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Tolstói + Turismo = $ + público em museus

Por Julia Buenaventura – Relato da Abertura do III Encontro Paulista de Museus –Fernando Leça, Carlos Augusto Calil, Márcio Chagas, Andrea Matarazzo, Claudinéli Moreira Ramos– e da Primeira Mesa do evento: Articulando territórios pela via do patrimônio cultural –Andrea Matarazzo, Carlos Alberto Tavares de Toledo e Caio Luiz de Carvalho; Claudinéli Moreira Ramos, mediadora.

Por Julia Buenaventura

Tolstói + turismo = $ + público em museus ou Particularidade e generalidade: museus e visitantes


A instituição do museu costuma implicar um jogo entre o específico e o geral: o específico está no acervo, na particularidade que obriga ir até sua instalação para ter uma experiência; enquanto o geral encontra-se no leque de seu público alvo, um espectro de pessoas que, sendo diferentes, possam compartilhar o desejo por conhecer um único e mesmo objeto.

Desta forma, a tensão do museu está entre a especificidade do objeto a ser exposto e a amplitude do público a ser convidado, pois não temo errar ao dizer que qualquer um de nós gostaria de estar diante de uma pintura rupestre na Fundação Museu do Homem Americano, em Piauí, assim como a Composição com bandeirinha de Volpi na Pinacoteca do Estado, em São Paulo. Os objetos são específicos, a fascinação compartilhada.

Tudo isto veio a minha mente a partir de uma citação que Caio Luiz de Carvalho, diretor da SPTuris, fez na sua intervenção neste III Encontro – intervenção da qual tratarei na última passagem deste texto. Ao se referir à possibilidade de trazer novos públicos ao Brasil, à cidade de São Paulo e aos diferentes municípios, lembrou aquilo de que falava Tolstói: “Se queres ser universal, tens de cantar tua aldeia”. É curioso, jamais pensei que essa sentença pudesse ser aplicada ao caso dos museus e o turismo, porém Caio Luiz de Carvalho atingiu o ponto: a forma de ter um público enorme é contar, mostrar, histórias locais. E é essa justamente a tarefa do museu, e consequentemente na diversidade do público, no número de visitas e, com isto, no turismo, que tornou-se uma das indústrias com maiores perspectivas do presente.

O Encontro Paulista de Museus, que acontece uma vez por ano, desde 2009, começa a se consolidar como espaço para entrar nestas questões, para falar sobre museu e patrimônio, e na mesma esfera sobre turismo e finanças.

 

Abertura

Fernando Leça, presidente da Fundação Memorial América Latina de São Paulo, foi o anfitrião encarregado de dar em nome do Memorial as boas-vindas à plateia. Logo em seguida, Carlos Augusto Calil, Secretário Municipal de Cultura de São Paulo, representando o prefeito Gilberto Kassab, reiterou as saudações e mostrou uma grande satisfação por se tratar da terceira edição do Encontro, fato que além de mostrar a consolidação do evento, revelava que um trabalho de anos tinha rendido bons frutos: neste momento o tema museus ocupa um lugar relevante nas agendas governamentais.

Dito isso, Calil assinalou um ponto chave na estrutura administrativa do patrimônio, explicando a divisão de áreas entre o Estado e o Município de São Paulo. Assim, enquanto o Estado dá conta de instituições de grande envergadura, mas naturezas diversas, como a Pinacoteca ou o Museu de Futebol, o Município trabalha com acervos “mais modestos” nas palavras de Calil, mas fundamentais na tarefa de conservação e trabalho nas localidades: isto é, casas como o Solar da Marquesa de Santos ou a última a ser restaurada, a Casa de Gregori Warchavchik. (Um comentário à parte: é preciso ter em conta que o termo modestos neste contexto, refere-se a funções como a de conservar a memória fotográfica de São Paulo, o que significa organizar e guardar um arquivo de 600.000 negativos, como acontece com a Casa da Imagem, cujo restauro está próximo a ser entregue.)

A questão principal na intervenção de Mário Chagas, diretor do Departamento de Processos Museais do Instituto Brasileiro de Museus do Ministério da Cultura, foi a possibilidade de empreender um trabalho político e poético desde o museu, isto é: que o desenvolvimento de uma função estética não implique um desentendimento político. Ponto importante num momento, o nosso, onde a neutralidade quer se mostrar como possível atitude política/estética, quando a neutralidade é o único impossível tratando-se desses temas e, mais ainda, tratando-se de museus. São os museus os encarregados de guardar a memória e naquilo que escolhemos para ser guardado sempre terá de existir um juízo. A proposta de museu contra barbárie, foi o encerramento de seu discurso.

A intervenção de Andrea Matarazzo, secretário de Estado de Cultura, foi breve, pois seria ele mesmo o encarregado de abrir o seguinte ato do evento. Desta forma, Matarazzo cumprimentou o público, os prefeitos, secretários e diretores de instituições, indicando a importância da sua participação num ato dessa natureza.

 

I Mesa

Articulando territórios pela via do patrimônio cultural

Mediada por Claudinéli Moreira Ramos, a mesa foi aberta por Andrea Matarazzo, que se encarregou de apresentar a estrutura da Secretaria de Museus: os diferentes departamentos que a compõem, as seções em que estes departamentos se dividem e os nomes dos encarregados atuais. Brindando, assim, uma ideia clara sobre o funcionamento da instituição e, com isso –nas próprias palavras de Matarazzo–, a possibilidade de saber a quem cobrar quando for necessário.

