Redes em operação.

Por Isis Gasparini – Relato crítico sobre o Painel Redes em Operação

Por Isis Gasparini

 

Com a mediação da pesquisadora Renata Motta, o painel Redes em operação apresentou, sobretudo, uma discussão a respeito de como instituições ligadas à cultura – tanto públicas quanto privadas – podem exercer suas atividades de modo interconectado (umas às outras), seja no que se refere à pesquisa e conservação ou no que se refere à exibição e formação de público. Tal associação se mostra necessária para que estas redes e sistemas, constituídos tanto formalmente como informalmente, contribuam para a existência de experiências diversificadas no campo do conhecimento, da cultura e da educação.

O primeiro convidado, Danilo Miranda (diretor do SESC-SP), apresentou a rede de espaços culturais que exerce expressiva contribuição à cultura no território brasileiro. Ele apresentou um resgate histórico sobre a constituição do SESC, estabelecendo assim um panorama sobre a forma de atuação em rede na qual esta atua.

Fundada em 1946, no período pós-ditadura de Getúlio Vargas, a instituição surge em meio a um processo de urbanização intenso que atraía um número significativo de pessoas para as cidades. Diante disso, empresários propuseram ao Estado algumas estruturas voltadas à educação e à formação profissional (Senai, Senac), bem-estar social e extra trabalho (Sesi, Sesc). Ao longo de sua fala, Danilo ressalta a cultura como um elemento central desse bem-estar social e assim, um dos focos de atuação da rede SESC. Apesar dos objetivos comuns, os SESCs tem relativa autonomia em cada estado.

Em princípio, os projetos assumiam um caráter mais assistencialista, até os anos 1950 (no passado, o Sesc e o Sesi chegaram a ter maternidade e hospitais). Em seguida, volta-se então para “o tempo livre e o lazer”, temas que passam a ser sistematicamente debatidos pelo Sesc SP com a participação de especialistas do mundo inteiro. E acredita-se que esta seja uma discussão importante, como exercício de cidadania, pois ao contrário de seu tempo de trabalho, é no tempo livre que o trabalhador possui absoluta autonomia sobre aquilo que deseja fazer. Em seguida, avança-se para a eleição da cultura como elemento central de todas as áreas em que o SESC atua.

Do ponto de vista administrativo, o SESC funciona como uma espécie de parceria público-privada, hoje em voga, mas algo pouco discutido há 70 anos. Danilo esclarece de forma objetiva a complexidade dessa dimensão, que representa um modelo único e uma peculiaridade brasileira. Essa dimensão, chamada hoje de 3o setor, engloba instituições de caráter privado cujas atuações são destinadas a objetivos de caráter público, possibilitando assim uma atuação com a garantia legal de financiamento publico. Miranda destaca que, apesar de uma grande autonomia, a atuação do SESC é acertadamente bastante controlada pelo poder público, no que se refere ao cumprimento de sua missão social. Essa forma de funcionamento e atuação oferece segurança ao projeto e sua manutenção no longo prazo, diferente de projetos que dependem de patrocínio. Conforme a Administração Nacional do SESC, o sistema trabalhou em 2015 com um orçamento de cerca de 1 bilhão de reais.[1]

Miranda não fala exatamente nestes termos, mas considerando o tema da mesa, podemos entender a cultura como o conceito estruturador da rede de atividades que o SESC oferece, que envolve artes, esportes, saúde, nutrição, dentre outras. O SESC se caracteriza como rede desde seu surgimento, porque atua com princípios comuns em todo o país ao mesmo tempo em que oferece autonomia às suas sedes regionais no que se refere a uma adaptação local, e que se insere o amplo universo sociocultural nacional.

O mesmo ocorre na atuação do Sesc no Interior dos Estados, que responde tanto a uma política de descentralização da entidade assim como ao grande processo de expansão dessas regiões. Miranda destaca que, além das unidades, uma série de veículos de comunicação e difusão de conhecimento estão incluídos, fato que reafirma a vocação para atuação em rede.

