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Perspectivas de desenvolvimento: a experiência da Rede Portuguesa de Museus

relato por Larissa Magioli – Relato da mesa “SISEM: articulando territórios” e da Palestra “Rede Portuguesa de Museus”

por Larissa Magioli

 

A apresentação de Isabel Victor, representando a experiência da Rede Portuguesa de Museus (RPM), seguiu o tom diagnóstico que Renata Motta havia iniciado ao falar do Sistema Estadual de Museus de São Paulo, o SISEM-SP. Sempre com o cuidado de não cometer uma simples transposição das escalas e realidades de Portugal ao estado de São Paulo, Isabel se deteve a sintetizar como se deu o processo de inserir os museus portugueses em rede, em uma tentativa de aludir ao momento vivido por São Paulo no cerne de todo o debate. Em Portugal, a iniciativa de ordenação dos museus a fazerem parte de um corpo denso de ações, compondo um ambiente de colaboração através da rede é facilmente identificável com a situação de mapeamentos diagnósticos com que o SISEM-SP lida hoje. Em 2000 foi criada a Estrutura de Projecto RPM, que em diante promoveu levantamentos por meio de inquéritos entre 2000 e 2003, presentes no Panorama Museológico de Portugal, disponível online. De fato as duas trajetórias metodológicas iniciais se assemelham muito, especialmente quando se trata dos conceitos utilizados de diagnóstico e de articulação em rede.

As perspectivas portuguesas para a organização e atuação da RPM se concentram, como no caso paulista, numa continuação pedagógica entre o conjunto de museus geridos de forma a promover não o controle de cada unidade, mas sim a conformidade com as normas gerais para que esta articulação na escala do país pudesse ser feita pragmaticamente. Estimular a comunicação entre os museus foi um método utilizado a fim de incrementar o contato e a unidade espontânea de ações que a rede poderia proporcionar, por meio da disseminação da informação não só a entre as unidades museológicas em rede, mas também com o público, a fim de se tornar mais presente. Visando também a qualificação dos equipamentos museológicos propriamente ditos e a qualificação profissional que pudesse viabilizar este crescimento institucional, a RPM promoveu uma base de dados, tal qual o SISEM-SP produz atualmente. Os eixos, neste caso, porém, não se distribuem pela temática praticada, mas por linhas fundamentais de ação. Elas são três: informação, formação e qualificação, que estão sempre aliadas a outra perspectiva fundamental, a da credenciação voluntária. Todas as informações constam no website da organização, incluindo formulários cadastrais e boletins online. Esta credenciação tem o mesmo espírito normativo para a inclusão das instituições à rede proposta. As duas organizadoras do conjunto em rede promovem uma série de requisitos às instituições participantes para que elas se adequem à noção dos programas praticados no âmbito da região, do país e articulando-se internacionalmente com os outros sistemas integrados.

Na apresentação do diagnóstico, assim como fez Renata Motta anteriormente, Isabel Victor conta um pouco da trajetória de legitimação e consolidação da coordenadoria da RPM. Um aspecto distinto levantado por ela como fundamental a esta formação foi a grande participação voluntária das associações municipais, o que nos permite reconhecer uma articulação, como tanto se foi dito hoje, mesmo antes de a rede existir. O objetivo comum entre os museus de se associar voluntariamente e, assim, propiciar uma presença mais consistente no território em que atuam, talvez seja a prova maior da necessidade de um corpo institucional que os coordene. A vontade de explosão e afirmação, neste caso, passam pela figura do conjunto consistente, estendido a todo o território. No caso português, constatou-se a distribuição geográfica muito desigual das unidades museológicas, o que se aferiu de forma um pouco distinta em São Paulo. Aqui, naturalmente o número de instituições é mais elevado nos municípios de maior visibilidade,  porém, espacialmente não se configurava a má distribuição; em Portugal, o mapa mostrava claramente a concentração em cidades litorâneas, em desequilíbrio. É bom destacar os limites do que o diagnóstico quantitativo pode oferecer. O número isolado de equipamentos museológicos presentes nos municípios e regiões não é capaz de proporcionar o entendimento de aspectos mais profundos das condições encontradas pelas organizações. O “Inquérito aos museus de Portugal” proporcionou analisar por números aspectos práticos à estruturação de ações conjuntas.

Além desta metodologia comentada, as referências internacionais constituem relevância no processo de desenvolvimento das políticas em rede em Portugal. Os casos de associações de museus de característica semelhante, como os da França (1955), da Catalunha (1992), do Reino Unido (1985) e dos EUA (1971) foram citados como exemplo à base da formação da RPM. Por meio de encontros documentados que produziram as principais linhas de ação, foram considerados dois tipos de apoio: o técnico e o de qualificação profissional. Através destes apoios, e em posse da definição de rede de Castells, definiram-se estruturas abertas que podem se expandir, em uma espécie de concentração descentralizada, tomando como base de todo o processo a consciência global das instituições em si em se voluntariar e cooperar com a rede, por códigos de comunicação. Por estar inserido no continente europeu, que reconhecidamente comporta os maiores avanços relacionados à esfera cultural, esta capacidade de percepção da necessidade de inovação das estruturas museológicas a fim de proporcionar uma troca constante com a sociedade em desenvolvimento foi fundamental. A lógica de rede já era presente nos discursos que dão subsídios ao debate e foram capazes de cooptar instituições e população para o entendimento da importância desta modernização. Pode-se dizer que o processo de formalização da RPM foi também muito bem assistida pela expectativa corrente nas organizações afins à museologia em geral.

