. Façamos, então, um breve retrospecto da programação, observando como esses entrelaçamentos se deram na prática, ou melhor, em algumas das explanações integrantes do evento.

Os exames em torno das interações cultivadas entre as instituições museológicas e os territórios onde estão inseridas – habitados ou frequentados por diferentes comunidades – levam-nos a pensar tanto nas relações extensivas entre os museus e as cidades, quando os primeiros transpõem seus muros e se dispõem a lidar com problemáticas urbanas, como também na perspectiva dos museus como laboratórios ativos de pesquisa acerca da urbe, conforme o painel “As memórias das cidades: museus, territórios e públicos”. Essa permeabilidade entre os museus e seus respectivos territórios é acentuada pela modalidade do “ecomuseu”, voltada ao desenvolvimento de processos museológicos comunitários, agregando moradores de bairros circunvizinhos a determinados patrimônios culturais; ao mesmo tempo que a concepção de “patrimônio” e os processos de patrimonialização de sítios urbanos e conjuntos arquitetônicos são colocados, eles mesmos, em questão, como ocorrido no painel “Territórios e públicos: o desafio dos museus”.

Nessa esteira comparecem os processos de curadoria colaborativa entre museus e entre estes e comunidades. As apresentações “Curadoria colaborativa no Museu da Imigração” e “Projeto Curadoria Coletiva (Sisem-SP)”, ocorridas sequencialmente, propiciaram o cotejo entre experiências institucionais distintas, tanto no que se refere aos princípios e aos procedimentos quanto no que tange a seus resultados, com destaque para o projeto expositivo itinerante “Sinais – Heranças e Andanças”, que envolveu especialistas e funcionários de museus de oito cidades do interior de São Paulo. Em ambas as experiências, é central a questão sobre “o que deve, ou não, entrar em uma coleção ou exposição”, abrindo discussões acerca de critérios para a receptividade de contribuições e doações de peças e documentos. No quesito das colaborações entre museus e comunidades, a apresentação “Construção da programação do Museu da Imagem e do Som – MIS Campinas” reportou a mobilização da comunidade para defender a permanência da instituição no Palácio dos Azulejos, de onde teria sido despejada não fosse a ação em solidariedade e defesa do museu. Além disso, a elaboração da programação do equipamento campineiro passou a contar com participação ativa dos públicos.

É também nas iniciativas da sociedade civil, mais precisamente nos movimentos sociais, que o Museu de Arqueologia e Etnologia – MAE-USP busca desenvolver parte importante de suas interlocuções. No painel integrante do recorte “Museus e movimentos sociais” detalhou-se o projeto “Girassol”, que tem no Jardim São Remo, comunidade de aproximadamente oito mil e quinhentos moradores contígua ao campus Butantã da USP, uma coletividade com a qual a instituição interage e colabora. Procurando atravessar fronteiras segregadoras, este e outros projetos do MAE-USP dão ensejo para pensar noutra modalidade museal, a “museologia social”. Presente na programação mediante apresentações de projetos da Rede de Museologia Social SP, no recorte “Territórios e públicos”, a modalidade pauta-se pelo entendimento do museu como instrumento de uso comunitário, com caráter eminentemente participativo, de modo que as pessoas e grupos envolvidos possam investigar, compreender, salvaguardar e divulgar suas próprias histórias e trajetórias, com enfoques e dicções que correspondam às suas culturas e agendas.

Subjaz a todos esses precedentes da ação museológica a compreensão de que, na contemporaneidade, não basta aos museus atuarem como receptáculos, conservadores e expositores de objetos, sejam eles artísticos, arqueológicos, etnológicos ou históricos, na mesma medida em que se revela incontornável a disposição em atentar, debater e experimentar iniciativas desbordantes de seus expedientes tradicionais e, ademais, de seus espaços físicos. Mostra-se essencial, nesse sentido, o desenvolvimento de estratégias de ampliação da atuação museológica para além do ambiente institucional, mediante a incorporação de outras práticas (mediativas, educativas, sociais e ambientais), indo além de sua consagrada expertise na realização de exposições.

Nessa abertura dos museus aos territórios e às comunidades, a própria noção de “memória” é revisitada e colocada novamente em discussão, como se nota noutro painel de “Territórios e públicos”, em que um dos projetos apresentados, intitulado “R.U.A – Realidade Urbana Aumentada”, incorpora e desdobra o entendimento de que a cidade é fonte de memórias. Operando em determinados contextos da cidade de São Paulo, “R.U.A.” procura criar condições para que os envolvidos agenciem relações histórica e mnemonicamente orientadas com seus territórios, particularmente em ambientes marcados por mudanças constantes e, portanto, pela impermanência dos referenciais que serviam de receptáculos da memória. Em chave reversa, aqui é a experiência museal acumulada, com suas preocupações e especialidades em torno da preservação, pesquisa e historização dos bens culturais, que migra para espaços urbanos.

