Você está aqui: Página Inicial / Eventos / Encontros / Encontros Paulista de Museus / IX Encontro Paulista de Museus / Relatos / 9º Encontro Paulista de Museus: segurança, acessibilidade e sustentabilidade financeira

9º Encontro Paulista de Museus: segurança, acessibilidade e sustentabilidade financeira

Mariana von Hartenthal Relato crítico síntese do 9º Encontro Paulista de Museus: “infraestrutura e segurança”

Mariana von Hartenthal

2021

Relato crítico síntese do 9º Encontro Paulista de Museus: “infraestrutura e segurança”

Este relato faz parte do livro: Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus

Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus Encontro Paulista de Museus

 

Como resposta ao incêndio que atingiu o Museu da Língua Portuguesa em 2015, os organizadores da nona edição do Encontro Paulista de Museus inicialmente propuseram infraestrutura e segurança como temas para o evento. No entanto, atentos ao vínculo indissociável entre a promoção de condições adequadas para a segurança de objetos e pessoas e a disponibilidade de recursos, os organizadores decidiram ampliar a pauta de discussão para incluir questões ligadas ao financiamento das instituições. Sustentabilidade econômica, políticas públicas e gestão são tópicos frequentes nos Encontros do Sisem-SP, que também não abandonou seu compromisso com questões sociais mais amplas como a diversidade de gênero, preocupação evidente no convite ao Schwules Museum, da Alemanha[1].

A indissociabilidade entre segurança e sustentabilidade financeira, a relação entre acessibilidade e segurança, a necessidade da diversificação das fontes de recursos e de planejamento em longo prazo, além da institucionalização da gestão dos museus, foram assuntos que perpassaram todas as discussões do Encontro. O evento também foi uma oportunidade de refletir sobre o Cadastro Estadual de Museus de São Paulo (CEM-SP), instrumento lançado no Encontro anterior. Além de discussões e palestras, o Encontro ofereceu oficinas sobre a zeladoria do patrimônio histórico e cultural, o desenho de rotinas de segurança, a obtenção do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) e a gestão da infraestrutura.

Questões sobre financiamento foram discutidas por Uta Stapf, diretora executiva do Schwules Museum, e Kevin Clarke, jornalista e curador, membro do conselho de administração da instituição berlinense dedicada à diversidade sexual. Fundado em 1985, época marcada por grande preconceito devido à pandemia da Aids, o museu é a mais antiga instituição dedicada à história e cultura LGBTQIA+ no mundo. A instituição surgiu devido à frustração de um grupo de ativistas com a falta de atenção à diversidade sexual e de gênero em instituições museológicas. Enquanto nos primeiros anos de funcionamento o museu priorizou a cultura e história gay masculina, atualmente expandiu seu alcance e já organizou mostras sobre pornografia e erotismo feminista, fotografias históricas de pessoas transgênero e sexualidade no Paquistão. Formado por mais de 1,5 milhão de objetos, o acervo inclui uma das maiores coleções de pornografia do mundo, objetos fundamentais para a compreensão da história da sexualidade mas raramente colecionados por outras instituições.

A falta de apoio financeiro externo durante as primeiras décadas de funcionamento levou o Schwules a buscar recursos de forma independente. O museu recebe taxas de membros, obtém verbas pela venda de entradas para visitação e eventos, além do lucro gerado por uma loja e um café; a instituição também acede a editais para custear exposições pontuais.

O museu funcionava exclusivamente com esses recursos até que, em 2010, a cidade de Berlim passou a subsidiar parcialmente a instituição com valores que cobriam o aluguel e os salários de funcionários, mas não permitiam que a instituição abandonasse outras formas de arrecadação. Entretanto, o poder público ofereceu apoio em momentos críticos; por exemplo, durante a mudança para o edifício que o museu atualmente ocupa, em 2013. Outra solução adotada pelo Schwules para lidar com a escassez de recursos é a utilização do trabalho voluntário para executar serviços que incluem desde o projeto arquitetônico para a sede atual, projetos curatoriais, palestras até a condução do programa educativo. Apenas 12 dos 50 funcionários da instituição recebiam algum tipo de vencimento, e mesmo estes trabalhavam em regime parcial. Apesar de satisfeitos com as contribuições de voluntários, os apresentadores reconheceram que a ausência de retorno financeiro exclui a participação de pessoas que não podem trabalhar de graça.

Contrastando com a história de sucesso do Schwules Museum, os casos discutidos na mesa de debates “Medidas preventivas = energia bem investida” eram exemplos dramáticos. A mesa teve participação da professora da FAU-USP Rosária Ono, a diretora de programas de desenvolvimento Icom e Blue Shield France Desmarais, a assessora de Museus da Reitoria da USP Renata Motta, e sob mediação da arquiteta da UPPM/SEC-SP Roberta Silva.

As palestrantes argumentaram que medidas de conservação de acervos precisam incluir planos de segurança que vislumbrem situações extremas como catástrofes naturais e conflitos. Recursos confiáveis são indispensáveis para a manutenção de edifícios e a realização de inventários, ações prioritárias para evitar ou pelo menos diminuir o dano causado por incêndios, inundações, terremotos, conflitos e saques. Além disso, o envolvimento dos gestores na consolidação de planos de segurança é imprescindível. A fala de Desmarais enfocou o impacto de conflitos e guerras nos museus e seus acervos, eventos que, além de ameaçar a integridade das estruturas prediais e a segurança das pessoas que utilizam os museus, frequentemente levam a saques, ocorrências que podem atingir os museus duplamente, na perda de objetos e na aquisição inadvertida de itens roubados. A especialista canadense salientou que os museus devem sempre adotar uma postura ética ao adquirir objetos, porque o patrimônio mais importante de uma instituição não é sua coleção, mas sua reputação como organização confiável.

