A arquitetura móvel das redes

Por Diego de Kerchove – Relato crítico da palestra do professor e jornalista Cássio Martinho

Por Diego de Kerchove

 

Relato crítico da palestra do professor e jornalista Cássio Martinho

Este relato faz parte do livro: Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus

 

Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus Encontro Paulista de Museus

A palestra do professor e jornalista Cássio Martinho pautou-se na exposição e explicação das redes. Esse conceito foi central no 8º Encontro Paulista de Museus, uma vez que se comemoravam os 30 anos de Sisem-SP (Sistema Estadual de Museus de São Paulo), que é justamente uma extensa rede criada entre os museus paulistas a fim de promover e fortalecer o trabalho de instituições congêneres do estado. Em uma abordagem bem estruturada, o palestrante explanou sobre os quatro elementos fundamentais que constituem uma rede, em particular redes sem escalas, ou seja, aquelas que não seguem uma arquitetura predeterminada, por exemplo uma rede social.

O primeiro componente apresentado pelo palestrante são os pontos ou nós, elementos essenciais de uma rede, que se relacionam e são as bases estruturais da arquitetura desta. No exemplo do Sisem-SP, os pontos seriam os diferentes museus paulistas que o compõem.

O segundo elemento apresentado são as ligações. São elas que interligam os diferentes pontos e configuram toda a arquitetura da rede. A quantidade de ligações e a força de cada uma delas define o lugar de um ponto dentro de uma determinada rede. Por exemplo, se o ponto tem muitas ligações e elos fortes com os demais ele ocupará um lugar mais central; no entanto, se as suas ligações forem mais fracas ele estará na periferia dessa rede. Por sua vez, a localização do ponto dentro da arquitetura define o seu papel. Se ele for mais central, o ponto terá um papel de coesão, por ele passarão fluxos que rapidamente serão replicados a outros pontos próximos, fortalecendo os elos. Por outro lado, se um ponto tiver conexões mais fracas, ele estará na periferia. O papel deste nó periférico é de expandir o horizonte da rede, levar e trazer conexões e fluxos de informações novas para outras redes[1].

O terceiro elemento apresentado por Martinho é a arquitetura da rede. Fruto da relação entre os pontos, a estrutura de uma rede sem escalas é essencialmente móvel e horizontal. A concepção de hierarquia, segundo o palestrante, não pertence à rede, pois não há um centro fixo, um ponto central que determina e influencia a dinâmica de uma rede. Nesse sentido, o centro de uma rede é móvel, pois cada agente pode assumir um papel central ou periférico dependendo do fluxo de informação.

Associado à ideia de arquitetura da rede está o conceito dos seis graus de separação, que afirma que estamos separados de qualquer pessoa no planeta por uma média de seis pessoas (ou pontos). Esse conceito é importante para enxergar a potencialidade de cada ponto, já que o mesmo ponto geralmente pertence a diversas redes, onde ocupa lugares distintos, de acordo com suas relações. Assim, por trás de cada ponto existe uma rede oculta que pode ser acessada dependendo do fluxo de informações.

Finalmente, o último elemento apresentado pelo palestrante foi o fluxo ou a informação que circula entre os diferentes pontos de uma mesma rede. Martinho emprega em sua exposição o conceito do vírus e seu modo de propagação. Os pontos mais centrais, por estarem mais aglomerados e terem elos mais fortes, tendem a ser os primeiros a serem contaminados; por outro lado, os pontos periféricos não recebem essa informação ou vírus tão rapidamente. A correlação com a biologia é clara, mas o palestrante deu também como exemplo o genocídio em Ruanda. No caso do país africano, circularam durante meses, principalmente pelo rádio, mensagens que clamavam ao massacre dos Tutsi pelos Hutus. Infelizmente esse ódio transformou-se em genocídio, e em apenas três meses quase 1 milhão de pessoas foram mortas por seus próprios conterrâneos. Esse exemplo nos permite enxergar a importância do fluxo (midiático nesse caso) que tem o poder de alterar significativamente a rede, para o bem ou para o mal. Por isso, segundo Martinho, os fluxos têm essa característica importante: dão vida à rede. São neles que se pode atuar para fortalecer e ampliar a rede, apesar do fator de imprevisibilidade que é inerente aos fluxos.

