Memórias: Encontro Paulista de Museus

Cecilia Machado - Diretora do Sistema Estadual de Museus de São Paulo de 2009 a 2010

Cecilia Machado

2021

 

Diretora do Sistema Estadual de Museus de São Paulo de 2009 a 2010

Sumário Panorama Reflexivo 11 anos de Encontro Paulista de MuseusEncontro Paulista de Museus

 

Ao ser convidada para escrever sobre o Encontro Paulista de Museus, fiz rapidamente uma retrospectiva do contexto em que estávamos inseridos naquele momento de implantações, reestruturações e consolidações do que viríamos a assumir ser a política para a área de museu.

A perspectiva que tomei não foi só em relação às ações e concepções adotadas na Secretaria de Estado da Cultura, que desde 2006 havia reformulado sua estrutura, organizando os órgãos e departamentos a partir de unidades, mas também visualizei uma situação macro, que no mesmo período, datado a partir de 2003, uma nova percepção de política pública cultural estava se estruturando em nível federal.

Como a minha história com o Departamento de Museus e o Sistema Estadual de Museus se inicia 15 anos antes de eu assumir a sua direção, em 2008, eu não poderia deixar de citar as experiências oriundas da gestão de uma grande mestra, Dina Jobst, que, junto com Rosa Maria dos Santos e Beatriz Cruz, sob a direção de Marilda Suyama Tegg, Carlos Alberto Degelo e Sylvia Antibas, mantiveram ações permanentes de capacitação, manutenção e assessorias técnicas junto aos museus oriundos da antiga rede de Museus do Estado, durante pelo menos 25 anos.

Fui trabalhar no Dema – Departamento de Museus e Arquivo – em 1994, atuando diretamente junto a instituições museológicas do interior do estado, sob duas perspectivas: Processos de Reestruturação e Processos de Municipalização. Em 1997, quando deixei o Dema, já havia encontros anuais com a área museológica paulista. Incipientes, heroicos, sem nenhum incentivo e nada que se pudesse chamar de política pública para a área, que contava com diletantes profissionais que os mantinham vivos.

O Dema era o lugar onde se chorava pela museologia paulista e muito pouco se podia fazer. Sem verbas, sem estrutura organizacional, sem contratações e, portanto, com um número ínfimo de profissionais no Departamento e nos museus sob administração direta. O Sistema de Museus resistia nessa realidade. Mas algo já parecia mudar.

Com a reinauguração da Pinacoteca do Estado, sob a competente gestão de Emanoel Araujo, observamos uma nova possibilidade de gestão, agregando o público e o privado, como há muito já deveria ter sido implantada.

Surgem, no estado de São Paulo, as gestões por organização social, em meados da década de 2000.

Em nível federal, um fenômeno profícuo também se desenhava nesse início de século. Grupos se organizaram sob a necessidade de debates amplos e colaborativos para estruturar o que viria a ser a Política Nacional de Museus. José do Nascimento Junior, Rose Miranda, Mario de Souza Chagas, Marcio Rangel, entre outros destacados nomes da área de museus, tornaram realidade o Departamento de Museus – Demu, dentro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, pertencente ao então Ministério da Cultura.

O fenômeno, citado há pouco, é nacional, como se percebe. O Dema, na Secretaria de Estado da Cultura, de São Paulo vira Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM, que, por meio da reestruturação da SEC, passa a gerenciar os museus, que agora são administrados por organizações sociais. Quando qualificadas, assinam contratos de gestão com o governo do estado, criando uma forma nova de gerenciar o patrimônio público cultural por meio de estruturação administrativa, viabilização financeira e contratação de recursos humanos adequados às necessidades emergenciais que a área apresentava.

O Demu, dentro da esfera do Ministério da Cultura, ganha o status de Instituto, passando a equiparar-se ao Iphan, tornando-se o Instituto Brasileiro de Museus – Ibram, no mesmo momento de 2009 em que se publica a primeira regulação com força de lei da área museológica nacional, o Estatuto de Museus, assinado pelo então Ministro Gilberto Gil, figura emblemática no processo. O processo de construção do Estatuto, amplamente discutido em várias esferas, com participação e colaboração de inúmeras pessoas, fez desse documento não um ato final, mas o início de uma vasta caminhada que ainda se faz necessária, não só para relê-lo com novas óticas, mas para seguirmos construindo todo o imenso percurso que ainda falta.