Sem informações precisas, ele destaca ainda a abertura do SESC à parcerias com outras instituições culturais estabelecidas ao longo de sua história, incluindo museus e universidades, instituições públicas e privadas que atuam no mesmo campo: Secretarias da Cultura do Estado, Secretarias de Municípios, o Ministério da Cultura, para mencionar algumas instituições públicas

Encerrando sua fala, Danilo evoca a aposta que faz na cultura e na educação, como potencial transformador da nossa sociedade, pois o SESC entende “a cultura como o papel central para reconhecimento da identidade, da convivência, do pertencimento, da evolução pessoal do ser humano”.

Carlos Roberto Brandão - IBRAM

Carlos Roberto Brandão ressaltou a importância dos museus trabalharem em rede devido a interdependência que possuem entre si, algo que se estende aos profissionais de áreas variadas que atuam nos diferentes museus brasileiros. Bastante atento ao tema, Brandão pontua uma série de ações dos museus. Corroborando a visão de rede já trazida por Danilo Miranda, Brandão inicia seus agradecimentos lembrando a parceria que tem com o SESC-SP.

Ele vê a rede como uma questão inerente aos museus, porque nenhuma dessas instituições consegue trabalhar apenas com o segmento de memória que abriga. Para exemplificar, antes de falar do IBRAN, Brandão dá exemplos ligados aos museus de zoologia, que possuem não apenas zoólogos mas também historiadores, arquitetos, bibliotecários, museólogos, etc. Segundo Brandão, os profissionais trabalham internamente em suas áreas de expertise, porém visando um objetivo comum e, desse modo, acabam por atuar de modo interdisciplinar e estabelecer uma forma de rede.

Para entender a especificidade com a qual um museu de zoologia trabalha (como a fauna por exemplo), esse precisa conhecer outros acervos a fim de estabelecer relações em um quadro global. Para isso, é comum que museus de zoologia trabalhem com empréstimo de materiais e troca de informação, em uma rede informal porém consolidada entre essas instituições. Hoje, essa interação tem sido dificultada por questões governamentais que limitam a circulação de seus acervos, mas é algo que tem sido compensado pelas facilidades trazidas pelas novas tecnologias. Como exemplo: os “herbários”, constituídos de “indivíduos vegetativos” secos, identificados e colados em papel e que podem ser escaneados e compartilhados em rede. Sendo assim, Brandão imagina que, no futuro, a tecnologia permitirá partilhar também representações tridimensionais.

Tratando especificamente do IBRAN, Brandão fala de um cadastro que inclui 3.600 museus do país, mas que está sujeito a imprecisões já que, de um lado, o cadastro é feito por autodeclaração da própria instituição interessada, com eventuais falhas na prestação de informações. De outro, o Instituto não tem condições de verificar se essas instituições atendem aos requisitos para caracterização de um museu. Essa observação permite concluir que a interação dos museus com o IBRAM é limitada, o que obrigaria a distinguir o cadastro da efetiva interação possibilitada por uma rede.

Já o Sistema Brasileiro de Museus, projeto que tem o IBRAM como um de seus gestores e que antecede sua própria criação, articula cerca de 400 instituições de modo mais seletivo e documentado, e visa uma efetiva cooperação entre elas. A forma não hierarquizada de gestão desse sistema reforça sua caracterização como rede. É papel desse sistema articular a atuação dos museus com as políticas nacionais de cultura, e estimula a criação de sistemas Estaduais e Municipais de museus, que promovem articulações mais intensas entre seus integrantes. Trata-se de uma rede que visa a “coordenação, articulação, mediação, qualificação e cooperação entre os museus brasileiros” e desse modo comporta tanto uma rede formal quanto informal daquilo que se pode definir como museu, entendidos como pontos de memória, preservação e difusão.

Ele destaca, ainda, iniciativas crescentes no país que permitem a instituições públicas atuarem em consórcio dentro de um mesmo projeto, e reforça a fala de Danilo Miranda sobre os modelos de gestão, como o das OSCIPs, que permitem integrar interesses públicos e privados, com o devido rigor na fiscalização dos orçamentos e áreas de atuação.

