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Relato da mesa “Artistas de África e Museus”

por Daniel Rangel

Um artista africano, uma curadora americana e um mestre afro-americano.

O primeiro ponto que me chamou atenção na mesa foi sua formação heterogênea, cujos convidados; um artista africano, uma curadora americana e um artista-curador afro-americano,  representam justamente os atores sociais que atualmente vem discutindo questões conceituais a respeito de arte, de cultura e da relação do mundo com a África.

O artista nasceu, reside e trabalha na África. Possui uma carreira internacional sólida e tem um trabalho conectado com questões contemporâneas sem perder as referências locais. Já realizou exposições individuais e participou de coletivas em diversos países da Europa, além de ser um importante ativista em seu país de origem. Ele representa a atualidade dos principais artistas africanos, que realizam uma obra consistente e em diálogo com o circuito internacional, mantendo a consciência da necessidade de fortalecimento de estruturas locais para o pleno desenvolvimento artístico no continente africano.

Ele falou sobre duas importantes exposições realizadas, a partir da Europa, com artistas africanos. Depois apresentou brevemente alguns artistas africanos e finalizou falando sobre seu trabalho artístico.

Iniciou apresentando a exposição “Magiciens de la Terre” - Magos da Terra, que foi realizada em 1989 no Centre Georges Pompidou como a primeira grande mostra que reuniu diversos artistas africanos na Europa. Sob curadoria do francês Jean Hubert Martin, 100 artistas de diversas nacionalidades dividiram o espaço expositivo em “pé de igualdade”. Martin convidou 50 artistas do “ocidente” entre europeus e americanos sobretudo e 50 artistas “dos países marginais”, principalmente africanos e latinoamericanos.

A mostra se tornou um dos marcos da arte contemporânea e, em particular, uma referência especial do campo da arte contemporânea africana.

Depois apresentou a mostra “África Remix; a arte contemporânea de um continente”, sob curadoria geral de Simon Njami, que foi apresentada pela primeira vez em 2004, em Dusseldorf e daí seguiu para Londres, Paris, também no Centre Pompidou, Japão, Estocolmo e África do Sul.

Se em Magiciens de la Terre a imagem pura e encantadora da arte africana foi atualizada, quinze anos depois, Africa Remix apresentou um campo artístico complexo, saturado e potente. Colocou evidente o enfrentamento das questões locais com alcance global, tendo em comum a condição pós-colonial e independente, com meios artísticos difundidos internacionalmente, embora não dissociados das práticas tradicionais africanas.

O artista africano seguiu ressaltando a dificuldade de realizar exposições e eventos deste porte e visibilidade na África, principalmente pela falta de estrutura, de espaços adequados e de um público consumidor de arte no continente. Defendeu a participação e a realização de mais eventos que incluam artistas africanos no circuito internacional e acredita que esta seja uma estratégia fundamental para dar visibilidade à produção atual do continente.

Destacou alguns artistas africanos que considera que os trabalhos possuem um discurso universal que vai além da importância da origem de cada um deles, como El Anatsui, Yinka Shonibare, Barthelemy Tuguo, entre outros. Depois apresentou algumas fotos dos trabalhos destes artistas e começou a falar sobre seu próprio trabalho. Sua produção artística é composta por instalações, pinturas, esculturas, desenhos e vídeos, e é freqüentemente descrita como povoada por figuras que misturam características humanas e animais. Muitas de suas obras também apresentam uma aproximação entre aspectos da cultura tradicional de sua região e elementos de modernidade.

A curadora americana, de origem européia, é especialista em arte moderna e contemporânea africana. Estudou a relação deste segmento com o mercado das artes em Londres.  Atual curadora de arte contemporânea do Museu de Arte Africana de Nova York,  sua fala foi pautada por aspectos conceituais a respeito da produção artística africana atual e pelo trabalho desenvolvido pelo museu americano.

Inúmeros intelectuais europeus, americanos e até brasileiros estão atualmente trabalhando com questões relacionadas com a produção artística da África e sua relação com o mundo, principalmente na diáspora africana.  Considero fundamental esses assuntos serem colocados em pauta a nível global, contudo é necessário a inclusão crescente de intelectuais, curadores, artistas e produtores culturais africanos nestas discussões.

O primeiro ponto colocado pela curadora americana foi uma questão que inicialmente parece estar relacionada apenas a semântica: Devemos utilizar o termo “arte africana contemporânea” ou “arte contemporânea africana”?

Apesar de na matemática aprendermos que a ordem dos fatores não alteram o produto, na linguagem e nas ações isso pode fazer toda a diferença.

Ela defendeu o uso do termo arte contemporânea africana, pois como curadora e crítica, acredita que é necessário primeiro se analisar o trabalho de um artista a partir de uma leitura conceitual e histórica, ou seja, se a obra é tradicional, moderna ou contemporânea, por exemplo. Contudo ela também reitera a importância  de aspectos regionais relacionados ao trabalho dos artistas africanos.

Realmente a tensão desta questão está muito presente atualmente, e mesmo para a curadora americana que defendeu, e ao meu ver com razão, o uso do termo contemporâneo antes do africano, o assunto é dialético.  Apesar do discurso recorrente a respeito da inserção da produção de artistas africanos no circuito internacional, estes ainda muitas vezes dependem de espaços, eventos e ações segmentadas e específicas para seu desenvolvimento, a exemplo do próprio Museu de Arte Africana de Nova York, do qual ela é a curadora.  

