10º EPM: marco de maturidade

Regina Ponte Coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico de 2017 a 2019

Regina Ponte

2021

Coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico de 2017 a 2019

Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de MuseusEncontro Paulista de Museus

 

Minha breve passagem pela Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo – janeiro de 2017 a fevereiro de 2019 – propiciou-me a interlocução com instituições museológicas já ancoradas num sistema de gestão bastante estruturado em duas grandes vertentes: GPPM – Grupo de Preservação do Patrimônio Museológico e Sisem-SP – Sistema Estadual de Museus do Estado de São Paulo.

Minha experiência na gestão de museus municipais da cidade de São Paulo, quando tive que me haver com uma legislação para contratações pouco flexível e pouco afeita à natureza das atividades culturais e também, com o histórico baixo orçamento para a cultura, permite-me avaliar positivamente a gestão dos museus estaduais paulistas por organizações sociais de cultura e se configurou como uma oportunidade ímpar de atuar em outros modelos de gestão não só mais promissores mas, também, desafiadores.

O fortalecimento do modelo que preconiza o fazer com a sociedade civil – e não para a sociedade civil – por meio das parcerias com as organizações sociais de cultura vem contribuindo intensamente para ampliar o diálogo e o desenvolvimento sociocultural dos vários segmentos da população, assim como para a implementação das políticas públicas da Unidade de Museus da Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa.

Por meio desse modelo de gestão tive também a grata percepção da real possibilidade de contratação de profissionais qualificados da área museológica, o que, a meu ver, significou um avanço para os museus. Mas vale a pena ressaltar que, para tanto, em boa medida, faz-se necessária a composição de um orçamento minimamente factível para o qual devem concorrer o Estado e as organizações sociais, que por sua vez, deverão atuar fortemente na iniciativa privada por meio das leis de incentivo e doações.

Engana-se, porém, quem pensa que haja nessa gestão muitas facilidades e pouca interação dos agentes estaduais com as organizações sociais. Desde 2005 e especialmente a partir de 2008 a administração estadual de museus desenvolveu as suas políticas públicas, implantando novas diretrizes para a área museológica e reestruturando as instituições sob a sua gestão. Criou-se assim uma complexa estrutura que integra compromissos de ambas as partes, com editais criteriosos que estabelecem premissas para cada museu, objetivos a serem alcançados e desafios a serem superados, por meio de planos de trabalho com metas a serem cumpridas.

Toda essa atividade segue ancorada nos comitês técnicos da unidade de museus da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, que fazem o acompanhamento dos museus e da atuação de seus profissionais, contando para isso com a sociedade civil, que participa, por exemplo, nos conselhos estruturados em cada instituição.

A outra vertente ou pilar da unidade de museus, o Sisem-SP – Sistema Estadual de Museus de São Paulo –, muito me impressionou com a sua exígua, mas exímia equipe, extremamente envolvida e comprometida com a articulação e o desenvolvimento de políticas públicas de valorização e qualificação dos museus paulistas também no interior e no litoral.

Cumpre notar que o Sisem-SP já contabiliza mais de 30 anos de articulação contínua em prol do aprimoramento dos museus paulistas. Toda essa atuação levou à primeira edição do Encontro Paulista de Museus (EPM) em 2009, evento que se tornou referência no campo museal paulista. Como coordenadora da UPPM, participei deste evento nos anos de 2017 e 2018.

Antes, porém, de prosseguir no tema dos encontros de museus paulistas, quero destacar a construção do Cadastro Estadual de Museus de São Paulo (CEM-SP), longo e exaustivo trabalho desenvolvido de forma colaborativa com diversas instâncias do governo do estado e instituições parceiras a fim de sistematizar todas as informações e compartilhá-las em um banco de dados, cuja implantação se deu no 8º EPM ocorrido em 2016, ano anterior a minha gestão, iniciando-se sua aplicação experimental com um piloto na Baixada Santista.

As primeiras atuações do Cadastro já aportaram para a equipe e o Conselho do Sisem-SP uma série de reflexões que apontaram para a revisão dos níveis de classificação a fim de abrigar instituições ainda em estágio inicial, que, não obstante, possuem nítida vocação museológica, ou seja, aquelas que se dedicam à preservação de acervos materiais ou imateriais e a pesquisa e difusão.

O Cadastro, dessa forma, mantém caráter inclusivo e se configura como um instrumento de política pública que contribui para a qualificação e o fortalecimento institucional do campo museal. Nesse sentido, sua consolidação será dinâmica, sempre atenta às realidades que se apresentam, e pode-se notar que já ocorre na medida em que, desde 2017, suas ações abrangem todas as regiões do estado.

Retomando nosso tema central, o Encontro Paulista de Museus completou em 2018 dez anos ininterruptos de existência, o que foi motivo de orgulho e enorme satisfação para toda a equipe administrativa e técnica da unidade estadual de museus, bem como para a Acam – Associação Cultural Apoio ao Museu Casa de Portinari, parceira incansável na busca contínua da melhoria da interlocução com a rede estadual de museus paulistas.

Os encontros realizados e a atuação do Sisem-SP ao longo destes últimos anos possibilitaram o conhecimento e o entrelaçamento das mais diversas realidades de aproximadamente 500 instituições museológicas existentes no estado de São Paulo. Esse esforço de conhecimento e atuação resultou num aprendizado coletivo que permitiu a elaboração de políticas públicas e ações estratégicas visando à valorização do patrimônio museológico paulista.

