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As últimas novas formas para o ainda mais provisório.

Relato de Mesa de debates que integra o programa do 33º Panorama de Arte Brasileira do MAM. Participantes: Carolina Tonetti, Ligia Nobre e Joschen Voltz. Mediação: Lisette Lagnado.

Por Gilberto Mariotti

 

Pavilhão enquanto conceito; enquanto forma emblemática de arquitetura na relação com a arte contemporânea; espaço de experimentação autocrítica da arquitetura, encruzilhada entre a permanência e o efêmero, entre o público e o privado. Cada vez mais associado ao espaço expositivo, o Pavilhão foi o tema disparador do debate desta noite no MAM-SP por ocasião da 33ª edição do Panorama, curada por Lisette Lagnado.

Daí a formação da mesa em face de duas instituições que assimilaram este formato no caminhar de suas coleções e curadorias: Instituto Inhotim e Serpentine Gallery. Não da maneira mais previsível, Ligia Nobre e Carolina Tonetti escolheram uma abordagem de alguns casos sediados no primeiro, enquanto Joschen Voltz concentrou-se no programa da segunda.

Carolina e Ligia traçaram um primeiro campo formado de exemplos em que o Pavilhão é problematizado como tal. Este sempre foi, do ponto de vista da arquitetura, uma obra especulativa, de teste de possibilidades de construção. Por outro lado, do ponto de vista da arte, ele parece ser quase uma hipertrofia da instalação. Nem bem um edifício, mas sem deixar de ser uma arquitetura, porta certo caráter auto-referencial, que oferece a possibilidade de uma auto-critica do pensar e projetar arquitetônico.

A partir de tais reflexões, alguns desdobramentos da relação entre os trabalhos comissionados por Inhotim e os espaços que os recebem foram propostos como exemplos: o pavilhão projetado para os trabalhos de Adriana Varejão seria uma colaboração precisa entre artista e arquiteto, não apenas uma relação de mediação, mas de rebatimentos entre obra e arquitetura. Já a relação entre o trabalho de Doris Salcedo e o espaço que o recebe se daria de forma um tanto quanto subserviente, reproduzindo as dimensões do espaço em que a obra se situava originalmente, resolvendo sua estada mais tecnicamente e atendendo suas demandas.

Mas quando em Inhotim o Pavilhão se torna de fato a obra? Segundo Ligia, isso ocorre no caso do trabalho realizado por Mathew Barney, em que o pavilhão consegue operar juntamente com o trabalho a partir de um engendramento comum.

Num paralelo com a Serpentine, Ligia e Carolina citaram também o pavilhão pensado conjuntamente por Ai Weiwei e a dupla de arquitetos Herzog e De Meuron, em que não há distinção entre arquitetura e arte. Artista e arquitetos reconhecem que não caberia mais um objeto a se produzir e priorizaram ali a busca de um lugar de encontro de maneira afinada. Tal paralelo parece ter vindo a propósito de basear um questionamento crítico feito pelas palestrantes para encerrar esta primeira fala. Para elas, o que Inhotim parece ressaltar é um abismo entre arte e cultura. Apontam a falta de uma curadoria de arquitetura que pudesse problematizar o espaço, como ocorre na Serpentine em seu programa anual de comissões. Como instituição, caberia a Inhotim propor dinâmicas para a solução de situações como a de sua desconexão com seu entorno, sendo exemplo disso a falta de acesso dos habitantes de Brumadinho ao parque, que poderia ser trabalhada de modo muito rico pela arquitetura num programa que a trouxesse para a discussão destes temas, e não apenas demandasse dela a mediação entre público e obra.

Talvez Joschen Voltz, curador de Inhotim, tenha conseguido dar conta de tais questionamentos ao conectá-los com o relato do trabalho do artista Rirkrit Tiravanija em Inhotim, o Palm Pavillion. A referência inicial do trabalho é a Maison Tropicale, projeto de Jean Prouvé, comissionado para desenvolver residências pré-fabricadas para as colônias francesas na África. Um protótipo foi montado em paris em 1948 e em 2000, no Congo, três casas que haviam sido esquecidas foram desmontadas e trazidas de volta à Europa. Estas se tornaram obras de arquitetura colecionáveis e passam a viajar pelo mundo neste status, até 2010.

Joschen chama a atenção para a mudança de função do projeto, afinal as casas  eram ferramentas para a colonização e Tiravanija cria a partir delas uma cópia subversa do projeto para a Bienal de São Paulo, com uma grande quantidade de palmeiras e duas projeções internas: uma seria a colagem de propagandas em que podemos ver o uso de imagens da palmeira, e a outra um filme em contínuo que mostra palmeiras reagindo ao impacto de uma bomba nuclear em teste.

O projeto se tratava então de um Pavilhão dentro do Pavilhão da Bienal. E depois de pronto, o deslocamento se repete, visto que também viajou pelo mundo desdobrando-se em várias versões, e só depois é comprado por Inhotim. Este, segundo ele, é o único projeto realmente chamado do Pavilhão, entre todos os outros, chamados de galeria.

Refazendo o paralelo proposto pelas debatedoras, Joschen detém-se no contexto mais específico da Serpentine, em que a transitoriedade é colocada como uma das principais demandas a todos os arquitetos que são convidados a pensar projetos, com duração de quatro meses.  O programa da Serpentine é, portanto, um lugar de transitoriedade programada em que a arquitetura é ao mesmo tempo abrigo para eventos (que geram retorno para a instituição) além de ser, em primeiro plano, o evento em si mesmo.

Segundo Joschen, os arquitetos internacionais trabalham por um “fee simbólico”, a Serpentine depende de patrocínio constante; produtores de material de construção oferecem apoio, o que significa, na prática, a doação de material, por verem no programa um espaço significativo para a divulgação de seus produtos. Deste modo podemos pensar a natureza do formato Pavilhão e seus últimos desdobramentos como signo do processo de transformação da relação entre arte e arquitetura, obra e espaço no século XX, em consonância com os valores do capitalismo mais recente, a começar pela priorização do provisório sobre o permanente. Talvez uma forma arquitetônica emblemática da própria maneira de operar do capital imaterial: adaptável a diferentes situações, flexível quanto à demandas variantes e, por outro lado, suporte competente para marcas de produção cultural de modo a mantê-las facilmente reconhecíveis mundialmente.

Mas não se mostra aqui algo de inédito quanto à relação entre capital e arquitetura. Ao fim do debate, Carolina Tonetti explora uma colocação feita por Voltz, a de que alguns arquitetos tem se oferecido para pensar projetos para Inhotim a preço de custo. Ela pergunta: qual seria o critério de acondicionamento de arquitetos em Inhotim? O que vai incluso na pergunta, é que Inhotim, assim como ocorre na Serpentine Gallery, pode ser também um Pavilhão de divulgação, atualizando o papel de prospecção das grandes exposições universais que inauguraram o século XX  e que deram origem às nossas já desgastadas Bienais – na de Veneza, sintomaticamente, os pavilhões permanentes se conectam diretamente aos jardins (I Giardini), e a partir daí esta “confusão semântica” entre pavilhão e galeria começa a ocorrer de forma mais acentuada. Neste sentido, nem tanta coisa parece ter mudado enquanto demanda do grande mercado à arte e arquitetura.