Todo esse panorama que relato permite ilustrar o momento frutífero que habitávamos. Na Secretaria de Estado da Cultura, na gestão do Secretário João Sayad, a UPPM contava com a coordenação de Claudinéli Moreira Ramos, quando a direção do Sistema Estadual de Museus passou a ser orientada por mim. Os primeiros passos dessa gestão foram pensar juntas a estruturação de uma política pública para a área de museus para o estado, uma vez que a gestão por OSs tornou-se uma realidade administrativa que apresentava já grandes e oportunas mudanças no cenário. Profissionais capacitados sendo contratados, recursos humanos e organogramas sendo reformulados, recursos junto à iniciativa privada sendo viabilizados, normatizações e regulações das condutas dessas gestões sendo criadas, implantadas e fiscalizadas davam um novo caráter a gestão dos museus paulistas.

Dois marcos foram elencados para a concretização dessa meta: a reformulação do decreto do Sistema Estadual de Museus, que datava de 1985, e o desenho concreto da realidade da área museológica paulista. A segunda meta já havia sido rascunhada por mim em 2006, por ocasião do levantamento das instituições museológicas paulistas, contratado pelo Demu, para a implantação do Cadastro Nacional de Museus, parte da também reorganização do Sistema Brasileiro de Museus, criado em 1985, concomitante ao de São Paulo.

Com base nesse levantamento deu-se início aos contatos, com posterior visita as instituições museológicas paulistas. Foi formada uma equipe constituída prioritariamente por técnicos de museologia, que eram os responsáveis pela produção e execução de três das ações fundamentantes do Sisem-SP: capacitação, assessoria técnica e exposições itinerantes. Tayna Rios, Juliana Alckmim e Nayara Abrahão foram as primeiras de outros tantos técnicos que pelo Sisem-SP passaram. Como companheira tanto na estruturação do novo decreto como na concepção da metodologia para a implantação do diagnóstico e mapeamento das instituições, bem como todas as devolutivas técnicas museológicas, a museóloga Juliana Monteiro foi fundamental. A organização social Acam Portinari dava amparo organizacional, de infraestrutura e financeira para as ações, em forma de parceria.

Após as primeiras avaliações, tabulação e projeção dos dados relativos aos diagnósticos das visitas técnicas aos museus houve a possibilidade da redação de um amplo mapa da situação dos museus do estado de São Paulo. O trabalho foi intenso, quase insano. Mas, como resultado, o que se apontou foi a retomada do diálogo e o compartilhamento das realidades evidenciadas com todos os participantes dessa empreitada. Prefeituras, Secretarias Municipais, Diretorias de Cultura ou outras esferas governamentais, equipes técnicas, gestores, administradores da esfera privada, instituições culturais das mais diversas origens e formas de gestão passaram a ser contatadas para que se ampliassem os parâmetros de análise e se iniciassem conversações sobre os problemas e possibilidades de soluções.

As buscas por parcerias para a concretização das metas de exposições itinerantes junto a instituições privadas como Instituto Tomie Ohtake, galerias de arte, Instituto Figueiredo Ferraz, Fundação Nemirowsky e as próprias organizações sociais, além dos museus nas mais variadas esferas de gestão, garantiram uma rede que possibilitou a visibilidade necessária para que se começasse a delinear um Encontro Estadual de Museus à altura das mudanças pretendidas na gestão estadual.

Havia ali, já, naquele momento, as linhas gerais produzidas para a consolidação da política pública para a área de museus na esfera estadual.

Em agosto de 2008 houve início das tratativas para o primeiro Encontro Paulista de Museus. A princípio era um evento para convidados, mas logo em setembro ele ganhou a esfera que o configurou em tamanho e abrangência. O local escolhido para o encontro foi o Memorial da América Latina, no auditório Simón Bolívar e ocorreu nos dias 17 a 19 de junho de 2009.

A divulgação do evento, além da equipe técnica do Sisem-SP, teve a importante participação da equipe da Acam Portinari, que, como mencionado anteriormente, era o principal braço das ações do Sisem-SP, mas a execução e administração do Primeiro Encontro Paulista foi feita pela Abaçai Organização Social de Cultura. As demais organizações sociais foram absolutamente parceiras e protagonistas dos principais projetos que o Sisem-SP desenvolveu no interior do estado. Cabe aqui especial menção à Pinacoteca do Estado e Museu da Casa Brasileira.

