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Arco 2008: sobre feiras e bienais, por Fabio Cypriano para o Fórum Permanente

A expansão do mercado de arte tem sido um fenômeno que, cada vez mais, ganha visibilidade. Se bienais tendem a se multiplicar pelo mundo afora, feiras de arte seguem a mesma tendência. Johanesburgo e Dubai são duas cidades que, recentemente, por exemplo, passaram a sediar feiras.

Para alguns críticos, aliás, feiras e bienais tornaram-se um mesmo tipo de situação na cena contemporânea. Por isso, tem sido crescente a reflexão em torno do papel do mercado, como o número especial que a revista “Artforum” dedica ao tema em sua edição de abril deste ano.

Tendo o Brasil como país convidado, a 27ª Arco, em Madri, que estava em certa decadência frente às feiras ora com maior importância _Basel, Basel Miami Beach e Frieze_ buscou reestruturar-se, revelando, ao menos parcialmente, o que tem sido essa aproximação com o universo das bienais.

Em primeiro lugar, é evidente que a arte contemporânea faz parte da esfera de consumo de luxo, o que se mostra com patrocínios de marcas desse porte, como Hugo Boss, Cartier, Chanel, Prada, etc. e os eventos que tais empresas produzem em torno de seu mecenato. Sendo assim, esse universo impregnou o mundo das feiras: salas VIP, aberturas VIP, jantares VIP, festas VIP, tudo para dar a impressão da exclusividade e da importância do colecionador, seja ele privado seja representante de algum museu, assim como são “exclusivas” tais marcas.

De certa forma, essa estratégia foi desenvolvida em Basel e Basel Miami Beach por Samuel Keller, ex-diretor de ambas as feiras. Seu carisma foi tamanho que, ao deixar o cargo, no ano passado, seu posto foi ocupado por três sucessores: Annette Schönholzer, Marc Spiegler e Cay Sophie Rabinowitz. A divisão do poder em uma tríade, segundo se comenta em Basel, foi uma opção contra a personalização imprimida por Keller.

Esse universo de luxo e glamour, vinculado a uma expansão de compradores de arte e financiadores de museu, em grande parte graças ao dinheiro que a China tem movimentado, tornou as feiras a meca do circuito dos especialistas de arte, chegando ao mesmo patamar da Bienal de Veneza, até então o único destino consensual para a peregrinação dos colecionadores VIP.

No entanto, feiras são mesmo como bienais? Tendo em vista o que se viu na Arco, é fácil responder a essa questão negativamente. Em qualquer exposição de arte contemporânea importante, seja bienal ou de qualquer outro formato, a pintura é um suporte minoritário. Em Madri, a pintura era onipresente e em número muito superior a qualquer outro suporte.

Esse predomínio da pintura é conhecido há anos. Meio mais valorizado, que ainda mantém aura de autenticidade, ele é segurança de investimento. Mesmo com Andy Warhol superando Picasso em vendas, no ano passado, como divulgou o site “Artprice” (web.artprice.com) a lista dos dez artistas mais comercializados deixa a pintura em total vantagem 1.

Esse perfil conservador do mercado também foi reconfigurado por Keller com mostras paralelas, projetos especiais com curadorias, debates, assumindo modelos estranhos aos tradicionais formatos de uma feira, buscando aproximar-se de práticas de mostras de arte contemporânea. Dessa forma, Keller agregou ao mercado procedimentos um tanto experimentais, agradando ao público de fato especializado de arte contemporânea.

Tal caso, na Arco desse ano, tinha uma interessante visibilidade. Tanto o espaço dedicado ao Brasil quanto os projetos especiais _ “Performing Arco”, com uma programação de performances; “Expanded Box Pantalla”, dedicado às novas mídias e “Solo Projects”, salas organizadas por curadores convidados_ estavam no segundo piso da feira, separado por uma escada um tanto escondida. Era impossível percorrer com tranqüilidade esse segundo piso _de fato o mais interessante da feira, após o recorrido pelas dezenas de galerias no andar inferior.

Com isso, vê-se como há, mesmo com certa maquiagem no formato da feira, o que realmente interessa ao mercado mantém seu lugar de honra. Mesmo assim, é importante salientar que a nova diretora da feira espanhola, Lourdes Fernández, promoveu uma limpeza geral no evento, dificultando a entrada de galerias com perfil apenas modernista, barrando sua entrada ou dispondo-as em cantos um tanto obscuros.

Outro ponto interessante de uma feira como a Arco é perceber como o mercado busca um tanto tardiamente dar espaço a artistas que, durante anos, estiveram à margem dele. Nesse ano, Marina Abramovic esteve entre as dez artistas com maior visibilidade na feira2. Somente ela e outros nove artistas estavam expostos em no mínimo seis locais distintos da Arco, sejam galerias sejam espaços institucionais.

Aqui, nota-se novamente a discrepância entre bienais e mercado. Abramovic ganhou o Leão de Ouro da Bienal de Veneza há mais de dez anos, em 1997, e só agora chega ao mercado de forma significativa.

Os demais “top ten” da Arco foram: José Manuel Ballester (foto e pintura), Pedro Cabrita Reis (pintura e escultura), Günter Forg (pintura), Luis Gordillo (pintura), Katharina Grosse (pintura), Imi Knoebel (pintura), Antoni Muntadas (diversas mídias), Julião Sarmento (pintura), Antoni Tapies (pintura).

Como se percebe, nessa lista também a pintura é maioria absoluta, mesmo que com coloração local: há uma boa quantidade de artistas espanhóis e portugueses, obviamente devido ao local da feira. Mesmo assim, é impossível considerar que esses sejam os dez artistas mais vistos em mostras contemporâneas. Thomas Hischhorn, por exemplo, um dos artistas com maior visibilidade na cena atual, estava representando em apenas uma galeria, o que também aconteceu com o brasileiro Cildo Meireles.

A tonalidade regional também revela descompasso com os eventos de arte contemporânea. Apesar de Muntadas ser mesmo dos mais notáveis em bienais, a presença de Santiago Sierra em apenas uma galeria é totalmente dispare de sua freqüência em bienais.

E entre os brasileiros? Nesse caso, apenas seis artistas conseguiram ocupar ao menos quatro espaços distintos na feira: Waltércio Caldas, Nelson Leirner, Vik Muniz, Rosângela Rennó, Miguel Rio Branco e Daniel Senise.

A pintura é minoria e revela ausências dignas de nota: Beatriz Milhazes e Adriana Varejão, duas pintoras nacionais com imenso destaque no mercado internacional não tinham obras na feira. Com isso, a fotografia tornou-se o suporte mais representado.

No caso brasileiro, revela-se que não se trata de um perfil conservador em sua composição, em parte pelo país ser convidado especial do evento, levando galerias de outros países a também exibirem artistas brasileiros.

Por outro lado, isso revela o quanto alguns artistas conquistaram mercado internacional, refletindo seus posicionamentos em mostras importantes. Fato, contudo, é que, visibilidade no mercado só tem artista que em algum momento alcançou posto importante no circuito internacional, mesmo que há dez, vinte ou trinta anos. Por isso, é muito difícil colocar num mesmo nível os dois tipos de evento. Mostras do tipo bienais são plataformas de lançamento, enquanto feiras estão mais para altares. 
 

Fabio Cypriano é doutor em Comunicação e Semiótica, professor da PUC-SP, repórter e crítico da Folha de S.Paulo.