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O museu como centro cultural?

Por Carlos Eduardo Riccioppo – Relato da mesa “Ser diferente, fazer diferença: a programação cultural nos museus”

Por Carlos Eduardo Riccioppo

Relato crítico da mesa: “Ser diferente, fazer diferença: a programação cultural nos museus”

Este relato faz parte do livro:  Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus

Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus Encontro Paulista de Museus

Após breve apresentação de Claudinéli Moreira Ramos, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, seguiram-se dois depoimentos, o primeiro de Emanoel Araújo (diretor curador do Museu Afro Brasil) e o segundo de Camilo Torres (vice-presidente da Abracirco).

Cumpre notar que, antes de iniciar sua exposição, Emanoel Araújo chamou ao palco do evento um conjunto musical formado por quatro refugiados do Congo Belga que trabalham no Museu Afro Brasil – o conjunto manifestou sua homenagem musical ao museu; ao final da mesa, já no espaço destinado ao intervalo do evento, assistiu-se também a uma apresentação circense de dois palhaços, um deles o próprio Camilo Torres. Sem que se desconsidere a qualidade de tais apresentações, a sua inserção no 2º Encontro Paulista de Museus bem poderia ser tomada como um prelúdio da questão principal que rodeou as falas dos dois expositores (guardadas as diferenças entre elas, o que se discutirá a seguir), a saber: a necessidade de a agenda cultural dos museus assediar mais diretamente seu público.

As duas apresentações deixavam patente, no modo pelo qual se inseriam no evento, uma vontade de demonstrar o quanto haveria de potência em intervenções artísticas que extrapolassem a tradicional modalidade de exposições de obras de arte no espaço do museu, chamando a atenção para a possibilidade de que tais intervenções (das quais as duas apresentações eram exemplos muito claros) infundissem uma espécie de “vitalidade” naquele espaço.

Mas o curioso era que, no âmbito do evento, as duas apresentações se inscreviam com caráter algo acessório, no fim das contas, revelando-se momentos de descontração de uma reflexão que bem ou mal se tentava propiciar.

Novamente, o que está em jogo, aqui, não é a qualidade das apresentações circenses e do grupo musical, mas até que ponto, dentro daquela situação, elas não acabavam por fazer as vezes de um arejamento muito próximo ao que o entretenimento de massas opera na esfera da Cultura – um arejamento que seria capaz de atrair a atenção, sem dúvida, mas uma atenção que ofereceria muito pouco estofo reflexivo à concentrada discussão que mereceria a situação dos museus atualmente.

Não que se questione a capacidade da obra de arte (seja ela uma pintura, uma apresentação teatral, musical, circense ou o que for) de carregar em si uma forte possibilidade de reflexão de seu próprio tempo. Ao contrário, quer-se crer que exatamente isto é o que de mais produtivo resguarda o contato com essas obras. Mas não há como negar o fato de que, nas últimas décadas, tem havido uma integração tão imediata das experiências artísticas a um sistema cada vez mais institucionalizado do entretenimento que tem sido muito difícil, a quem quer que busque enfrentar criticamente a produção artística atual, descolá-la das funções a elas destinadas por tal sistema e apreendê-la como capaz de resguardar algum substrato reflexivo em si mesma.

O que caberia perguntar, de saída, é até que ponto a inserção daquelas duas apresentações no evento não repetia o problema exato de sua inserção na assim chamada “programação cultural dos museus”: o problema de, independentemente de serem dotadas de grande qualidade, desempenharem, todavia, o papel ingrato de momento de descontração para, no caso do evento, uma discussão que não lhes é imanente; e, no caso dos museus, de chamarizes para um espaço que por si só não dá conta de atrair seu público (este, afinal, o diagnóstico corrente a respeito dos museus ao longo de todo o evento).

Inserindo-se na programação do 2º Encontro Paulista de Museus logo após a primeira mesa do período da tarde, em que se apresentaram as metas do processo de municipalizacão dos museus do interior do Estado de São Paulo, esta segunda mesa, que possuía por tema principal a programação cultural nos museus, trazia para o evento a possibilidade de pensar de que modo as instituições poderiam relacionar-se imediatamente com seu público, isto que parece ter sido a preocupação maior das falas dos dois expositores.

Emanoel Araújo, após comentar brevemente a criação do Museu Afro Brasil, afirmava, então, que a maior dificuldade da instituição sempre foi a de que, por tratar de um assunto delicado, muitas vezes omitido, segundo ele – a ideia principal do projeto não era a de realizar uma abordagem antropológica, mas a de mostrar a contribuição negra à cultura brasileira –, o público tenderia a se distanciar da instituição.

Para Emanoel, as atividades do museu deveriam prever um envolvimento com o público, o que para ele só se faria se se intercalassem as exposições que ali se realizam com uma série de outros eventos, entre cursos, palestras, apresentações de teatro e dança. Isto Emanoel resumiu na formulação de que o museu precisaria ser pensado com ares de centro cultural.

A exposição de Camilo Torres, muito embora tenha sido breve, também demonstrava preocupação de pensar o espaço do museu como um lugar dinâmico – novamente, como um centro cultural – e, nesse sentido, relembrava a importância do artista de circo, este “artista múltiplo”, segundo ele capaz de reivindicar mais vitalidade à instituição, que possuiria estigma de “morta”.

Não se poderia deixar de notar que, embora as reivindicações dos dois expositores coincidam na ideia de que seria necessário ao museu drenar algo da vitalidade dos centros culturais, os argumentos que os levam a tal formulação provêm de trajetórias absolutamente diversas e singulares; note-se que, enquanto a preocupação de Emanoel está às voltas com o interesse de levar o público ao museu, a de Camilo parece se interessar pelo papel do artista diante da instituição, e parece ainda identificar um problema de vigência da própria instituição na situação da cidade contemporânea – certamente aquilo que o faz pensar o museu como que assombrado pelo estigma de lugar “morto”, conforme se disse.

Tomando por base a breve exposição de Camilo, caberia pensar, aqui, até que ponto os esforços de criação de uma programação cultural ativa dentro do espaço do museu – muito embora tais esforços se demonstrem necessários, sobretudo quando são capazes de aglutinar certo número de pessoas interessado em uma experiência cultural formativa – não correm o risco, quando apenas visam a um chamamento indiscriminado de um público indiferente à existência do museu (embora ansioso pela possibilidade de entreter-se com os acontecimentos os mais numerosos e exóticos que possa encontrar ali), de encobrir uma necessidade mais profunda de questionamento do próprio estatuto desse tipo de instituição na situação atual. Talvez fosse necessário que se pensasse em que medida a atenção à programação cultural das instituições visaria a um papel formador para a sociedade, e em que medida ela não tenderia a ocupar, apenas e temerariamente, uma vaga que a dificultosa relação entre algumas dessas instituições e o espaço social em que se inserem não cessa de ampliar nos últimos tempos – isto que aquela injeção de “vitalidade” no espaço do museu de modo algum é capaz de suprir.