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O local e o global na formação e na prática do curador

Relato abril - "O curador e sua formação", por Hugo Fortes

A partir de suas vivências individuais, os curadores Cristiana Tejo e Inti Guerrero apresentaram um interessante panorama a respeito de questões relativas ao pensamento e a prática curatoriais. De maneira geral, entre as questões discutidas destacaram-se as seguintes:

 

- a curadoria enquanto articulação de pensamento, construção de discurso e produção de sentido.

- a formação curatorial nas escolas de curadoria internacionais versus a formação através da vivência prática na realidade brasileira.

- diferentes estratégias de exibição e circulação do trabalho artístico: exposição, publicação, projeção comentada, residência artística, etc.

- as relações curador/artista/instituição: papéis sociais, conflitos, limites e colaborações.

- atribuições e tarefas do curador.

- os contextos regionais, nacionais e internacionais como fatores determinantes da prática curatorial.

 

Embora os palestrantes concordassem em muitos dos aspectos apresentados, sua formação pessoal distinta e suas vivências individuais apresentaram pontos bastante contrastantes, o que enriqueceu as discussões durante a oficina. Enquanto o colombiano Inti Guerrero adquiriu seus conhecimentos no programa de formação de curadores da escola internacional De Appel, localizada na Holanda, a brasileira Cristiana Tejo aprendeu seu ofício diretamente na vida prática, já que no Brasil apenas recentemente surgiram programas de formação de curadores, ainda em desenvolvimento.

A diferença de contextos em que atuam os dois curadores foi bastante marcante. O discurso de Inti Guerrero concentrou-se na apresentação do pensamento e da pesquisa curatorial desenvolvida para a realização das exposições organizadas por ele. Entre as curadorias apresentadas, foram citadas a exposição “A cidade do homem nu“, no MAM de São Paulo e a projeção comentada de vídeos “Duet for Cannibals“ no Tropentheatre - Royal Tropical Institute of Amsterdam. Foi interessante notar que, na atuação de Inti Guerrero, o pensamento curatorial não se constrói apenas com as obras de arte, mas também através da inserção eventual de documentos de época, imagens da mídia ou até mesmo no desenvolvimento do material gráfico da exposição. Em seu discurso, pode-se perceber o grande interesse pela pesquisa, ancorada pela leitura de textos filosóficos e críticos e favorecida pelo longo tempo de que o profissional dispõe na Europa para a preparação de suas exposições. A facilidade de deslocamento internacional e o ambiente altamente profissionalizado, rico em recursos e institucionalizado do contexto europeu auxiliam o desenvolvimento do trabalho do curador, possibilitando que ele busque uma “sintonia fina” de suas proposições curatoriais.

Já as colocações de Cristiana Tejo destacaram as dificuldades de desenvolvimento do trabalho do curador no contexto brasileiro, mais especificamente no nordeste. Em uma localidade com pouca intimidade com a arte contemporânea, o curador assume, sobretudo, um papel desbravador e torna-se responsável pela formação de novos públicos para a arte, buscando eliminar preconceitos e atitudes provincianas. Cabe ao curador, enquanto articulador atuante na esfera cultural, problematizar as relações entre as culturas regionais, nacionais e internacionais, valorizando o que é local, porém buscando um diálogo ativo com o contexto artístico global. Neste sentido, foi citado várias vezes, tanto por Cristiana Tejo, como por Inti Guerrero, o conceito de antropofagia cultural, sobretudo através da interpretação realizada por Paulo Herkenhoff na curadoria da 24ª. Bienal de São Paulo, tida como paradigmática e exemplar por ambos palestrantes.

Cristiana Tejo salientou ainda a necessidade de um certo “jogo de cintura“ dos curadores no trato com as instituições, com os artistas e com o público local, já que para se realizar uma exposição, não se trata de simplesmente impor a vontade do curador, mas sim torná-la compreensível e convincente para os mais diversos públicos, sabendo contornar as dificuldades, sem prejudicar o desenvolvimento do pensamento artístico e curatorial. Apesar de Cristiana Tejo ter se concentrado em sua apresentação na discussão das exposições por ela realizadas à frente da Fundação Joaquim Nabuco, no MAMAM e na Torre Malakoff, todas no Recife, pode-se notar, em sua fala, sua grande articulação com o contexto internacional e seu engajamento na ampliação de horizontes da formação de curadores e artistas brasileiros.

Embora bastante diversas e contrastantes, as posturas de Cristiana Tejo e Inti Guerrero foram, de certa forma, complementares. As discussões foram ainda enriquecidas pela contribuição ativa dos participantes da oficina. Entre eles havia artistas, curadores, professores, arte-educadores e produtores culturais de diversos estados do Brasil, como São Paulo, Minas Gerais, Amazonas, Goiás, além de um participante da Espanha e uma de Cuba. Embora o tempo para a apresentação individual de cada um tenha sido bastante curto, o conhecimento das realidades e anseios de cada um foi bastante enriquecedor, fazendo com que os conceitos de arte e curadoria fossem a todo momento ampliados e revistos. Ao invés de fechar em conclusões definitivas, a oficina lançou perguntas aos participantes e aos próprios palestrantes, que certamente ecoarão em suas atividades e pensamentos futuros.

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