Brumados de educações

Relato do 1° Seminário Internacional de Arte e Educação - Instituto Inhotim por Cayo Honorato

Relato sobre a primeira mesa do primeiro Seminário Internacional de Arte e Educação do Instituto Inhotim, intitulada "Construindo redes de trabalho coletivo. Práticas artísticas em relação a projetos educativos", com os artistas Jarbas Lopes e Lucia Koch, em 24/08/12.

Por Cayo Honorato

"Nós nos preocupamos com a vida", diz um funcionário, responsável pela segurança na instituição. A ponto de entrar com sua jangada improvisada, em um dos lagos de Inhotim, junto ao Centro de Educação, o artista Jarbas Lopes deve esperar pelo colete salva-vidas. Espera consumada, lá vai ele, à maneira dos que correm o perigo de buscar sua sobrevivência ou destino. Com seu remo exageradamente longo, um trilho de porta corrediça, ele perfura a superfície especular. A incidência do sol no trilho metálico parece por-lhe nas mãos um raio de luz. Pela primeira vez, muitos terão feito ideia da profundidade do lago colorido; um sinal de que o artista também desfaz ilusões?

Mas eis que o vemos desaparecer. A jangada some por debaixo do Centro, através do qual o lago continua. Espera semelhante à anterior, com a diferença de que os olhares do público não mais têm um centro. "O que faremos sem o artista?" Os participantes o procuram. De repente ele reaparece, na porção do lago que o átrio vazado do edifício emoldura. Já não veste o colete, não veste mais nada. Da jangada ele salta no gradil em torno do átrio, para então chacoalhar-se todo, como se tentando imprimir à estrutura o mesmo movimento. Antes disso e depois, ele grita para o céu e pronuncia para o público: "névoas de abstrações, brumados de abstrações..."

Assim começou o primeiro Seminário Internacional de Arte e Educação do Instituto Inhotim, com o propósito de "reunir programas e projetos que atuem com formação continuada envolvendo jovens em comunidade". Mais particularmente, o Seminário se propôs, como se podia ler no programa impresso do evento, analisar "como práticas artísticas podem instaurar ambiências para contatos sociais e participativos", e ainda, "como processos educativos que levam em conta práticas artísticas podem colaborar para a formação de jovens em comunidade", entre outras ações.

Tudo isso, de algum modo, foi reafirmado por Jochen Volz, diretor artístico da instituição, em sua fala de abertura do Seminário; um projeto que, segundo ele, vinha sendo pensado há muito tempo. Segundo Jochen, o trabalho de arte-educação em Inhotim se estrutura a partir de atuações artísticas presentes no acervo; o que o programa do evento trata de ressalvar, chamando atenção para as relações da instituição com "seu contexto e com as comunidades que constituem o seu territóro". Em todo caso, para ele, é muito importante que o Seminário tenha se iniciado com a presença de três artistas em seguida; de fato, mesas com artistas abriram e fecharam o evento.

Mas tal ênfase não pode ser tomada isoladamente. Nos últimos seis ou sete anos, multiplicaram-se os projetos artísticos de diferentes maneiras ligados à educação, juntamente com as possibilidades de atuação dos educativos institucionais enquanto espaços de investigação, assim como as referências disponíveis sobre esse fenômeno, que se convencionou chamar de "virada educacional". Atenta a algumas de suas facetas, Claire Bishop (2011 e 2012) argumenta que esse "campo emergente da arte" se desenvolveu a partir das práticas relacionais dos anos 1990, atribuindo conteúdos a modalidades de convívio, mas também a partir de proposições artísticas cada vez mais discursivas ou intelectuais; com os devidos créditos a alguns de seus principais precursores, de Beuys ao Group Material e Martha Rosler. Para Bishop, os projetos que isso abarca podem tanto significar a criação de comunidades por meio da energia de ideias compartilhadas (cf. por exemplo: Thomas Hirschhorn. The Bijmer-Spinoza Festival, 2009), quanto providenciar recursos formativos diante de demandas específicas (cf. por exemplo: Tania Bruguera. Arte de Conducta, 2003-2009). Contudo, eles teriam um denominador comum: "um compromisso com o pensamento experimental sobre a relação entre arte e sociedade, e um desejo de preservar um espaço coletivo de investigação não burocratizada".

Certamente, não se poderia deduzir a mesma genealogia para o que ocorre no Brasil, onde os legados da participação (via Hélio Oiticica, Lygia Clark etc.) e da pedagogia crítica (via Paulo Freire) terão cada um suas próprias nuanças, contaminados certamente por outras referências. Em todo caso, se é possível reconhecer contribuições daqueles projetos à educação, sejam elas atitudinais ou metodológicas, não é certo que eles respondam às demandas concretas dos processos educacionais, muito menos que se responsabilizem pelos problemas desse campo. Por sua vez, o ensino da arte ou a educação artística dificilmente sustentam o saber da arte, isto é, a inteligência e a senbilidade especificamente artísticas, como seu plano de referência e atualidade; o que faz dessa chegada dos artistas algo bem-vindo. No entanto, como argumenta Pablo Helguera (2011), artistas, curadores e críticos têm empregado o termo "pedagogia" de forma liberal, de modo que se deva perguntar: "o que, especificamente, está sendo ensinado ou aprendido, e de que forma". Afinal, para ele, "os artistas muitas vezes trabalham a partir de uma série de ideias erradas a respeito da educação, que impedem o desenvolvimento de contribuições realmente críticas e pensadas".

