Paradigmas expográficos: contextos e fissuras

Comunicações: dia 09 de agosto, 17:20h. Coordenação: Daniela Kutschat; Auditório 1.

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DOCUMENTAÇÃO
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Conferência 2
Conferência 3
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Mesa-redonda4
Comunicações
Considerações finais

Elisa de Souza Martinez



RESUMO

As curadorias de exposições em espaços institucionais públicos constroem modos de ver a arte e seu contexto, que se concretizam por meio de um conjunto de procedimentos expográficos. Em cada situação de exposição estabelecem-se relações intertextuais entre as obras selecionadas pelo curador, entre o discurso curatorial que se constata em ato e discursos referenciais para a contextualização histórica das obras, entre as materialidades e sistemas de linguagem interagentes no texto-exposição e as narrativas que, a partir de diversas perspectivas teóricas, contextualizam cada evento e suas marcas de contemporaneidade. Produzem-se, em um tecido complexo de interações entre sistemas de linguagens, por meio das quais os constituintes do texto curatorial são realizados, relações dialógicas com as narrativas da história da arte eurocêntrica ou multicêntrica. Em museus e espaços institucionais que funcionam como contexto para a atribuição de valor diferenciado às obras de arte que nestes são expostas, configuram-se estruturas paradigmáticas para as articulações entre situações de produção artística na contemporaneidade, considerando sempre uma relação de continuidade - consensual ou polêmica - com a historiografia que a precede. Por meio de documentação e análise de exposições permanentes e temporárias em instituições museológicas, busca-se identificar tipologias espaciais de interação de seleções e combinações de procedimentos curatoriais, que se manifestam em configurações expográficas, tendo em vista a construção de um contexto de leitura para cada situação de exposição.




Ao longo de várias décadas do século XX tornamo-nos habituados às exposições de artes visuais que eram desenhadas e montadas, predominantemente, de acordo com uma única tipologia expográfica: a do cubo branco. Neste tipo de configuração espacial não deveriam ser deixadas marcas de uma subjetividade estruturadora: ao ver as obras instaladas em espaços absolutamente neutros e imaculados, o público deveria crer na universalidade da experiência com a arte. Ou seja, em qualquer ponto do planeta a obra falaria por si mesma e bastava ao sujeito que a visitasse ter competência sensorial e, sobretudo, cognitiva para que as obras se tornassem inteligíveis. Nessas condições, o curador era um sujeito que não deixava marcas do seu fazer na exposição. Parecia, deste modo, que a exposição não tinha um curador ou que este exercia uma função meramente administrativa para a instituição produtora, sendo esta o único sujeito cujas ações transformariam um público-objeto em interlocutor competente para interagir com a produção contemporânea. Deste modo, o texto curatorial era produzido por uma autoridade objetiva, ou supra-objetiva.

A partir do momento em que a autonomia das obras de arte, bem como dos contextos institucionais que as legitimam, é relativizada, as expectativas de produção e de exposição mudam. Englobadas por um contexto de fronteiras incertas, as obras não emergem nem de um vazio nem de uma totalidade absoluta, o que torna possível constatar que todas as exposições expressam valores subjetivos, ainda que esses pareçam não deixar marcas.

Perguntamo-nos que mudanças teriam ocorrido nos últimos cinco anos nas curadorias de eventos brasileiros que aspiram uma visibilidade globalizada, em face de uma maior visibilidade para a arte brasileira no contexto institucional internacional? Quais são os centros destinadores/destinatários para os quais elaboram-se estratégias curatoriais que sincretizam diversos sistemas de significação: arquitetura, expografia, iluminação, sinalização do entorno, linguagens artísticas diversas, elenco de artistas selecionados, obras expostas?

Em decorrência do questionamento anterior, indagamos se será possível, então, recuperar, a partir de eventos recentemente realizados no Brasil, seus antecedentes históricos nacionais. Questionamos também se esta recuperação seria pertinente no processo de análise de espaços museológicos para as artes visuais recentemente remodelados, como as galerias que didaticamente isolam os gêneros de pintura do século XIX, na Pinacoteca do Estado de São Paulo? Qual a importância dos period rooms na museografia brasileira contemporânea? Qual o impacto de recentes eventos internacionais na expografia brasileira?