Entretanto, conforme ressaltou o artista africano, atualmente são necessários mais eventos, espaço e ações que coloquem a arte contemporânea africana e da diáspora em pauta.

Depois a curadora americana seguiu apresentando a história, as transformações, o momento atual e principalmente a construção da nova sede do Museu de Arte Africana de Nova York.

De 1984 a 2008 o museu era dedicado apenas à arte tradicional africana, contudo desde então vêm trabalhando também com arte contemporânea, sendo reconhecido internacionalmente como um espaço de difusão da arte e cultura da África e da diáspora africana.  Mudou o local da sede diversas vezes, até que  em 2007 começou a construção de um prédio definitivo e preparado para desenvolver um programa ampliado e adequado para o museu. Desenhado pelo celebrado arquiteto Robert Stern, está localizado na esquina da 5a Avenida com Rua 110, voltando a fazer parte do quarteirão dos museus em Manhanttan.  Com a nova estrutura poderá ter um calendário de exposições temporárias constantes, onde irá privilegiar individuais de artistas contemporâneos.

Seguiu ressaltando a importância do trabalho desenvolvido pelo Museu de Nova York para a difusão da produção africana atual e que atualmente existem importantes espaços específicos como esse e que cada um cumpre seu papel. Destacou  inclusive a singularidade do Museu Afro Brasil e importância deste para a difusão da produção africana e da diáspora no nosso país.

Fato que considero relevante pelo porte da coleção e pela estrutura do Museu Afro, que é um dos locais de referência na salvaguarda e difusão da cultura afro-brasileira. Trabalho desenvolvido com maestria pelo seu diretor e curador, Emanoel Araújo, cuja coleção particular deu origem ao acervo atual do museu e ainda a obra como artista dialoga com diversos aspectos da diáspora que são reconhecidos internacionalmente.

O perfil do artista-curador afro-americano se parece muito ao de Emanoel. Artista, curador, crítico, escritor, colecionador e diretor de um museu que também nasceu de seu acervo privado, o artista curador afro-americano começou sua fala com uma oração para seus ancestrais.

Com um estilo menos formal e acadêmico que os dois outros convidados, é a fusão do africano, que quer se afirmar, com a americana, que acha inquestionáveis suas afirmações. De maneira intelecto-sentimental aborda assuntos diversos sem seguir padrões narrativos cronológicos ou regionais.

Iniciou a palestra abordando a existência de um atlântico negro e classificando a arte africana em três grupos distintos; obras africanas, obras de estilo africano e obras neo-africanas.

Depois começou apresentar diversos artistas de diferentes partes do mundo que exemplificam os três grupos por ele apresentados. Artistas de estilos diversos são analisados por ele a partir de uma leitura que analisa aspectos segundo estas influências africanas nos trabalhos. 

Destaca africanos, europeus, americanos e brasileiros, no qual um dos destaques é o próprio Emanoel Araújo, cuja obra foi tema de um livro escrito pelo artista-curador afro-americano.

Após a apresentação destes artistas ele seguiu falando sobre o Museu de Arte e Origens, que fica localizado no Harlem e é dedicado a preservação e exposição de arte em relação com as origens.  Ele define este dialogo com a origens de maneira histórica e cultural, ambiental, ideológica e processual. O museu, segundo ele, realiza mostras de arte, classificadas como “trans era”, “trans world”, contemporânea e nativa, onde ambas estão conectadas com a inovação e a raiz onde nasceu a arte humana.

Após as três falas, uma série de perguntas e falas foram feitas pelos presentes, além de uma pequena apresentação de um professor americano que havia participado de uma mesa no dia anterior. Os temas debatidos questionaram muitas vezes as colocações dos três e serviu para um complemento de informações.

Destaco a relevância a respeito de outros importantes eventos citados por uma das pessoas da platéia, a exemplo da Bienal de Bamako e a Bienal de Dakar.

Acrescento também a Trienal de Luanda e toda a ação da Fundação Sindika Dokolo para difusão das artes contemporâneas africanas nos últimos anos, como na Bienal de Veneza e nos eventos que vem realizando em Salvador e São Paulo ao longo dos últimos dois anos. Além da estabelecida cena da África do Sul.

Depois a discussão seguiu a respeito da questão levantada pela curadora americana sobre como denominar a produção artística atual da África, contudo após algumas opiniões e comentários a respeito do tema, o artista-curador afro-americano solicitou o microfone e pediu que se encerrasse aquela discussão meramente conceitual e sem importância significativa.

Os três integrantes da mesa são o reflexo das discussões atuais a respeito de um tema que é fundamental para o mundo atual. Reconhecer a diversidade ao invés do discurso homogêneo em relação a África e perceber sua influência marcante no cenário internacional e histórico da cultura e da arte global, a partir de uma ótica contemporânea é algo essencial para fazermos uma nova aproximação com o continente. Apesar da relevância de muitos temas discutidos e do êxito do evento como um todo, ainda estamos distantes de perceber a cultura e sociedade atual do países africanos. Essa nova conexão e fluxo de idéias que começa a se estabelecer através da arte  poderá no futuro contribuir para compreendermos melhor a relação universal  e individual que temos com a África.

 

*Artista africano - Dominque Zinpke

**Curadora americana -  Lisa Binder

***Mestre Afro Americano - George Preston