A esse respeito, a ênfase de Jochen na centralidade dos artistas, positivando suas atuações e o acervo da instituição, enquanto referências primordiais para o trabalho dos educadores, sem questionar nem mesmo apresentar as modalidades de educação efetivamente aportadas por esses artistas, pode terminar retraçando uma indesejável hierarquia entre a arte e a educação, entre os artistas e os educadores. Não se pode afirmá-lo, mas é como se, do seu ponto de vista, o saber da arte fosse uma propriedade dos artistas, se não do acervo da instituição; um saber que os educadores ou mediadores, no trabalho mesmo ao qual se dedicam, não poderiam elaborar. Mas a visão do curador não será o mais importante aqui.

Apresentando-se como quem toda a vida, desde antes de ser artista, trabalhou com educação, Lucia Koch, de início, reitera a crença de que a arte forma, de que ela é capaz de mobilizar o sujeito e fazer com que as pessoas construam conhecimento; o que provavelmente a artista não sustentaria, a julgar pela atenção que demonstra à sua relação com esses sujeitos, caso se identificasse tal crença a uma espécie de propriedade mágica da arte, capaz de produzir aqueles efeitos a partir de si mesma. Lucia não parece cair nas armadilhas do voluntarismo, nem do empreitamento da vontade do outro. Mas sua ênfase na colaboração, que para ela significa mergulhar num terreno desconhecido e dar espaço ao pensamento divergente, não diferencia colaboração de educação.

Os problemas dessa confusão aparecem quando se considera que metade dos projetos que ela apresentou, na verdade, tratam de colaborações entre artistas profissionais; que nenhum deles trata de colaborações entre a artista e estudantes, como se poderia esperar. Por certo, em pelo menos um caso, talvez o mais interessante deles (quando nos mostra as intervenções nas casas de moradores do Jardim Miriam, em São Paulo), a artista colabora com jovens artistas, em um contexto que, diferentemente do previsto, acabou se tornando formativo. Nesse caso, ainda que se considere tais categorias de maneira mais elástica, é importante notar como "colaboradores" parece preterir "estudantes", justamente, em nome de outra educação; o que de algum modo já foi proposto há mais tempo.

Em 1861, um grupo de alunos da Escola de Belas Artes de Paris pede a Courbet que os inicie no Realismo. A experiência dura somente alguns meses. Em uma carta, publicada em um jornal, o artista se justifica aos alunos: "Eu não posso, portanto, ter a pretensão de abrir uma escola, de formar alunos [...]. Eu não posso senão explicar aos artistas, que serão meus colaboradores e não meus alunos, o método pelo qual, a meu ver, alguém se torna pintor [...]. Para tanto, a formação de um atelier coletivo, lembrando as colaborações muito fecundas dos ateliers do Renascimento, pode certamente ser útil e contribuir à abertura de uma nova fase da pintura moderna". (1986, pp. 14-15, grifo meu) No caso de Courbet, a colaboração coincide com a negação do ensino. Para ele, no entanto, a arte era completamente individual, e a negação do ensino significava deixar a cada um a direção de sua própria individualidade. Para Lucia, ao que parece, a colaboração não nega a educação. Mais do que isso, ela se torna um lugar em que essa individualidade artística pode ser transformada; ainda que o desejo de cada um tenha de comparecer, mas um desejo que agora deverá ser negociado.

Todavia, a mesma atenção não se mantém em relação aos participantes do Seminário, que não eram estudantes nem colaboradores da artista; embora estivéssemos diante de uma das raras vezes em que, segundo ela, aquelas intervenções são mostradas. Sua preocupação em esclarecer que se tratava de uma troca talvez tenha se esquecido de que, na palestra, reproduz-se o que antes se tentou evitar: a disponibilização de uma narrativa a um público subsequente, sobre uma experiência consumada em outro lugar. Desse modo, se a educação não deve admitir espectadores, a palestra não terá sido educacional nos mesmos termos. De fato, a comunicação dessas experiências, ou ainda, a exposição de suas possíveis relações a contextos que as excedem, como percebe Bishop (2012, p. 272), continua sendo um problema aos artistas e, por extensão, àqueles que pretendem avaliá-las.

Por sua vez, convidado para falar de sua participação, durante toda a semana precedente ao Seminário, no Laboratório Inhotim, que é talvez o principal programa de formação continuada de jovens da instituição, Jarbas optou por claudicar na rememoração de sua própria formação, entre outras "abduções". O que mais se pode querer? Talvez sempre fique o que não foi dito.

 

Referências
BISHOP, Claire. The new masters of liberal arts: artists rewrite the rules of pedagogy. [2007] In: ALLEN, Felicity (ed.). Education.Cambridge; London: MIT Press; Whitechapel, 2011, pp. 197-201.
BISHOP, Claire. Pedagogic projects: "How do you bring a classroom to life as if it were a work of art?". In: ___. Artificial hells: participatory art and the politics of spectatorship. London: Verso, 2012, pp. 241-274.
COURBET, Gustave. Peut-on enseigner l’art? [1861] Paris: L’Echoppe, 1986.
HELGUERA, Pablo. Transpedagogia. In: HELGUERA, Pablo & HOFF, Mônica (orgs.). Pedagogia no campo expandido; tradução de Camila Pasquetti, Camila Schenkel, Carina Alvarez, Gabriela Petit, Francesco Settineri, Martin Heuser e Nick Rands. Porto Alegre: Fundação Bienal do Mercosul, 2011, pp. 11-12.
KESTER, Grant. The one and the many: contemporary collaborative art in a global context. Durham; London: Duke University Press, 2011.
O’NEILL, Paul & WILSON, Mick. (eds.). Curating and the educational turn. Amsterdam: Open Editions, 2010.

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