Na análise do percurso do visitante em eventos recentes , contatou-se que o papel da configuração espacial na leitura da ambivalência do texto curatorial permitia superar a unidirecionalidade progressiva da história da arte eurocêntrica para articular a esta os períodos da História da Arte no Brasil, incluindo a pré-história na terra sem males dos Tupinambás. Neste caso, o visitante é o destinatário, em uma prática cultural antropofágica, que se torna sujeito competente para rever a história. Ao deixar-se seduzir por caminhos de leitura imprevisíveis, que se bifurcam, o enunciatário faz um texto único da história da arte e desfaz, ao mesmo tempo, o texto uno dessa história.

Em decorrência das análises de eventos museológicos, temos estabelecido referências tipológicas para prosseguir a análise geral das variantes de configurações desses espaços nos quais tem ocorrido grande parte da experiência de formação dos estudantes de arte no Brasil, sejam esses futuros artistas, críticos, historiadores, educadores, curadores, os quais constroem grande parte de seu convívio com a arte nas visitas aos museus. Podemos considerar que o contato com as obras de arte, um privilégio restrito a poucos centros urbanos no Brasil, é, em razão do valor da autoridade institucional que o produz, inquestionável. Na mesma medida é também inquestionável a importância de seus subprodutos circulantes: catálogos, folder, sítios na internet, por meio dos quais um grande número de pessoas que se encontram distantes da realização do evento em tempo e espaço, tem acesso a um de seus registros. Por outro lado, existem programas para a formação de educadores que privilegiam a leitura das obras de arte reproduzidas em diferentes suportes, em situações desvinculadas da vivência em um centro produtor de arte. Com isso nega-se que a atualização de uma obra, e a plenitude de seu sentido manifestado, ocorre a cada situação de exposição, em cada configuração expográfica. Não basta, portanto, relacionar a obra a uma história da arte perene, anterior ao evento, ou à biografia de seu autor. É necessário compreender também as estruturas significantes do texto curatorial que a insere e no qual é atualizada. Na situação de exposição, entretecem-se as escolhas curatoriais e a configuração expográfica para constituir o texto que analisamos.

No livro Metamorfosis de la mirada, de Santos ZUNZUNEGUI (1990) propõe a diferenciação clara de quatro paradigmas de configuração museológica e, em cada um destes, analisa de que modo as expografias reiteram um tipo de leitura e um tipo de experiência a ser adquirida. As tipologias de Zunzunegui são elaboradas a partir de relações de contradição e contrariedade (tradicional, moderno, não-tradicional, não-moderno) que proporcionam uma classificação museológica para a qual modos de visibilidade mais recente, como o do Museu Guggenhein de Bilbao, oferecem desafios a serem explorados.

Outra fonte de referência para a análise das configurações museológicas tem sido o livro de Reesa GREENBERG (1996), Thinking about exhibitions, uma antologia multidisciplinar de escritos de curadores, críticos, artistas, sociólogos e historiadores sobre as práticas de exposição na América do Norte e na Europa. Em 2004 a pesquisadora coordenou a sessão Le génie du lieu/Site Specificity do XXXIe Congrès du Comité International d’Histoire de l’Art , na qual foi possível constatar o quanto seu trabalho tem sido expandido para incorporar as especificidades das situações museológicas contemporâneas em vários países. Ao adotá-lo como referência, não é possível transpor automaticamente para o cenário museológico e crítico brasileiro as análises encontradas no livro estrangeiro, mas sim tomá-las como ponto de partida para a distinção de valores, configurações e tipologias das instituições nacionais.


contextos

Ainda que nosso objetivo principal não seja identificar as formas de contaminação estética dos modelos culturais universalistas sobre as tradições brasileiras, permanece aos que pesquisam também o contexto para as manifestações artísticas em Brasília, a cidade modernista, a dúvida: será que nunca fomos (todos nós, brasileiros) suficientemente modernistas? Ou, então, será que a monumentalidade do projeto modernista brasileiro, cuja realização máxima foi a construção da nova capital como um paradigma cenográfico para as transformações culturais do país, tornou-o tão sacralizado que sequer ousamos analisá-lo? E, caso estejamos convencidos de que sua compreensão é um privilégio compartilhado apenas pelos que se dedicam à preservação e à restauração do patrimônio histórico brasileiro, de que modo sua distância do gosto popular abre espaço para a continuidade de valores culturais tradicionais? Qual seria a relação entre esses valores e uma produção artística que dialoga, a partir de suas realizações em múltiplas linguagens, com outros centros?

