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Arte, experimento e aprendizado, Jorge Menna Barreto

relato por Jorge Menna Barreto - Agulhas Negras - Segundo dia

 

O segundo dia foi dedicado a pensar questões relativas a práticas educativas e de como o projeto Agulhas Negras contribui para uma reflexão acerca deste tema, usando como referências conceituais o livro "O Mestre Ignorante" de Jacques Ranciére e a experiência do Black Mountain College.

Em sua apresentação, Ellen Blumenstein arriscou uma primeira aproximação entre o projeto Agulhas Negras e o Black Mountain College, pelas suas formas de se posicionar geograficamente, pois ambos buscavam um afastamento das cidades. Black Mountain estava situada perto da cidade de Nashville, Carolina do Norte, EUA; Agulhas Negras em Campos do Jordão, São Paulo.

A convidada da noite para discutir o projeto foi Carmela Gross, que iniciou sua fala fazendo uma retrospectiva de sua carreira como artista, mas principalmente como educadora, e os referenciais teóricos e conceituais com os quais teve contato a partir da década de 1960, entre eles o Black Mountain College. Nas palavras da artista, aquela escola "nos deixava siderados". Ter aulas com John Cage, um palestrante como Albert Einstein ou um colega de aula como Robert Rauschenberg eram alguns dos motivos de tamanha admiração.

Foi então que Carmela iniciou suas provocações em relação ao projeto Agulhas Negras, primeiramente perguntando qual seria então a aproximação proposta pelas curadoras com o Black Mountain College. Tal pergunta veio acompanhada da constatação de uma discrepâncias entre as duas iniciativas, a começar pelo tempo da experiência que cada uma propunha: Black Mountain College, 4 anos; Agulhas Negras, 2 semanas, seguida pelo lugar que ocuparam. Em relação ao afastamento das cidades, Black Mountain College ficava em um local remoto, em um prédio no qual o risco de ser despejado, conforme Carmela, era constante. Agulhas Negras aconteceu em uma região onde a classe alta paulistana passa seus finais de semana, na confortável casa de uma galerista famosa de São Paulo, Nara Roesler.

Para Carmela, este tipo de situação protegida e confortável em que os artistas do Agulhas Negras se encontravam, somados ao guarda-chuva institucional dos apoiadores do projeto, diminuiriam a situação de "risco" na qual os artistas da década de 1960 estavam. E foi a questão do risco que gerou maior discussão. O que era uma situação de risco na década de 1960 e como, e se, isto se atualiza?

Para Fernando Oliva, curador que se encontrava na platéia, pensar na idéia de risco da década de 1960 seria improdutivo. Para ele, "hoje corremos risco o tempo inteiro", referindo-se ao mundo da arte, mas sem aprofundar o assunto. Para Amilcar Packer, o risco estava em ausentar-se de sua casa por 3 semanas, por exemplo, e dos compromissos deixados para trás. A resposta mais consistente ficou por conta da artista participante do projeto Annette Weisser, para quem a idéia de risco é diferente para a "nossa geração". Colocou que "não há mais radicalidade em deixar o mundo da arte", como o fez Black Mountain College, "mas sim em pensar novas formas de colaboração, ou uma resistência ao sistema". Carmela, que até então mostrara uma postura inquieta e crítica em relação ao projeto, concordou com Anette e pela primeira vez manifestou um ponto de interesse.

A postura combativa adotada por Carmela durante o encontro é muitas vezes associada à geração que produzia arte durante as décadas de 1960 e 70, época de formação da artista. Hoje esta posição pode ser considerada romântica, idealista, ou nostálgica, como se não tivéssemos mais adversários contra quem lutar, ou, como se a luta se desse com outras armas. Talvez, como Oliva traz, seja improdutivo agir como fizeram os artistas daquelas décadas.  No entanto, e aí falo do contexto brasileiro, não há nostalgia possível, pois pouquíssimo se sabe sobre o que aconteceu por aqui. Os experimentos educativos relatados por Carmela, por exemplo, foram recebidos com admiração e surpresa, pois eram completamente desconhecidos pelo público, incluindo os brasileiros. As experiências que teve com alunos na praça da Sé nos domingos durante 8 anos provam o tipo de radicalidade combativa do qual talvez poderíamos sentir nostalgia. Ou, também poderíamos considerar estas ações românticas, mas grave é não saber da sua existência.

No Brasil, pouco nos conhecemos, e talvez seja um sintoma que para discutir educação, experimento e arte o grupo do Agulhas Negras tenha eleito um autor francês e um colégio norte-americano. Não se trata de elogiar o que é do Brasil, mas se pensarmos que nenhuma produção consegue transcender as especificidades de seu contexto, fica o desejo de ampliarmos mais a discussão para que aborde, por exemplo, a ação-reflexão do educador brasileiro Paulo Freire, que aliás publicou seu primeiro livro justamente em 1967.

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Número 2