É importante atentar para o modo como a comunicação entre museus e com o público é tratada, e como a mediação da RPM se faz presente. Neste aspecto a criação dos Boletins da RPM, disponíveis online, se mostra uma iniciativa muito bem vinda. A informação e atualização constante das diversas instituições que participam de um sistema articulado – a RPM é responsável pela articulação de 137 museus – é essencial ao progresso contínuo e à manutenção das bases constituídas. Este tipo de material produzido é um exemplos de ação que se torna essencial quando abordado em conjunto para que o desejo de maior participação museológica e cultural no território  permaneça ambicioso, como no início do processo de legitimação das redes formalizadas. Além disso, o fácil acesso a estes boletins no website da RPM tem o sentido de atingir democraticamente a população e de formalizar a autoridades públicas afins a importância da ação que se desenvolve – a Rede Portuguesa de Museus está inserida juridicamente na Lei Quadro dos Museus Portugueses. Promovendo a atualização e pressão por continuidade às políticas constantemente, estas peças de publicação podem contribuir de forma simples e direta para o incremento das políticas culturais museológicas também no caso brasileiro. O SISEM-SP demonstrou neste III Encontro Paulista de Museus a intenção de fazer da esfera comunicativa uma grande aliada no progresso da rede relacionada a seu território; neste aspecto, a RPM sem dúvida se faz uma referência real que pode ser seguida. Além dos imprescindíveis informes didáticos, está sendo finalizado no momento o documento do panorama museológico pesquisado entre 2004 e 2009, com caráter mais formal, que abastece as discussões de um futuro próximo.

Além da inserção apropriada perante as instâncias públicas jurídicas, outra linha de ação desta rede se dá na organização de atividades inovadoras paralelas e complementares ao incremento da articulação do museu com seu território. Alguma destas medidas modernizadoras são muito interessantes e têm o caráter de fato de atrair o público e acentuar a presença dos equipamentos culturais como um todo. Isabel Victor cita o exemplo do programa “5ª à noite nos museus”, exemplo claro de tentativa de adequação aos modos de vida da população na cidade contemporânea. Além de promover a visita mais democraticamente, cria, ainda, um pólo cultural de encontro e de convívio da sociedade, como um exemplo de como o equipamento museológico pode extrapolar seus limites físicos e suas barreiras conceituais para contribuir com o ambiente público, com a vivência da cidade e, portanto, em última instância, com a qualidade de vida dos habitantes por meio da cultura e da educação participativa. Estas linhas de ação são o que de fato diferem as estruturas atuais articuladas em rede, promovendo o debate cultural público, de modelos  conservadores, que encontram cada vez mais dificuldades em impor representatividade no cotidiano contemporâneo. O caso português demonstra ainda mais maturidade ao não confundir sua estrutura de intervenção entre iniciativas modernizadoras com atividades desvinculadas do contexto de sua inserção, que comumente pecam por excesso de referências e reverências aos pioneiros na questão. Um exemplo da representatividade local que os museus que fazem parte da rede oferecem é o caso da rede informal formada na região de Algarve, no sul de Portugal. “De baixo para cima”, como disse Isabel, esta pequena organização se estrutura baseada na voluntariedade populacional que visa o constante incremento das trocas e da participação efetiva na vida da região. Outro feito citado está localizado no bairro de Madragoa, em Lisboa, onde o trabalho do museu está diretamente relacionado à inserção da comunidade vizinha, estabelecendo diálogos fundamentais.

Através deste método de interpretar os dados e lançar uma série de ações conjuntas para desenvolver a presença das instituições museológicas de forma articulada no território, a RPM trata com cautela os diversos avanços que ainda precisam ser feitos, mas, sem dúvida, apresenta neste circuito de palestras um bom panorama conquistado pela organização em 10 anos de existência. Os comentários feitos pelos espectadores ao final deixam claro a boa impressão causada pela experiência portuguesa, inclusive no que diz respeito a um percurso que o Brasil pode seguir. A relação entre metas e estratégias, ainda um pouco confusas na fala da diretora do SISEM-SP – mesmo por conta da recente formalização da causa –, aparece na inserção da RPM bem disposta e associada ao contexto. As constantes reuniões a fim de promover o debate entre as instituições, a presença de material online, o sistema de museus polinucleados, com diversos campos de desenvolvimento, junto a ambições como a do novo formato e acessibilidade global física e psicológica, ao final, fazem sentido e encontram perspectivas otimistas de consolidação. Talvez a maior realização proporcionada pela RPM tenha sido, de fato, tornar a causa cultural o cerne de uma discussão muito maior, desta vez com conceitos e correntes de implementação mais diversos. Levar a modernização das estruturas museológicas do país às pautas públicas, levantando diversas possibilidades e agindo no sentido de configurar um cenário consistente é o que motiva a criação destas redes. A fim de prolongar ainda mais este debate, as possibilidades levantadas pelas apresentações desta manhã demonstraram que os caminhos podem ser trilhados por diversos pontos de partidas diferentes. A associação forte que a RPM vem conquistando tem o potencial da presença e da visibilidade tanto pública, governamental, quanto relacionada à indústria cultural e, com isso, viabiliza recursos para promover o desenvolvimento do território articulado em rede por meio da educação, turismo, economia criativa etc. Dá para imaginar o âmbito cultural mais valioso ao ambiente contemporâneo dessa forma.