Ao considerar a afirmação de que Brasília nasceu sob o signo das artes (MORAIS, 1994, p. 40), perguntamo-nos: quais artes? Ou, então, que tradições artísticas geraram Brasília? Se valores universalistas têm influenciado manifestações culturais, destacam-se, por outro lado, no caso de Brasília, os mecanismos de resistência cultural silenciosa que têm, em certo grau, inviabilizado a consolidação de utopias globalizantes. A tensão permanece e se configura na atual construção do museu projetado por Oscar Niemeyer para o Eixo Monumental da cidade. Em vez do Museum without walls na tradução inglesa do livro de André Malraux, tem-se paredes sem museu. Ou seja, é neste momento que se faz necessário resgatar as propostas utópicas de Mario Pedrosa e Lina Bo Bardi para propor um modelo de espaço de interação museológica para um acervo ainda inexistente que será apreciado por uma população essencialmente heterogênea. Caso não seja este o momento de fundar um museu com funções de studio, como um espaço de estudo, transmissão e aprendizagem da arte, questionamos a missão de uma instituição que nasce ôca .

Houve sempre entre os criadores brasileiros uma atração pela atualização estética segundo modelos hegemônicos e, também, pela valorização desta em contraposição às tradições culturais populares. O espaço urbano construído de Brasília e a identificação das variadas características formais e estilísticas atualmente se sobrepõem a sua arquitetura oficial, tanto nos setores residenciais quanto nos empresariais, conduz-nos ao questionamento da promessa, sempre presente nas utopias estéticas do século XX, de redenção estética do gosto popular das sociedades industriais por meio da vivência em um espaço urbano idealizado. A assimilação de um vocabulário racional de formas e códigos modernistas, implantados por meio de um rigoroso planejamento, levaria à apreciação de sua principal tarefa, a de atender às funções definidas pelo pragmatismo das sociedades mais avançadas de modo tecnicamente adequado.

Por outro lado, a manifestação de identidades culturais diversas e a produção artística que apresenta códigos divergentes dos modelos integradores e universalistas das utopias modernistas tem sido objeto de diagnósticos, mapeamentos e confrontos tanto na produção teórica quanto na realização de projetos de curadoria em instituições culturais em centros euro-norte-americanos. A polêmica pode ser exemplificada por meio da denúncia de uma falsa liberdade de produção artística e uma indulgência da crítica de arte que abriu espaço para um estado de Pluralismo que, segundo Hal FOSTER (1982), é uma posição onde nenhum estilo ou modalidade artística predomina e nenhuma postura crítica é ortodoxa. O crítico considera também que o termo Pluralismo, não estando relacionado a nenhuma forma artística específica, nivela todas as formas existentes e torna-as mais ou menos iguais e igualmente (in)expressivas. Deste modo, a ampliação dos limites da arte, ou dos critérios de julgamento da produção artística, pode torná-la ineficaz como instrumento de contestação e de transgressão. Como condição básica para o estado de Pluralismo, encontramos, segundo FOSTER (1982), a dispersão generalizada da arte. Em contraposição a essa dispersão, teríamos a definição de formas artísticas enquanto reveladoras de uma essência pura, sendo esta a materialidade da pintura, da escultura ou de quaisquer outros processos empregados com integridade artesanal. A defesa da essência material dos meios artísticos, onde o domínio sobre os processos técnicos tradicionais ocupa um papel de destaque, conduz, segundo a tradição crítica do Modernismo, à definição de qualidade artística como um dos pilares da autoridade universal de valores eurocêntricos, sobretudo com a predominância de uma visão greenberguiana da história da arte moderna.