Ainda que os números pareçam expressivos, a quantidade de visitantes recebida anualmente nos museus brasileiros ainda é incipiente e preocupante, estimada em 180 milhões, conforme Brandão afirma: em média a cada 2 brasileiros 1 vai ao museu uma vez ao ano e com isso, permanece o desafio de se agregar novos públicos aos espaços existentes que enfrentam variadas dificuldades de acordo com a cada região.

Por fim, ele nos conta de uma rede que se estende ao exterior com pontos de memória que ainda não se caracterizam propriamente como Museus, mas são  estabelecidos em grupos que se reúnem periodicamente em diversos países constituídos por comunidades de brasileiros que vivem fora do país. Por meio de editais, o IBRAM estimula e financia alguns desses projetos.

Experiência Internacional a respeito da criação do sistema de museus na Colômbia, apresentada por Edmond Castel professor do curso de museologia da Universidade Nacional de Colômbia.

O convidado estrangeiro Edmond Castel então abordou um panorama do patrimônio cultural da cidade universitária de Bogotá (Universidade Nacional de Colômbia) levantando algumas questões acerca da comunidade local em conexão com a paisagem. Ele se perguntou de que modo uma paisagem pode funcionar como uma rede que nos conecta, ou ainda, até que ponto uma paisagem pode ser considerada como infraestrutura de um patrimônio cultural.

Castel apresentou uma visão complexa de rede como algo que ultrapassa a dimensão geográfica do espaço urbano, em uma cidade que possui um desenho urbanístico bastante claro, trouxe alguns dos edifícios que se espalham pelo campus da Universidade Nacional de Colômbia e constituem a cidade universitária de Bogotá a partir de construções que carregam cerca de 80 anos de história, vinculados a movimentos importantes como a Bauhaus.

Esse complexo arquitetônico singular, é também desconhecido por grande parte dos colombianos, conforme ele afirma, o que impulsionou uma série de ações de ativação deste patrimônio que passou a ser pensado em seu conjunto, mais do que em cada unidade.

Em um primeiro momento, foi preciso um arranjo entre o ministério da cultura e a universidade nacional para atrair atenção a tal legado apelidado de “cidade branca”. Para tanto, foi realizada uma exposição denominada “Patrimônio arquitetônico” bem como a tentativa de inclusão do complexo na lista da UNESCO. Estas foram algumas das ações iniciais que representaram uma atenção expressiva, ainda que não fosse suficiente para justificar a paisagem cultural como espaço museográfico.

A partir de então, realizou-se um estudo aprofundado que teve como foco a comunidade, sob a prerrogativa de um legado que fosse distinto daquele construído pelo patrimônio. Tratava-se, portanto, de projetar um legado imaterial e ligado aos conhecimentos ali inseridos. Para isso, basearam-se na hipótese de que “nenhuma cultura pode ser conservada, somente poderia conservar-se o conhecimento” restando então assumi-lo como verdadeiro patrimônio cultural.

Nesse processo, o olhar voltou-se para os valores que caracterizavam os costumes e a humanidade, e de que forma estes se relacionavam com os valores patrimoniais. Estabeleceu-se um processo de materialização de uma paisagem de valores baseada sobretudo na comunidade jovem universitária. A partir da universidade desenvolveu-se uma metodologia para administrar a paisagem cultural composta por jardins, laboratórios, anfiteatros, observatórios (dentre outros espaços) com a ideia consolidada anteriormente de articular o sistema dos museus e suas características tradicionais.

A rede está presente sobretudo no formato criado, algo que impulsiona o surgimento de novos espaços como também atrai a atenção do publico, ou mais precisamente, das comunidades. Por fim, Castel ressalta que um dos maiores desafios institucionais é a descontinuidade de tais processos.

 



[1] http://www.sesc.com.br/portal/sesc/transparencia_na_gestao/orcamentos_do_sesc/orcamentos+do+sesc