Esse primeiro Encontro tinha um lema, que agradou bastante a equipe, por sintetizar o sentimento que nos representava “Juntos somos mais fortes”. As perspectivas de debate do Encontro também reforçavam essa visão:

▪         Apresentar o Sistema Estadual de Museus – Sisem-SP e refletir sobre as propostas atuais para a sua atuação.

▪         Discutir e repensar a participação dos pequenos e médios museus do estado no Sisem-SP.

▪         Permitir uma discussão quanto à atuação, significância e eficácia dos Museus, em seus propósitos, na comunidade em que está inserido.

▪         Transformar os Museus do Estado em foco prioritário nas discussões municipais envolvendo formadores de opinião, políticos e a comunidade beneficiária desses museus.

▪         Ampliar o interesse público pela preservação e divulgação do patrimônio histórico e cultural.

▪         Criação, implantação e apresentação de proposta de atuação dos 13 Polos Regionais, com a premissa: O Sisem-SP, considerando a representatividade museológica na geografia do estado, propõe sua atuação por meio de Polos Regionais. Eram eles: Araçatuba, Santos, Catanduva, Ribeirão Preto, Tupã, Piracicaba, Itapeva, Sorocaba/Tatuí, Presidente Prudente, Marília, Franca, Guaratinguetá e Grande São Paulo.

O apoio do Centro Cultural da Espanha em São Paulo/Aecid ao Encontro Paulista de Museus possibilitou a vinda de Jorge Wagensberg, diretor do Museu da Ciência de Barcelona, que proferiu a palestra “O panorama dos museus no mundo”.

Os temas abordados na programação versavam em torno de “Sustentabilidade para museus”, “Planejamento estratégico” e “Leis de incentivo à cultura e os museus”.

O evento sem dúvida surpreendeu a todos nós envolvidos pela intensa participação e adesão que se evidenciou. O sucesso foi caracterizado pela multiplicidade de participantes das mais diversas regiões do estado, das mais variadas áreas de atuação, museus e inúmeras instituições que gerenciavam acervos, além da participação maciça de prefeitos e gestores públicos. Era o resultado de uma demanda reprimida de falta de interlocução, da oportunidade de se expressar e a possibilidade real de conhecer os pares dessa reflexão.

Essas constatações direcionaram a elaboração do Segundo Encontro Paulista de Museus, que ganhou o subtítulo “Ser diferente – fazer diferença”. Estruturou-se um encontro de prefeitos e representantes de secretarias, diretorias e departamentos de cultura que gerenciavam museus, para que pudessem discutir ações concretas do ponto de vista político e financeiro de forma participativa e junto com a Secretaria de Estado.

Outra demanda que passou a ser vislumbrada e debatida no âmbito interno da Secretaria foi a viabilização de aportes por meio de recursos estaduais. Já se levantava a possibilidade de editais e de o Programa de Apoio à Cultura Estadual – Proac ter linhas de fomento direcionadas às necessidades dos museus.

Com o objetivo de articular profissionais e dirigentes da área museológica para estabelecer estratégias de desenvolvimento social e econômico dos municípios e tratar das ações de aperfeiçoamento, qualificação e fortalecimento dos museus paulistas, o Segundo Encontro Paulista de Museus vem a público nos dias 22 a 24 de junho de 2010, no Memorial da América Latina, auditório Simón Bolívar. O resultado desse Segundo Encontro superou o Primeiro em números e proposições de debates. Os vídeos de toda a programação foram registrados pelo Fórum Permanente – Museus de Arte entre o Público e o Privado –, importante parceiro que imortalizou essas iniciativas, pois até hoje os registros encontram-se disponíveis no site forumpermanente.org.

Foram esses os dois Encontros Paulistas que tiveram a minha participação como diretora do Sisem-SP e dos quais muitas referências se apresentaram para a ampla discussão que as quase duas décadas seguintes ainda protagonizam.

Para concluir este relato sobre os Encontros Paulistas, venho compartilhar ainda uma importante percepção, a de que em toda a minha experiência, hoje de mais de três décadas de atuação na área, a mais concreta e relevante ação de colaboração, participação e inclusão na área de museus do estado de São Paulo se deu e ainda se dá por meio dos Encontros Paulistas, que se consolidaram como espaços de debates públicos, críticas – às vezes contundentes – e respeitosas expressões de opiniões, muitas vezes diversas, como se espera que sejam, tendo em vista a imensa variação e diversidade cultural que o estado e o país traduzem.

Longa vida aos Encontros Paulistas, ainda lugar de expor nossas diferenças tão admiráveis.