Para tratar dos eventos museológicos contemporâneos, temos a necessidade de compreender, em um diálogo com pesquisadores de outros países, de que modo os cânones tradicionais são adequados ou não para a compreensão da arte. Nas quatro últimas décadas artistas, críticos, curadores e ativistas culturais têm avaliado o modo pelo qual a produção artística de mulheres e de culturas periféricas foi excluída das histórias da arte escritas na primeira metade do século XX. Exposições como Magiciens de la Terre têm sido exemplos de como as histórias da arte têm tido sua acuidade e legitimidade questionadas.

Realizada em Paris, em 1989, com a missão de ser a primeira exposição de arte mundial, Magiciens de la Terre confrontava posições críticas sobre a produção artística em centros hegemônicos e nas regiões periféricas, e colocava em questão a possibilidade de classificação de formas de autenticidade cultural em distintos contextos geoeconômicos. Mesmo após a publicação de entrevistas, ensaios e documentos sobre o evento, sua concepção original como um questionamento da relação entre a cultura dos centros com a de suas respectivas margens permaneceu ambígua e, dada a grande expectativa gerada por sua realização, polêmica.

Foram reunidas em torno do conceito de magia tanto as obras dos que trabalhavam nos limites da arte como geração de objetos puramente visuais como as dos que, situados nas periferias do mundo, inclusive em contextos tribais, produziam obras nas quais o puramente estético é inseparável do utilitário, do simbólico e do cerimonial (BUCHLOH, 1989).

O panorama resultante, em que a produção de cinqüenta artistas do centro foi justaposta à de outros cinqüenta da margem, era uma proposta de substituição do formato tradicional da Bienal de Paris, cujas seleções de obras de cada país representado eram realizadas por funcionários com princípios considerados infinitamente inferiores aos da curadoria de Magiciens de la Terre. Esta, concebida por Jean Hubert Martin, partiu, segundo suas declarações, de sua própria intuição artística para selecionar objetos provenientes de culturas totalmente diferentes. Ou, conforme declarações do curador, os objetos de várias culturas foram selecionados de acordo com a história e a sensibilidade que lhe eram próprias.

As obras dos cem artistas escolhidos foram distribuídas entre o Centre Georges Pompidou e o Grande Halle no Parc de la Villette, segundo um critério considerado por alguns críticos como nebuloso (ALBERTAZZI, 1989, p. 61). Ainda que ocorresse para acentuar diferenças ou similaridades, a ausência de informações sobre a grade de leitura adotada pelo curador e seus colaboradores, a união do conjunto não favorecia a descentralização cultural, mas sim a predominância de um potencial subtexto neocolonialista. Questionado sobre seu critério de escolha, o curador afirmou que poderia ter sido pior pretender organizar uma exposição desse tipo em que se propusesse construir uma visão descentralizada (BUCHLOH, 1989, p. 152).

A ausência de muros, um paradigma expográfico de inclusão equânime de contextos diferenciados de produção artística, oferecia ao visitante a comodidade de rever, em cada um dos espaços da exposição, as obras dos artistas cujos sinais de contaminação fossem detectados.

A ênfase no reconhecimento de autorias individuais, mesmo em objetos executados em contextos culturais onde esta prática é irrelevante, conduzia à indagação sobre a originalidade e a procedência de todas as obras. Por outro lado, de acordo com Pierre RESTANY (1990) a seleção de obras realizada ao longo de quatro anos deveria prover as evidências de uma espécie de inconsciente coletivo artisticamente manifestado por todas as culturas. Seria mais difícil impor aos artistas do centro a dissolução da autoria, ou da procedência, do que impor aos da margem a substituição de seus valores por outros que condicionam o reconhecimento social do artista ao da autoria de suas obras?

Os questionamentos provocados por essa exposição são ainda hoje considerados atuais e têm motivado muitos dos trabalhos de análise crítica de megaexposições internacionais, como nos foi possível constatar na sessão Sémiotique du musée et des espaces d’exposition/Semiotics of museum and exhibition spaces no 8ème Congrès de l’Association Internationale de Sémiotique .