Segurança e institucionalização também foram tópicos abordados na mesa “Acessibilidade ao patrimônio museológico”, que contou com a participação da professora da FAU-USP Maria Elisabete Lopes, a arquiteta e mestre em acessibilidade aos bens culturais imóveis Elisa Prado de Assis, a vice-presidente do Corem-4R Amanda Tojal e teve mediação de Roberta Silva, arquiteta da UPPM/SEC-SP. As participantes concordaram que é melhor evitar soluções equivocadas que possam servir de (mau) exemplo e ser copiadas. Também enfatizaram a importância da acessibilidade universal para derrubar barreiras físicas, atitudinais e de comunicação e garantir não apenas o acesso físico, mas também o acesso à informação e ao acervo dos museus.

As arquitetas Lopes e Assis sublinharam que a acessibilidade não está subordinada à preservação do patrimônio imóvel porque o valor do bem cultural depende da sua relação com a sociedade, que inclui pessoas com deficiência. Como apontou Lopes, se um edifício não pode ser visitado por todos, não deve ser aberto, lembrando que nenhuma lei se sobrepõe ao direito da pessoa com deficiência. A arquiteta trouxe uma reflexão importante: se é possível adaptar o edifício em nome da segurança “de todos”, por que a resistência a adaptações destinadas à acessibilidade? A mesa também considerou a relevância da postura institucional para promover museus mais acessíveis, argumentando que muitas vezes a própria administração do museu impõe barreiras injustificadas.

Com o tema “Formas de financiamento para museus”, a última mesa de debate aprofundou a discussão sobre gestão de recursos que permeou as outras conversas do Encontro. Compuseram a mesa o gestor Ricardo Blay Levisky, a coordenadora da unidade técnica do Programa Ibermuseus Mônica Barcelos, o coordenador da Unidade de Fomento e Economia Criativa da SEC-SP Aldo Valentim e a coordenadora de UPPM/SEC-SP Regina Ponte, que mediou a conversa. Apesar das diferenças em suas práticas profissionais, os palestrantes concordaram em diversos pontos. Em primeiro lugar, constataram que o movimento positivo em direção à ampliação dos públicos e à expansão da atenção a diversos modos culturais também ocasionou o aumento de demandas por recursos públicos cada vez mais escassos desde 2014. A mesa salientou a necessidade de diversificar as fontes de recursos financeiros, tópico mencionado na cerimônia de abertura pelo secretário de Cultura da cidade de São Paulo, André Sturm, que caracterizou a dependência da administração direta para a manutenção dos patrimônios públicos como cada vez mais inviável.

Outro aspecto considerado fundamental para os palestrantes foi a necessidade de planejamento em longo prazo nas instituições culturais brasileiras e a superação do caráter personalista, não institucionalizado, da gestão cultural no Brasil. As leis de incentivo foram vistas como instrumentos que, ao atender problemas em curto prazo, dirigem a atenção a eventos pontuais e deixam espaços culturais à míngua quando terminam. Outro assunto debatido foi o modelo de gestão por organização social (OS) adotado por diversas instituições culturais do Estado, tópico mencionado por Sturm na abertura. Se a visão do secretário sobre as OS era majoritariamente positiva, os participantes da mesa ressaltaram que o modelo não é capaz de sanar as dificuldades financeiras de forma sustentável porque, como realçou Ponte, essas organizações também dependem do repasse de verbas públicas. Além disso, Valentim apontou que as OS não podem resgatar os museus da burocracia e do excesso de leis e hierarquias que engessam a gestão cultural no Brasil.

Representado por Barcelos, o Ibermuseus é uma organização que procura apoiar instituições museológicas da América Latina e Península Ibérica de forma menos burocrática, utilizando recursos que recebe dos países membros para promover mecanismos de cooperação técnica e apoio financeiro. No entanto, o objetivo da organização não é auxiliar museus durante longos períodos, mas ofertar auxílio pontual. Uma possível solução para longo prazo são os endowments, modelo financeiro apresentado por Levisky. Ainda pouco conhecidos no Brasil, os endowments são fundos patrimoniais permanentes no qual o valor principal do investimento é protegido e somente os lucros obtidos pela aplicação podem ser utilizados.

As discussões do Encontro demonstraram que toda decisão relacionada à segurança, à acessibilidade, à institucionalização da gestão ou ao planejamento precisa levar em conta a sustentabilidade financeira das ações propostas. Especialmente considerando o contexto atual no qual o governo vincula seu apoio à adesão ideológica, é cada vez mais necessária a diversificação das fontes de recursos para assegurar a sustentabilidade. Essa diversificação não está limitada à captação de verbas públicas ou privadas, mas contempla também iniciativas como o envolvimento de voluntários e a parceria com organizações comunitárias. No entanto, os casos evidenciaram que o suporte governamental continua fundamental para que as instituições culturais possam garantir a segurança de pessoas e acervos e a acessibilidade em longo prazo.


[1] “Schwules” é um termo chulo para se referir a homens gays. Em 2008, o Museu havia decidido se chamar Schwules Museum* (com asterisco) para fazer menção à diversidade da comunidade LGBTQIA+. No entanto, em 2018 a instituição retirou o sinal gráfico porque algumas pessoas manifestaram seu desconforto em se verem reduzidas a uma “nota de rodapé”. Atualmente, o museu utiliza o nome original e a abreviação SMU (https://www.schwulesmuseum.de/presseaktuell/neues-corporate-design/?lang=en; L* Reiter, em comunicação pessoal por e-mail).