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Sustentabilidade: novas oportunidades para um velho problema.

Relato por Diego de Kerchove – Relato crítico da mesa de debate 3 : “Os meios e os fins conectados” do 11º Encontro Paulista de Museus

Por Diego de Kerchove


A primeira mesa de debate do segundo dia do 11º Encontro Paulista de Museus contou com a participação do espanhol Victor Magrans Juliá, diretor do Museu Nacional de Arte da Catalunha, da Dra. Rosaria Ono, diretora do Museu Paulista, e da Dra. Patrícia Ellen da Silva, Secretária de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Governo do Estado de São Paulo. A mesa foi mediada por Davidson Kaseker, diretor do Grupo Técnico de Coordenação do Sistema Estadual de Museus (SISEM).

A mesa intitulada “ Os meios e os fins conectados” tinha como tema central a sustentabilidade econômica de museus, mas como Kaseker afirma logo na introdução dificilmente aborda-se o tema da sustentabilidade, apenas por um de seus prismas, já que o termo se define por sua transversalidade entre economia, meio ambiente e o humano (ou social).

A primeira fala, gravada e reproduzida, foi a de Victor Magrans. O dirigente do museu catalão destacou a sua abordagem acerca da sustentabilidade em quatro pontos. O primeiro deles é delinear o que entendemos por sustentabilidade.  Magrans fez uma análise a partir da etimologia da palavra destacando como ela é interligada ao sustento e portanto à vida humana. Aprofundando-se em sua fala menciona o relatório Brundtland que define o termo da seguinte maneira: “O desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.“ Ao abordar esta definição, Magrans destaca os termos “necessidades presentes” como problemáticas, pois são estas que de certa forma nos levaram à situação atual de crescentes desigualdades sociais e desgaste ecológico. Para os museus, os três pilares da sustentabilidade (o meio ambiente, o social e o econômico) se traduzem respectivamente em ter em mente que os recursos são finitos, que o bem estar e a saúde física e mental dos funcionários e frequentadores do museu deve estar nas prioridades da instituição e, finalmente, que estas devem se profissionalizar em sua gestão para se manterem, sem cobrar mais, mas sim se planejando melhor.

O segundo ponto de Magrans é definir os objetivos concretos a serem alcançados pela instituição. Aqui ele destaca a importância dessa etapa, pois sem o rumo bem definido as ações de sustentabilidade irão se perder. Para tanto ele defende a realização de estudos de impacto ambiental e social por parte da instituição museal, pois estes poderão dar um norte tangível para as ações a serem tomadas. Como ponto de referência, Magrans menciona a agenda de 2030 e suas ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) definidos pela ONU.

O terceiro ponto destacado é mapear e transpor os obstáculos. Destes, o central, segundo Magrans, é a comunicação, tanto externa, mas principalmente interna. Os objetivos precisam ser compreendidos e internalizados pela equipe do museu. O processo não deve vir de cima para baixo, mas sim internalizado e permear todas as atividades da instituição, indo desde a redução total do lixo produzido até o controle dos fornecedores.

O quarto e último ponto é definir as linhas de investimentos que podem e devem passar pelos aspectos estruturais do edifício, por exemplo, com a redução de gastos energéticos com luzes LED ou ainda investir em formação e conhecimento. Investimentos que por um lado tem um impacto ambiental mínimo e que por outro garantem o desenvolvimento psicossocial e um corte de gastos.  Magrans ainda destaca que a Pandemia de COVID-19 colocou a sustentabilidade em segundo plano e motivou mudanças importantes, como, por exemplo, o extensivo uso de teleconferências. No entanto, ele destaca que essas mudanças ocorrem motivadas pelo medo e não por uma conscientização coletiva e que portanto elas podem não ser tão duradouras.

Os quatro pontos de Magrans dão uma visão bastante completa sobre a importância, os objetivos, os desafios e as ações que podem ser tomadas para se chegar à sustentabilidade e como esta é uma construção coletiva que passa antes de tudo por uma conscientização concreta da sociedade e no caso de um museu, de toda a sua equipe.

 

A fala seguinte foi da Dra. Rosaria Ono. A dirigente do Museu Paulista (MP/USP) fez uma apresentação do museu como um todo. Explicando em um primeiro momento a gestão da Universidade de São Paulo dos dois equipamentos que compõem o MP, o Museu da Repúblicano Convenção de Itu e o Museu do Ipiranga. Este último é o museu mais antigo da cidade de São Paulo e desde 2013 está fechado ao público para reformas. A sua reabertura está prevista para o dia 7 de setembro de 2022 na comemoração do bicentenário da independência do Brasil.

A Dra. Ono centrou-se em particular no Museu do Ipiranga, a fim de apresentar as principais mudanças que irão ocorrer na instituição tanto de um ponto de vista estrutural, com as mudanças arquitetônicas, como na gestão do equipamento.

Dentre as principais melhorias estruturais que estão sendo feitas no prédio está o aumento considerável da área construída, aproveitando-se do subsolo do edifício e de sua cobertura. O ganho de 6.800 metros quadrados será destinado a novas salas de exposições temporárias, salas de acolhimento do educativo, auditório, café, loja, mirante entre outros. O museu também irá se tornar mais acessível com elevadores e escadas rolantes, além de ser realizado todo um trabalho de restauro das obras, algumas das quais não puderam deixar o museu durante a sua renovação devido ao seu tamanho, como por exemplo, “ O grito do Ipiranga” de Pedro Américo. As outras obras que puderam ser removidas estão atualmente armazenadas em imóveis alugados.