Ainda no ano de 1989 a III Bienal de Havana foi dedicada ao Terceiro Mundo, La Bienal del Tercer Mundo, e extensivamente comparada a Magiciens de la Terre. Segundo seu curador, Gerardo Mosquera, a mostra foi produzida como um tipo de concepção descentralizada da bienal, com a idéia de estabelecer um espaço de encontro e discussão em torno de uma das problemáticas mais agudas que afetam a cultura do Terceiro Mundo, que é a tensão entre o tradicional e o contemporâneo, e ver as respostas que os artistas e as tendências da arte têm construído. Sua realização foi considerada mais bem sucedida do que a de Magiciens de la Terre.

Em seu artigo "The Postmodern Museum", Douglas CRIMP (1987) define, por meio de uma análise histórica dos museus da Alemanha desde a fundação do Altes Museum em Berlim, duas atitudes básicas dos artistas em relação ao museu. Por um lado, CRIMP (1987) descreve uma produção artística que se opõe às propostas politizadas dos anos 60 e 70, adequando-se confortavelmente tanto à estrutura física do espaço do museu quanto ao seu discurso. Marca-se, desse modo, a volta da pintura de cavalete e da escultura em bronze. Prosseguindo em sua análise, refere-se à tendência de produção que se contrapõe à anterior por meio da adoção de diversas estratégias que colaboram para a revelação das condições sociais e materiais de produção e recepção da arte - as condições que o museu tem desmobilizado. Esta segunda tendência na busca de novos públicos tem-se voltado para modos de produção que são incompatíveis com o espaço do museu e tentam construir uma prática verdadeiramente social.

Crimp define a obsolescência do espaço museológico, que não estabelece condições para a veiculação da arte contemporânea verdadeiramente inovadora, e considera-a, também, decorrente do papel formativo que as instituições artísticas têm desempenhado no contexto modernista, em que até mesmo a capacidade de pensar sobre arte tem sido moldada por um discurso retórico.

Essa visão de Crimp ecoa nos textos de Hans HAACKE (1987) que tratam da necessidade de tornar os mecanismos de contextualização e valorização da produção artística objeto de revisão, dos quais destacamos:

"Within the art world, museums and other institutions that stage exhibitions play an important role in the education of opinions and attitudes. Indeed, they usually present themselves as educational organizations and consider education as one of their primary responsibilities."

No mesmo texto de referência, HAACKE (1987) descreve o papel tradicionalmente desempenhado pelas instituições museológicas:

"Under Clement Greemberg's tutelage, everything that made worldly references was simply excommunicated from art so as to shield the grail of taste from contamination. What started out as a liberating drive turned into its opposite. The doctrine now provides museums with an alibi for ignoring the ideological aspects of art works and the equally ideological implications of the way those works are presented to the public. Whether such neutralizing is performed with deliberation or merely out of habit or lack of resources is irrelevant: practiced over the many years it constitutes a powerful form of indoctrination."

Ao considerar os questionamentos de Haacke e Crimp pertinentes à nossa análise dos textos museológicos, temos em vista o modo pelo qual as montagens de exposições se constituem em estratégias paradigmáticas para produzir certos sentidos na leitura. Temos analisado, em trabalhos publicados, de que modo a expografia estrutura no espaço relações semânticas de subordinação, precedência e equivalência. Buscamos, deste modo, identificar como a expografia materializa os valores do discurso curatorial.

Para desenvolver a análise, é preciso comparar eventos recentemente realizados no Brasil em espaços de função museológica, sejam estes instituições públicas como museus, centros culturais de grande porte ou fundações. Considera-se, neste caso, o papel que tais instituições ocupam na visibilidade e na compreensão do papel desempenhado pelas produções em história e crítica da arte no Brasil.


fissuras

A exposição de artes visuais em um contexto institucional é um texto da cultura cuja heterogeneidade constitutiva potencializa relações intertextuais com outros contextos por meio da discretização de seus constituintes – obras – e de seu papel estruturador de um discurso curatorial. Trata-se de considerar cada evento como uma estrutura expográfica articulada e permeável à inserção de referências que o tornam parte de uma história das exposições de artes. Considerar a existência de uma ancestralidade para esse gênero de eventos não significa, em nossa perspectiva, abandonar a análise pontual em que se revelam as relações sintagmáticas identificadas em cada evento.