Com a implantação do Cadastro Estadual de Museus de São Paulo, – a organização dos Encontros, por meio de sua Comissão Consultiva, passou a adotar como tema uma das diretrizes que lastreiam sua estrutura, já no ano de 2017, no 9º EPM: a gestão de infraestrutura, que integra o eixo gestão e governança do CEM-SP. Essas atividades permitiram às instituições museológicas um primeiro aprofundamento coletivo e mais acurado sobre cada parâmetro do Cadastro, na esteira de um triste histórico de negligência estrutural dos edifícios que abrigam nossos acervos.

Sem dúvida, cada etapa e cada passo do Cadastro Estadual vale como um roteiro para que cada museu – não importando sua dimensão ou tamanho do acervo que abriga – busque o caminho de seu fortalecimento institucional, tão necessário para ampliar sua credibilidade e visibilidade junto ao poder público, à iniciativa privada e à sociedade em geral.

Já no 10º EPM, em 2018, o desejo de comemorar a relevância desse aniversário emblemático propiciou a criação da Medalha do Mérito Museológico Waldisa Rússio Camargo Guarnieri, destinada anualmente a uma personalidade com reconhecida trajetória na área museológica. Coube ao professor Ulpiano Bezerra de Menezes a primeira láurea, tendo na ocasião proferido a conferência de abertura do evento com o tema “O dever de memória, direito ao esquecimento e dever de história no campo dos museus”, consistindo numa vasta reflexão sobre a memória e seu significado social e antropológico, para além da história.

Naquele 10º EPM as atividades se voltaram ao tema sobre um dos principais eixos do Cadastro – gestão e Governança –, o que propiciou a reflexão sobre um dos dilemas dos museus da atualidade, nomeadamente a diversificação nas ações de captação de recursos e a conquista de um equilíbrio de contas, para fazer frente ao exíguo orçamento disponibilizado pelo poder público e outras instâncias.

A temática gestão e governança abrigou também a troca de experiências na questão dos museus participativos, alcançando diferentes regiões do país, com relatos tocantes de pequenas, mas assertivas iniciativas. De um lado, por exemplo, o Muquifu/Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos e, de outro, ações com amplitude maior como as da Fundação Casa Grande/Memorial do Homem Kariri e as de museus de grande porte, por exemplo, o Museu da Imigração, só para citar algumas das mesas e atividades múltiplas que integraram aquele encontro. Cada qual em seu contexto, todos nos apresentaram experiências museais lastreadas em reflexão crítica e consciência histórica.

Para registrar a consolidação dos trabalhos do CEM-SP, foram solenemente entregues naquele evento, para 15 instituições museológicas, os certificados que atestaram o cumprimento dos parâmetros técnicos esperados.

Como comentário final sobre o 10º EPM, gostaria de destacar o painel intitulado “Desafios éticos contemporâneos para museus”, que abordou a censura às questões de gênero e sexualidade, temas ainda de difícil tratamento em largas parcelas da sociedade.

Na época a discussão foi marcada pelos incidentes ocorridos em 2017 com a exposição Queermuseu e a exposição La Bête, esta última em São Paulo, e, também, pela imposição de classificação indicativa de idade mínima para a permissão de entrada do visitante.

Se por um lado a rede de museus estaduais dá sinais claros de maturidade com, por exemplo, a criação do Museu da Diversidade Sexual no ano de 2012, por outro lado há ainda alguns grupos que não se dispõem ao diálogo e atuam pelo cerceamento da liberdade de expressão, que é fundante para a criação artística.

Se concordamos que os museus na contemporaneidade devem acompanhar e abrigar as discussões presentes na sociedade, e sendo a sociedade do século XXI plural, fragmentada e multivocal, podemos concluir que devem estar sempre atentos a reavaliar as suas histórias e coleções, buscar os elos que entrelaçam passado e presente para que possam cumprir um papel importante de comunicação, mediação e relacionamento com o público, tensionando as referências conhecidas com as mudanças que ocorrem no percurso de nossas vidas e da sociedade.

Temos assistido a grandes equívocos nos embates entre aqueles que atacam manifestações artísticas e os que defendem a livre expressão e nada mais essencial que dialogar sobre questões que são conflituosas e mesmo contraditórias. A exclusão desses temas nos museus ou mesmo a restrição da visita por indicação de faixa etária empobrece e mesmo elimina a possibilidade de reflexão e, como dito no painel em questão pelo professor Christian Dunker, “infantiliza o público”.

As manifestações geradas a partir das duas exposições citadas delinearam-se como prólogo do período retrógrado e obscuro para a sociedade brasileira que vivemos hoje, em todos os aspectos e muito especialmente para a área da cultura, que se encontra abandonada pelo poder público na sua mais alta esfera.

Concluo, agradecendo a acolhida da equipe da Unidade de Museus quando a ela me juntei, também parabenizando os profissionais que realizaram um trabalho intenso de estruturação e renovação na gestão dos museus paulistas ao longo dos últimos anos. Permaneço na esperança de que as dificuldades que enfrentamos hoje sejam superadas para que os museus possam se fortalecer como instrumento de transformação social.