Na sequência, o Secretário realizou uma apresentação dos orçamentos e dos campos a serem atingidos, para, finalmente, enfatizar o objeto de toda essa infraestrutura: promover uma cultura de qualidade para aquele que não tem acesso, levando para o interior do Estado aquilo que é possível desfrutar na capital. Nesse contexto, Matarazzo indicou um programa como Vai ao Cinema, proposta que soube aproveitar um fato impossível há 50 anos. No Estado de São Paulo, existem 190 municípios com museus, mas só 120 com cinemas, assim, foi proposto levar o cinema ao museu, distribuir os ingressos de forma gratuita e convidar um novo público para uma experiência que é, certamente, única. Em síntese, Matarazzo expôs o panorama da instituição na qual todos os representantes dos museus presentes terminavam por se encontrarem: indo da organização geral até alguns projetos particulares.

Neste ponto, Carlos Alberto Tavares de Toledo, diretor de Turismo e Cultura, representando Marisa da Souza Pinto Fontana, Prefeita de Socorro-Consorcio Intermunicipal do Circuito das Águas, tomou a palavra. O Circuito da Águas Paulista, localizado na fronteira com Minas Gerais, na Serra da Mantiqueira, é um lugar turístico importante, mas ainda em desenvolvimento na captação de público, com o objetivo de gerar emprego, trazer recursos e, inclusive, expandir o comércio dos produtos regionais. Tavares de Toledo expôs esses objetivos, apontando a necessidade de se investir em cultura. O único problema residiu no que ele entendia por cultura; mais parecia referir-se a conceitos de entretenimento e commodities.

Esse fato revela uma confusão usual nas sociedades contemporâneas, onde ambas palavras (cultura e entretenimento) costumam estar misturadas, gerando uma falência; escapo de qualquer romanticismo: oferecer entretenimento sob o mote de cultura é oferecer um produto possível de encontrar em outros lugares, e com isso perder na captação do público. Igualmente, está o problema de natureza cultural: a simples oferta de entretenimento, leva a homogeneizar as comunidades, subtraindo suas identidades e restringindo suas vidas às férias e aos finais de semana dos visitantes.

E foi esse ponto, a problemática de gerar um turismo de cultura e não de commodities, o eixo da apresentação de Caio Luiz de Carvalho, presidente da SPTuris.

Interessado em advertir no típico turismo de “sol e praia” um negócio incapaz de assegurar um mercado e de gerar novos públicos, Caio Luiz de Carvalho iniciou sua exposição nas seguintes cifras: o Brasil recebe 5,1 milhões de turistas estrangeiros no ano, e a França recebe 70 milhões; a diferença está no deslocamento, o Brasil é quase um continente, assim, o problema é tanto chegar no país como atravessá-lo para alcançar as metrópoles. (Só um exemplo, entre Bogotá e São Paulo há 4300 km de distância. Um turista bogotano que queira visitar São Paulo, deverá percorrer 1100 km para alcançar a fronteira com o Brasil, ao passo que desde a fronteira até São Paulo irá precisar de mais três vezes a mesma distância: 3.300 km, isto só no caminho pelo Brasil. Para um turista europeu ou japonês, o problema consistirá em atravessar um oceano. Nessas condições, a pessoa necessita de uma boa razão para a viagem: a Bienal de Arte de São Paulo costuma ser uma dessas boas razões.)

Caio Luiz de Carvalho falou desses motivos. Neste momento, com 200 peças em cartaz num só final de semana, a cidade de São Paulo  precisa cultivar a possibilidade de brindar experiências autênticas, específicas, únicas, com o que seria possível fazer uma “Economia da Experiência”. Seu ponto radicou na proposta já não tanto de ampliar o leque de oferta em programação cultural, mas em fazer desse leque algo de uma qualidade e uma particularidade impossíveis de encontrar em nenhuma outra cidade do mundo: com isto seriam atingidos dois alvos. De um lado, atrair os turistas, de outro, gerar vida na mesma cidade: não homogeneizar, mas cultivar as particularidades. Para isso é preciso pesquisar, pois só uma boa pesquisa em eventos, em obras, em exposições, em congressos, em festas, em costumes, é capaz de fazer essa oferta extraordinária, não pela quantidade, mas pela qualidade.

Neste marco, o palestrante referiu-se ao programa “Fique mais um dia”, justamente destinado a expor a diversidade que a cidade tem para, com isto, conseguir que esses 42.000 quartos de hotel de São Paulo –a mesma quantidade de Nova York–, sejam ocupados por um período a mais, o que conseguiu produzir um crescimento na arrecadação do ISS relacionado com turismo, passando de 82 milhões de reais em 2005 a 160 em 2010.

E foi nesse momento que Caio Luiz de Carvalho trouxe a sentença de Tolstói, e foi nesse momento que Tolstói revirou-se na sua tumba, Tolstói (o sofrido, o ético!) sendo utilizado para assinalar como seria possível a ampliação de um mercado. Tolstói jamais pensou na possibilidade de usar sua proposta para, por exemplo, ampliar o mercado editorial, porém aqueles que seguiram seu conselho – desde Borges até Capote, e desde Faulkner até García Márquez – têm vendido muitos livros. E o mesmo acontece na esfera dos museus, na esfera do turismo: “Quem quer ser universal, tem de cantar sua aldeia”.