Podemos citar as obras de artistas como os norte-americanos Fred Wilson e Andrea Fraser e o brasileiro Rubens Mano que, ao realizarem crítica institucional, colocam em evidência o papel de autoridade institucional inquestionável ocupado pelas ações do artista que ocorrem tanto no interior do local museológico quanto na rede de procedimentos e espaços articulados ao discurso museológico.

Wilson produz instalações em museus utilizando peças das coleções destes para construir discursos críticos das práticas museológicas, que possibilitem a compreensão do modo pelo qual o pertencimento daquelas às mesmas coleções expressa uma cultura e, também, a relação com um contexto original de produção que antecede o ingresso das mesmas no espaço institucional. Em um de seus trabalhos, o espaço museológico é a obra de arte, e, orientado pela iluminação que destaca um espaço onde não há exibição de objetos, o visitante deve ver o museu como um espaço institucional que é virtualmente construído. Em outra obra de sua autoria, Viewing the Invisible, o carrinho utilizado pelos funcionários da limpeza do Ian Potter Museum of Art, da University of Melbourne, era colocado todos os dias sobre um pedestal no centro de uma das galerias, após ter sido utilizado nas atividades rotineiras de limpeza que ocorriam durante o horário de visitação. Com esse trabalho, refletia-se sobre todos os processos rotineiros em um museu que são invisíveis aos olhos do público.

A obra de Andrea Fraser também coloca em questão o formato pelo qual o discurso das instituições museológicas e, em sentido amplo, artísticas produzem credibilidade em seus valores. Valores são, de fato, problematizados pela obra dessa artista que em um de seus vídeos, Official Welcome, realizado em 2001, após proferir um monólogo, semelhante a uma paródia das palestras organizadas para seduzir um grupo de colecionadores para compra de obras de algum jovem e promissor artista, a artista despe-se quase totalmente e diz: “Hoje eu não sou uma pessoa. Sou um objeto em uma obra de arte”.

Ao comentar o trabalho de Louise Lawler, artista que trabalha em outra vertente da crítica institucional, FRASER (1996, p. 438) afirma que esse “consistentemente desafia as propriedades tanto do lugar (as divisões do trabalho no mundo da arte que atribuem a artistas, galeristas e críticos lugares e funções apropriadas) e de objetos (os mecanismos ideológicos que estabelecem a autoria e a propriedade da arte)”. Em seguida, diferencia o trabalho de Lawler do de Marcel Broodthaers, considerando que o primeiro não ocupa posições fictícias de autoridade institucional, mas realiza suas obras no museu e na galeria (FRASER: 1996, p. 439-440).

No Brasil, faz-se necessário dirigir a análise de eventos em espaços institucionais – predominantemente, museus – para o modo pelo qual as condições de visibilidade da arte contemporânea se sobrepõem e às configurações espaciais que, embora despojadas de elementos decorativos em estilos do passado, possuem uma estrutura espacial em que, considerando a indissociabilidade forma-conteúdo, significa.

No trabalho de Rubens Mano, objeto de censura na XXV Bienal de São Paulo, uma entrada alternativa para o Pavilhão da Bienal foi construída. Além de oferecer um acesso físico que se fundia de tal modo à fachada do Pavilhão que parecia ter sido sempre parte deste, oferecia-se ao visitante uma entrada para o evento a partir de uma perspectiva, de um ponto de vista construído pelo artista. Essa divergência foi vetada e o acesso não esteve, de fato, disponível. É importante notar que a palavra censura nunca foi utilizada, e a crítica institucional instalada por Rubens Mano foi acidental uma vez que esse não é uma modalidade artística afirmada nos projetos curatoriais em instituições brasileiras como instalações ou performances.

Também a Bienal, com o objetivo de fomentar a formação de novas gerações de artistas em confronto com a produção internacional, tem apresentado, no conjunto de suas edições, a sobreposição de segmentos com propostas curatoriais totalmente independentes. Se na galeria do século dezoito o objetivo final era o de proporcionar ao artista as ferramentas para o seu ingresso num meio artístico de cânone imutável, para o artista que se nutre das edições da Bienal o objetivo é superar os que o antecederam, consagrados por este mesmo evento, para ingressar no mercado de arte.