Sendo parte da Universidade de São Paulo, o Museu Paulista seguirá sendo financiado em grande parte (75%) pelo governo do estado. No entanto, uma parte considerável (25%) ainda deverá ser captada através de venda de ingressos, patrocínios, aluguel do espaço de eventos e outras receitas. Vale notar que boa parte dos visitantes não deverão pagar ingressos, por serem alunos escolares. Quanto ao número esperado de visitantes, o museu antes de fechar as portas tinha uma média de 350 mil por ano e agora espera-se chegar entre 500 e 750 mil.

 

A última fala foi da secretária de desenvolvimento econômico, ciência e tecnologia do Estado de São Paulo, Dra. Patrícia Ellen da Silva, que se centrou em apresentar o trabalho desenvolvido por sua gestão. A Secretaria tem como foco criar oportunidades para fomentar o empreendedorismo e o emprego no estado de São Paulo. Para tanto, ela se baseia em grande parte na educação através das FATECs e ETECs que formam jovens já com habilidades tecnológicas específicas. Além de se integrar com as universidades estaduais como a USP, UNICAMP, UNESP, UNIVESP (Universidade Virtual do Estado de São Paulo) entre outras criando um vasto ecossistema de alunos. A isso se associa o campo tecnológico do Estado com a FAPESP e o Sistema de Inovação Paulista (SPAI). A secretária destaca o papel que sua pasta teve na pandemia, reforçando a importância dos saltos tecnológicos acelerados pelo isolamento, mas reforça a importância de combater a disparidade social escancarada pela pandemia. Em sua fala, a Dra. Silva segue defendendo uma retomada sustentável e solidária da economia, reafirmando a importância que o setor cultural e museológico tem para o governo do estado.

 

Ao final das três falas, Kaseker retomou cada apresentação e as interligou mostrando como cada iniciativa apresenta muitos pontos de convergência uma com a outra, demonstrando claramente que a agenda da sustentabilidade está cada vez mais presente e é incontornável em uma gestão moderna. Em seguida, a Dra. Rosaria Ono e Victor Magrans entraram ao vivo com Davidson Kaseker a fim de responder a perguntas do público. Dentre estas, destaco a pergunta dirigida a Dra. Rosaria Ono que perguntava qual era o plano do Museu Paulista em termos de sustentabilidade ambiental. A essa questão a gestora reconheceu que o museu ainda não deu prioridade à temática.

Esta dúvida também me acompanhou ao longo de sua apresentação sendo a sustentabilidade ambiental mencionada apenas em slide sobre compliance, indo um pouco de encontro a ideia apresentada por Magrans de que a sustentabilidade deve ser um conceito construído pela equipe e não imposto de cima para baixo. Preocupa-me que um museu que está sendo totalmente reformado não tenha apresentado soluções ambientais como coleta de água de chuvas, iluminação LED ou ainda fontes de energia renovável como painéis solares, por exemplo.  No site do MP poucas informações são dadas sobre esse assunto, além de uma menção da formação de um conselho de sustentabilidade em 2019 e do uso de mosaicos portugueses para uma pavimentação permeável não são dadas informações sobre outras iniciativas. Talvez, por questões estratégicas ou por outros motivos, ainda não há uma comunicação efetiva  acerca das medidas ambientais a serem tomadas pelo museu, mas não deixo de registrar que tanto o encontro, como o site do novo Museu Paulista, deixam uma sensação de oportunidade perdida no que concerne à sustentabilidade.

Em uma outra dúvida, Kaseker pede detalhes acerca do plano orçamentário do MP, principalmente a respeito dos 25 % que serão captados através de fontes variadas, como bilheteria, patrocínios, aluguel de espaço etc… irão ser empregados para as exposições ou para custear gastos fixos. A Dra. Ono responde que a captação de recursos para exposições será feita principalmente através de patrocínios específicos e externos, já que com mais visibilidade esses recursos são mais facilmente captados. Este sendo um plano orçamentário, ainda sujeito a modificações, já que ainda restam dois anos até a abertura do museu, nota-se que como todo museu, o MP renasce já com uma certa preocupação financeira e que investimentos em estruturas sustentáveis neste momento podem gerar um ganho de custos ao longo prazo auxiliando o museu a alcançar uma estabilidade financeira.

Em conclusão, a mesa reuniu dois museus em etapas bem diferentes. Um consolidado e um cenário que mesmo na Pandemia é favorável por estar inserido em uma das cidades mais turísticas do mundo, Barcelona e o outro um museu em renovação na maior cidade da américa do sul. A minha análise centrou-se mais no Museu Paulista por entender que este está mais próximo de nossa realidade e pela oportunidade que ele representa. A fala de Victor Magrans deixa as etapas e os principais desafios claros para um museu sustentável, sendo a principal dificuldade criar uma comunicação e integração eficiente sobre as metas da instituição, não só com o público, mas principalmente com a equipe do museu. A sustentabilidade é um caminho para um museu mais resiliente economicamente, e espero que esta visão seja compartilhada pela equipe do Museu Paulista.