Feito esse parcial retrospecto da programação, podemos assegurar que a jornada reflexiva ensejada pelo 7º EPM cumpriu a agenda de temas e questões a que se propôs. Aliás, a própria definição dos eixos e recortes do Encontro, formadores da teia conceitual a que nos referimos acima, reflete o que os museus e seus programas já vinham desenvolvendo em relação aos seus territórios e às comunidades que os habitam ou frequentam, tornando necessário e oportuno um fórum capaz de acolher e repercutir, entre os profissionais e interessados na área museológica, saberes e fazeres que constituem o caldo das ações nesse campo, particularmente aquelas de vocação extramuros.

A longevidade alcançada, até o presente, pelos Encontros Paulistas de Museus atesta a pertinência da plataforma pública e discursiva por eles proporcionada para o exame e problematização daquilo que é realizado pelas instituições museológicas, sobretudo em suas intersecções com a sociedade civil. Se, como aponta o filósofo Rodrigo Nunes (2015), o envolvimento de comunidades em ações institucionais exige “um trabalho demorado, que demanda a construção de relacionamentos ao longo do tempo, a composição de desejos e interesses, o cultivo de confiança mútua”, que o EPM siga provendo condições para a continuidade dos imprescindíveis intercâmbios entre os profissionais de museus, com vistas à complexificação crescente e ao aprofundamento das iniciativas desses equipamentos e de seus agentes junto aos territórios e às comunidades.

 

Referências

BUENAVENTURA, Julia. As memórias das cidades: museus, territórios e públicos (relato crítico do 7° Encontro Paulista de Museus). Fórum Permanente, São Paulo, 2015. Disponível em: http://www.forumpermanente.org/event_pres/encontros/encontros-paulista-de-museus/7-encontro-paulista-de-museus/relatos/painel-1o-as-memorias-das-cidades-museus-territorios-e-publicos. Acesso em: 6 mar. 2021.

BUENAVENTURA, Julia. Museu da Imigração: processos colaborativos em museus (relato crítico do 7° Encontro Paulista de Museus). Fórum Permanente, São Paulo, 2015. Disponível em: http://www.forumpermanente.org/event_pres/encontros/encontros-paulista-de-museus/7-encontro-paulista-de-museus/relatos/museu-da-imigracao-processos-colaborativos-em-museus-2o-dia-no-atividades. Acesso em: 6 mar. 2021.

CUBEROS, Carlos Felipe Guzmán. Atitude e sustentabilidade (relato crítico do 7° Encontro Paulista de Museus). Fórum Permanente, São Paulo, 2015. Disponível em: http://www.forumpermanente.org/event_pres/encontros/encontros-paulista-de-museus/7-encontro-paulista-de-museus/relatos/atitude-e-sustentabilidade. Acesso em: 6 mar. 2021.

GASPARINI, Isis. Eixo central: territórios e públicos (relato crítico do 7° Encontro Paulista de Museus). Fórum Permanente, São Paulo, 2015. Disponível em: http://www.forumpermanente.org/event_pres/encontros/encontros-paulista-de-museus/7-encontro-paulista-de-museus/relatos/museu-afro-brasil-museu-afro-brasil. Acesso em: 6 mar. 2021.

MORAES, Diogo de. Patrimônio: para quem e para quê? (relato crítico do 7° Encontro Paulista de Museus). Fórum Permanente, São Paulo, 2015. Disponível em: http://www.forumpermanente.org/event_pres/encontros/encontros-paulista-de-museus/7-encontro-paulista-de-museus/relatos/patrimonio-para-quem-e-para-que. Acesso em: 6 mar. 2021.

NUNES, Rodrigo. Por uma política de contracafetinagem. Mesa, Rio de Janeiro, n. 3, maio 2015. Disponível em: http://institutomesa.org/revistamesa/edicoes/3/rodrigo-nunes. Acesso em: 6 mar. 2021.

SISEM-SP. Cadastro Estadual de Museus de São Paulo, Resolução SC n. 59, de 13 de junho de 2016. São Paulo, 2016. Disponível em: https://cem.sisemsp.org.br. Acesso em: 6 mar. 2021.