Ao fim de sua fala, Cássio Martinho apresentou três ideias como provocação e contribuição ao debate da rede de museus. As duas primeiras ideias são um convite às instituições museológicas a refletirem mais em relação aos fluxos; em seguida ele sugere que elas busquem alcançar aqueles que estão além do horizonte, ou pelo menos da centralidade da rede de museus. Essa ideia encontra ecos na questão da mediação cultural e sua preocupação de inserir o museu de maneira mais eficaz dentro de sua própria comunidade.

Atuando em parceria não só com outras instituições, como escolas, mas também com indivíduos daquela comunidade, oferecendo espaços tanto físicos como em sua programação, para que essa comunidade tenha a possibilidade de exibir e produzir a sua própria expressão artística. Entretanto, como mencionamos anteriormente, os fluxos não podem ser controlados inteiramente, pois dependem de uma série de fatores externos para que alcancem um poder de viralização que ultrapasse o horizonte de uma determinada rede.

Em sua fala, Martinho também apresenta os exemplos da primavera árabe e das jornadas de junho de 2013 aqui no Brasil. Em ambos os casos, o fluxo de informação nasceu em uma determinada rede e se expandiu devido a uma série de fatores que levaram esses eventos a alcançarem proporções transformadoras. Martinho sugere que as instituições culturais de modo geral são importantes hubs, pontos nevrálgicos em diferentes redes, e cabe a elas transmitir, distribuir e criar novos fluxos.

A terceira e última ideia apresentada pelo palestrante é a necessidade de a rede de museus paulistas não se pautar apenas pelo viés das grandes parcerias que envolveriam diversas instituições, mas também fomentar sociedades menores e mais frequentes entre dois ou três agentes e enxergar nisso a composição de sua rede. As instituições pertencentes à rede de museus, segundo Martinho, não devem se engessar e buscar controle, mas permitir uma fluidez e liberdade entre os seus diferentes componentes. Todo esse processo é facilitado pelo Big Data e outras ferramentas informativas que afloram nos dias atuais e que permitem a parcerias menores alcançarem outras importâncias, dependendo do fluxo criativo que geram. Apesar de essa ideia vir por último, talvez seja ela a mais reveladora sobre a capacidade de viralização de um fluxo ou de uma ideia para além do horizonte da rede de museus. Talvez uma produção constante entre poucos pontos, porém em paralelo com uma maior produção de outros pontos, seja mais eficaz para transcender o horizonte da rede do que uma grande produção controlada e pensada entre todos os pontos, pois a rapidez, a frequência e a criatividade dessas parcerias menores estão mais alinhadas com a concepção de horizontalidade que define a arquitetura de uma rede.

A explanação dos diferentes componentes de uma rede e as ideias apresentadas pelo professor Cássio Martinho trazem tanto clareza como questionamentos em como os museus podem aproveitar e expandir seus fluxos de informações para além de seus horizontes. Por um lado é importante que essas instituições se voltem para parcerias mais dinâmicas e abertas, e por outro elas devem compreender que os fluxos possuem um dinamismo próprio de viralização e que muitas vezes este é imprevisível. Talvez o conceito mais importante aportado por essa palestra é a arquitetura móvel de uma rede, na qual é impossível predizer quais serão os pontos centrais ou periféricos, pois dependem do fluxo de informação. Essa mobilidade garante, de certa forma, a perenidade de uma rede e impede que em longo prazo ela se desarticule, pois ela se mantém em constante transformação e renovação.



[1] Para ilustrar essa explicação, é interessante refletir sobre a plataforma do próprio Fórum Permanente. A concepção do site e de todo o trabalho da associação é justamente a de expandir o horizonte de diferentes redes e colocá-las muitas vezes em contato. O Fórum Permanente não pertence unicamente à museologia ou à arte contemporânea; ele também se aproxima do meio acadêmico como do meio artístico. Uma das principais preocupações é se colocar entre essas diferentes redes e oferecer informação e conteúdo que não necessariamente estão no centro dessas redes.