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Cuidados freqüentes com a segurança de acervos minimizam danos mesmo em situações emergenciais

Por Patrícia Gazoni – relato da mesa: Segurança do Patrimônio Museológico

Por Patrícia Gazoni

Palestrante: Alessandra Rosso

 

O primeiro tratado internacional visando à proteção de bens culturais ocorreu após um período de ameaças e destruição freqüentes em territórios afetados pelos conflitos de guerra. É possível deduzir que a instituição da medida ocorreu muito em função da situação da baixa governabilidade dos locais atingidos, uma vez que nesta situação não podiam garantir o controle e a segurança de seu patrimônio. Foi em convenção organizada pela UNESCO, em 1954, que foi assinada a Convenção de Haia, na qual ficou estabelecido o conceito de patrimônio mundial e a necessidade de sua proteção acima dos interesses ou condições dos estados nacionais. É aceitável que, em lugares onde não está garantida a proteção ao patrimônio cultural, torna-se pertinente a intervenção de órgão supranacional.

No ano de 1996, então 42 anos depois, foi aprovado o segundo protocolo da Convenção de Haia,  instituiu-se uma organização voltada para prestar consultoria e apoiar nas ações de resgate aos bens culturais em países ameaçados por desastres naturais ou provocados pelo homem. Nesta palestra, o Escudo Azul é apresentado como a organização internacional equivalente para o patrimônio cultural o que a Cruz Vermelha é para a humanidade. Além das situações de guerra, nota-se que o segundo protocolo ampliou a gama possível das ameaças ao patrimônio, pelos ‘desastres naturais ou provocados pelo homem’. Pensando a partir da ocorrência destas novas possibilidades no Brasil, surge para nós o questionamento sobre o papel do estado na proteção aos bens culturais. Sabemos que aqui, pela localização territorial e antiguidade do solo, os efeitos climáticos não possuem caráter imprevisível e os efeitos das acomodações tectônicas são praticamente imperceptíveis. Mas estas ‘sutilezas’ podem ser agravadas, e são, muito mais pela ausência de compromisso na efetivação de políticas de ocupação do solo, como a presença incontrolada de edificações em áreas de risco e outros tantos abusos que os especialistas na área poderiam facilmente listar. De forma que os desastres, no Brasil, estão mais vinculados ao tipo de administração praticada pelo poder público do que diretamente relacionados aos efeitos do clima ou dos movimentos nas camadas abaixo do solo. Aqui, as ameaças são a conseqüência da baixa governabilidade, e não a sua causa.

Estas constatações podem gerar nos ouvintes atentos à palestra um outro questionamento, este sim, central. Se estamos num evento patrocinado pelo estado, quais fragilidades o levam a convidar uma instituição para discorrer sobre um assunto que também é de sua responsabilidade?  A pertinência desta colocação se dá na medida em que a sobreposição de papéis também pode ser danosa ao patrimônio: se todos são responsáveis, ninguém é. Em que medida os cuidados prévios de segurança e proteção aos museus, tão reiterados nos manuais específicos sobre o tema, somados às estratégias e ações emergenciais elaboradas pelos profissionais voluntários envolvidos no Escudo Azul podem realmente garantir a salvaguarda de bens culturais se as políticas urbanas de responsabilidade do poder público não são adequadamente efetuadas? Para que, de fato, o Escudo Azul venha diminuir danos aos acervos em situações emergenciais é necessário garantir o cumprimento de medidas centrais.

A apresentação prossegue mostrando o funcionamento do Escudo Azul, estruturado em comitês nacionais e locais, além da associação internacional, localizada na Holanda.  As atribuições advindas de lá são executadas localmente, permitindo o desenvolvimento e execução de estratégias descentralizadas e a autonomia na articulação com instituições de apoio que, na falência dos recursos  habituais provocados pelas contingências, tornam-se imprescindíveis. Este é o caso apresentado pela palestrante, o de congeladores disponibilizados durante as emergências para diminuir os danos aos suportes em papel, uma medida técnica que vale a pena conferir no vídeo disponível.  Os comitês  locais contam com a participação de profissionais de diversas áreas do patrimônio. Acredito que um dos maiores ganhos deste modelo de gestão é prática da tomada compartilhada de decisões e a possibilidade de conhecimento prévio das características dos acervos locais. No Brasil, o Escudo Azul está presente na Bahia, São Paulo e Minas Gerais.

É sabido que a segurança ao patrimônio museológico é realizada a partir da integração de medidas de proteção passiva, ativa e operacional, todas de responsabilidade do museu – e do estado. As medidas operacionais apresentam maior fragilidade, pois requerem articulação e treinamento das equipes existentes nas instituições patrimoniais, a consciência do papel de cada membro, o compromisso e o preparo para a ação conjunta. Nada retira do museu seu papel no preparo desta operacionalização. Os comitês entram para agregar valor, para somar, uma vez que alguns daqueles membros também estão envolvidos com Escudo Azul..

O papel do estado é imprescindível para minimizar danos aos acervos, e sua atuação vai do macro ao micro, estendendo-se desde o compromisso político-administrativo até, ainda que indiretamente, na preparação de técnicos internos dos órgãos patrimoniais sob sua tutela. Mesmo nas situações emergenciais cobertas pelo Escudo Azul e ainda mais no Brasil, país distante de vulcões, maremotos e furacões.