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Curadoria: uma profissão-sintoma, Paula Alzugaray

Relato sobre a mesa 1 – “Curadoria – práticas e metodologia” do 1º Encontro Internacional de Curadoria.

No dia 17 de setembro, aproximadamente 40 curadores se reuniram de portas fechadas em uma ampla sala nos porões do Centro Cultural São Paulo. O local, cuidadosamente planejado e teatralmente iluminado, favoreceu a concentração total nos trabalhos propostos por este 1º Encontro Internacional de Curadoria. Após apresentação e introdução de Martin Grossman, idealizador do encontro e diretor do Fórum Permanente, os participantes, profissionais atuantes no campo da curadoria, foram convidados a se sentar em torno de quatro grandes rodas temáticas para discutir sobre questões candentes da prática curatorial na esfera da arte contemporânea.

À luz do tema “Curadoria – práticas e metodologia”, a mesa 1 teve mediação de Cristiana Tejo e reuniu Ana Letícia Fialho, Daniel Rangel, Juliana (...), Luisa Proença, Luisa Duarte, Daniela Labra, Gabriel Menotti, Alexandra Itacarambi e eu, Paula Alzugaray. Nas apresentações, apesar de um evidente ecletismo na formação dos profissionais atuantes na área, algumas coincidências curriculares: quatro curadores formados em jornalismo, uma curadora atuante na imprensa e outra com curso inacabado de jornalismo. Em vista desse cruzamento curricular, uma primeira questão me ocorreu, relativa à proximidade da critica e da curadoria com a produção jornalística. Mas o debate da mesa 1 foi iniciado a partir de uma frase lançada por Luisa Duarte, mencionando um comentário que lhe fora feito momentos atrás por Jorge Menna Barreto, artista e curador, também participante do Encontro: “Estamos sempre colhendo aquilo que não plantamos”.

A identificação imediata dos integrantes da mesa com essa colocação levantou uma primeira grande preocupação comum: a necessidade de tempo para reflexão e para pesquisa, em detrimento do volume de projetos a que um curador é submetido hoje. “De que maneira a versatilidade compromete a integridade?”, pergunta Cristiana Tejo. “Noto um déficit de concentração: as regras do capital não nos permite assumir um único caminho”, argumenta Luisa Duarte. Na posição de uma curadora independente, que complementa sua atividade em áreas tão diversas como jornalismo, documentarismo, critica e pesquisa acadêmica, eu pergunto à mesa composta por profissionais ligados a instituições como o Museu de Arte Moderna da Bahia, a Fundação Joaquim Nabuco, a Pinacoteca de São Paulo e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, se a curadoria institucional não oferece tempo e espaço suficientes para a requerida concentração em uma linha de pesquisa. Mas obtenho enfáticas negativas, por parte de Juliana, Daniel Rangel e Cristiana Tejo.

“A curadoria não tem autonomia para definir o seu projeto, que está submetido a interesses do conselho”, afirma Juliana. “A atividade do curador institucional não se resume a pensar a sua instituição, mas também articular conexões com outros museus, o que amplia consideravelmente seu espectro de preocupações”, diz Cristiana Tejo. As respostas nos remetem a uma realidade incontornável: a ausência de um pensamento curatorial na instituição brasileira, oportunamente apontada por Luisa Proença, jovem curadora que iniciou sua prática com o projeto “Temporada de Projetos na Temporada de Projetos”, no Paço das Artes, em 2009. Nesse primeiro tema discutido, esboçou-se uma resposta a uma das perguntas lançadas pelos organizadores do evento – Quais os principais desafios para as práticas curatoriais institucionais e independentes? Diríamos, sem muita hesitação: o fortalecimento das condições para a colocação em prática de um projeto.

No âmbito dessa discussão, Gabriel Menotti interveio com uma provocação interessante: Essa vontade de integridade, em uma prática que lida precisamente com a diversidade, não seria um contra-senso romântico?  Não seria uma ilusão procurar parâmetros universais que nos dessem a falsa impressão de integridade, em lugar de lançar mão de parâmetros diversos, variantes de projeto para projeto? Tocada pela provocação, respondo que não me interessa buscar um parâmetro único para reger todos os meus projetos. Mas almejo a integridade de uma rede, onde estejam contempladas as diversidades de uma forma integrada.

A discussão nos conduz à idéia de que pertencemos a um lugar instável. E que a curadoria no Brasil – já que nossa mesa estava formada apenas por profissionais brasileiros – expressa um sinal dos tempos. Trata-se de uma profissão sintomática de uma condição contemporânea e, portanto, se constitui de sobreposições. Na prática curatorial somam-se as funções de educador artista, critico, jornalista, diretor, produtor etc etc. Querer que essas atividades funcionem de forma autônoma, dissociadas, é voltar ao universo das especificidades, o que não é próprio de nosso tempo. A curadoria é, portanto, uma profissão-sintoma.

No decorrer da discussão ficou evidenciado outro desafio da prática curatorial, especialmente a institucional dentro do setor público, colocado especialmente por Daniel Rangel, Alessandra e Cristiana: seu papel social, seu trabalho para o público, buscando informá-lo e educá-lo, preenchendo suas lacunas. Mas a colocação gera outras questões: Quais os critérios para se definir o que é “educativo” e o que é de interesse público? Como o curador pode definir aquilo que deve chegar ao público?

“Qual a responsabilidade de um projeto curatorial?”, pergunta-se Luiza Proença. “Gosto de pensar nisso e acho que essa é uma questão tanto da curadoria institucional quanto independente”. Sem respostas diretas, mas certos de que pensar as necessidades do público seja uma tarefa do curador-educador, os integrantes da mesa seguiram em frente no sentido de buscar compreensões sobre os trânsitos e diálogos possíveis entre as praticas institucionais e extra-institucionais. Ana Letícia Fialho colocou a importância da permeabilidade entre essas áreas. Sempre que as instituições não fiquem à mercê das ofertas do ágil e heterogêneo mercado da arte. Logo ela emendou com outra questão: Como considerar a curadoria experimental hoje? Onde é possível o desenvolvimento de projetos experimentais? Juliana apontou para uma série de novos espaços em São Paulo e deu como exemplo o Beco da Arte. Mas Luiza Proença foi cética. “Pequenos espaços reproduzem a lógica institucional. São tão burocráticos quanto e tão sem projeto quanto”, aferiu.

Outra problemática levantada foi relativa aos processos e circuitos de legitimação tanto do artista quando do curador no Brasil. Especialmente frente à proliferação de curadores independentes. “A profissão do curador está inflacionada, mas nosso meio artístico está carente de outros profissionais. Faltam produtores, por exemplo”, apontou Daniela Labra. Quando o assunto é lacuna e legitimação, também entra em debate o papel da imprensa especializada e a crise da crítica institucional. Quem legitima? A crítica? O jornal? A mídia? Inevitável lamento coletivo relativo à ausência da sistematização de um pensamento sobre arte – papel das publicações.

Em suma, ficou claro que o desenvolvimento da atividade curatorial na próxima década vai depender de encontrarmos respostas para muitas questões que ficaram inconclusas aqui. E isso está diretamente relacionado ao estabelecimento de bases e condições para que o trabalho curatorial possa funcionar com mais qualidade – e em menor quantidade. A criação de bolsas de estudo e residências para críticos e curadores, e também a redução de exposições temporárias e extensão da duração de exposições de museus brasileiros, foram alguns dos caminhos propostos. Acima de tudo, o papel do curador na próxima década dependerá da instauração de um tempo alargado, a partir do qual se possa colher o que efetivamente se plantou.

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Número 2