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Do Schwules Museum* ao Museu da Diversidade Sexual: marcas da representação e reconhecimento da comunidade LGBT.

Relato por Diego de Kerchove

Por Diego de Kerchove

Coordenação Beto Shwafaty

 

Relato crítico da conferência internacional de abertura

Este relato faz parte do livro: Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus

Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de Museus Encontro Paulista de Museus

O 9º Encontro Paulista de Museus foi aberto com a conferência internacional de Uta Stapf e Kevin Clarke, do Schwules Museum* (Museu Gay* de Berlin)* e mediada por Franco Reinaudo, do Museu da Diversidade Sexual de São Paulo. Em um primeiro momento os conferencistas alemães apresentaram o Schwules Museum* e suas particularidades, para em seguida expor os principais desafios do museu enquanto instituição, como também a respeito do tema ainda muito sensível da diversidade sexual e de gênero. Finalmente, o debate foi aberto às perguntas do público.

Fundado em 1985, o Schwules Museum* é o primeiro museu do mundo a representar e reivindicar um espaço nas artes para a comunidade gay. O museu de Berlim surgiu em 1984, a partir de uma exposição intitulada Eldorado, que buscava representar a cultura gay e lésbica entre 1850 e 1950 e que foi muito controversa na época. A esperança dos curadores e organizadores da exposição era a de que essa seria um ponto de partida para uma conscientização no meio artístico sobre a importância em abordar o tema. No entanto, isto não ocorreu e assim decidiram criar um museu para a comunidade gay. E, como provocação, batizaram o museu com o termo Schwules, que designa pejorativamente homens gays. Por muitos anos o museu se dedicou quase que exclusivamente a representar apenas a comunidade gay masculina. Porém, mais recentemente, incorporaram o asterisco ao nome do museu para indicar a sua abertura e seu pertencimento à comunidade LGBT como um todo. No entanto, reconhecem que esse adendo não é o bastante e estudam, nos próximos anos, mudar o nome do museu a cada ano, com outras sexualidades e identificações de gênero, para homenagear e representar toda a comunidade.

É interessante notar que esse movimento que ocorreu e ocorre no Schwules Museum* acompanha a crescente aceitação do universo LGBT no ocidente. O museu nasceu em um momento difícil, no qual, além da homofobia pulsante da sociedade, a epidemia de Aids estava em seu ápice na comunidade gay masculina. Nessa época, a escolha de um nome provocativo já demonstrava força e determinação na luta por reconhecimento. Porém, com a ampliação da aceitação e das vertentes da comunidade, que buscam cada uma a sua representação, o nome Schwules Museum* torna-se, em certa medida, anacrônico.

Até 2010 o museu dependia exclusivamente de doações, voluntariado e dos ingressos cobrados para se sustentar. A partir daquele ano começaram a receber subsídios do governo alemão o que possibilitou, em 2013, realocar o museu para um espaço maior, o que foi essencial para abrigar o sempre crescente acervo da instituição. Em 2015 realizaram, em parceria com o museu de história alemão (DHM), a exposição Homosexuality_ies, e desde 1984 foi a primeira vez que um grande museu de Berlin dedicou o seu espaço a uma exibição que tratava não só da cultura gay, mas da diversidade de gêneros e sexualidades. A parceria colocou o Schwules Museum* em evidência na imprensa nacional e internacional. Apesar do sucesso da exibição, os temas abordados encontram, ainda hoje, certa resistência velada dentro das instituições artísticas alemãs mais tradicionais. Algumas veem o assunto como algo que deve ser tratado como uma nova “obrigação” enquanto outras se eximem ao justificar que a existência do pequeno museu é suficiente.

Apesar de a homofobia não ser um problema tão latente em Berlim como o é no Brasil e até em outras partes da Alemanha, o Schwules Museum* ainda tem dificuldades em construir uma imagem que não esteja diretamente associada à sexualidade, ao erotismo e até à pornografia. Kevin Clarke exemplifica essa questão ao tratar dos programas educativos elaborados pelo museu. Apesar da boa relação com escolas que levam os seus alunos para excursões, há uma resistência dos pais a inscrever seus filhos para oficinas na instituição, por medo de que eles sejam expostos a materiais indecentes. Mais uma vez o nome do museu é um entrave, pois ele corrobora com essa imagem preconcebida da instituição. Este exemplo marca bem o que talvez seja o maior desafio de um museu sobre diversidade sexual, e particularmente o Schwules Museum*.

Como mencionado, o nome combativo e provocador do museu alemão se explica por seu pioneirismo. Ele é o primeiro dos, apenas, três museus que tratam da diversidade sexual no mundo. Os dois outros são o GLBT Historical Society, de São Francisco, Estados Unidos, e o Museu da Diversidade Sexual, em São Paulo. Ambos são mais recentes, de 2003 e 2012 respectivamente.

O museu brasileiro está localizado na estação de metrô República, no centro da capital paulista. A escolha do local se deu por dois motivos. Primeiro pelo intenso tráfego de pessoas da estação e em segundo em memória a Edson Nerris, vítima de homofobia, assassinado na praça da República em 2000. O museu em si, ainda hoje, é alvo de ataques homofóbicos. Como o Schwules Museum*, o espaço nasce por uma necessidade crescente de representação e afirmação da comunidade LGBT. Porém, inserida em um contexto completamente diferente e já com apoio governamental, o Museu da Diversidade Sexual tem em sua localização uma proposta educativa e representativa mais clara.

Por estar em uma estação de metrô, o museu se faz notar e muitas vezes é visitado pelos transeuntes que, a princípio, não tinham em seus planos visitar o local, abrindo-se para pessoas que possivelmente não entrariam em contato com o tema e os seus questionamentos em um primeiro momento. A localização do museu é em si um ato de demanda por reconhecimento e de representação, já que, para muitos que empregam a estação em seu cotidiano, o museu e suas exposições tornam-se, de certa forma, algo incontornável. Assim o museu se faz presente e busca alcançar pessoas que não fazem necessariamente parte da comunidade.

Isso se reflete no nome do museu também. Nele não há termos que remetem a uma comunidade específica. Dos três museus que existem, o nome é sem dúvida o mais inclusivo. Ele não faz referência a uma sexualidade ou a uma comunidade específica, e assim se estende a todos, centrando-se em promover o respeito à diversidade sexual como um todo. Portanto, o Museu da Diversidade Sexual não se posiciona tanto como um espaço de resistência e luta, sem o deixar de ser totalmente, mas torna-se também um local de educação, inclusão e aceitação das diferenças humanas, simplesmente a partir de seu nome e sua localização. No entanto, é importante ressaltar que o momento da fundação deste museu é completamente diferente do Schwules Museum*, nascendo já em uma sociedade que ainda tem sérios problemas de homofobia, mas onde o debate e as discussões acerca do tema já alcançam a esfera pública e governamental.

Em conclusão, os nomes desses dois museus marcam retratos de épocas e histórias distintas de uma mesma comunidade e tema. O pioneirismo berlinense e o nome escolhido para batizar o museu definem o espírito de resistência e provocação, em um momento no qual a comunidade gay era ainda completamente marginalizada pela sociedade. Por sua vez, o museu brasileiro busca, por meio de seu nome e de sua localização, expandir-se para todos, inclusive aqueles que se sentem desconfortáveis e avessos ao tema da diversidade sexual.