O modelo adotado em várias exposições realizadas recentemente em espaços museológicos no Brasil era, portanto, o que está mais distante da linearidade característica das narrativas modernistas e mais próximo do modelo da exposição aistórica, retomada a partir dos anos oitenta, cuja posição central não é ocupada por obras de um único artista, mas sim pelo sujeito que têm a função de um designer da exposição, papel este que pode ser ocupado tanto pelo próprio curador quanto pela parceria deste com o arquiteto que projeta e constrói o espaço e os dispositivos museográficos

Ressalta-se, entretanto, que a retomada da galeria mista não é uma invenção de fim-de-século, mas sim anterior à consagração do modernismo como projeto evolucionista e situa-se na primeira metade do século vinte:

O crescimento de interesse pela arte não-européia por parte dos próprios artistas coincidiu com os primeiros experimentos de alguns colecionadores progressistas e diretores de museu para dispor partes de suas coleções de modo ‘misto’. Faziam-no para demonstrar o paralelo entre arte moderna (expressionista) e as esculturas dos chamados povos primitivos. Etnógrafos e historiadores da arte gradualmente passaram a considerar esses artefatos como obras de arte. Isso abriu caminho para o estabelecimento de conexões entre representações visuais dos mais diversos lugares e períodos. O objetivo era mostrar que a expressão e o instinto eram característicos de uma genuína, ou seja, não-burguesa, arte em todos os lugares e tempos. Essa desconsideração pelo tempo e pelo lugar pressupõe que os objetos sejam tratados como obras totalmente autônomas de valor estético, um processo relembrado por André Malraux em seu Musée Imaginaire (MEIJERS, 1996, p. 14-15).

A relação entre a história da arte e a exposição sugere a precedência da primeira, como um texto constituído por todas as temporalidades da arte, sobre a segunda, em que pese pontualidade de sua realização. Entretanto, considerando que ambas – a história e a exposição de arte – contribuem para um processo de transformações recíprocas, considera-se que tal precedência esteja relacionada a uma opção metodológica. A exposição não é uma coleção de obras que, isoladamente, manipulam o espectador para que este pense, sinta ou queira alguma coisa. Ou seja, não é apenas isso. É também uma estrutura na qual as obras interagem entre si, transferem valores reciprocamente e alteram, deste modo, suas respectivas relações com a história da arte. Na exposição constrói-se uma leitura e uma história da arte. Grandes eventos com a função de mapear a produção de uma época, como as Bienais de São Paulo e os Panoramas do MAM/SP, e até mesmo as retrospectivas de um único artista estruturam-se sobre decisões curatoriais que dialogam com os valores do tempos a que pertencem e materializam-se a partir de certas opções expográficas.

Cabe ressaltar que não é apenas a necessidade de demonstrar a originalidade da curadoria que tem guiado a realização de exposições. E, também, os critérios para avaliar essa mesma originalidade não têm sido imutáveis. Cada evento é montado para um público historicamente construído e, por esta razão, até mesmo a história da arte eurocêntrica tem sido objeto de releituras em diversos eventos institucionais desde Primitivism in the XXth Century (MoMA, 1984) e passando por Magiciens de la Terre (1989). No Brasil, a XXIV Bienal de São Paulo foi concebida a partir de um tema central – a antropofagia – para tensioná-lo em bifurcações narrativas que englobavam valores estéticos e temáticos recentes nas obras de artistas latino-americanos e, sobretudo, brasileiros. Neste caso, a história da arte central à Bienal não era exclusivamente eurocêntrica, mas estava estruturada em diálogo com vários centros. Não se tratava, portanto, de opor o eurocentrismo à história da arte brasileira. Opuseram-se, neste texto, a história da arte com um centro único à história da arte com múltiplos centros. Ou, abordadas por meio da sociossemiótica, as diferentes perspectivas de enunciação que produziam a ambivalência carnavalesca ao configurar o texto com diferentes vozes discursivas explícitas. Essa ambivalência intertextual interna é, de acordo com Diana L. P. de BARROS (1994, p. 7), característica dos discursos poéticos, nos quais a multiplicidade de vozes e de leituras substitui a verdade “universal”, única e peremptória pelo diálogo de “verdades” textuais (contextuais) e históricas.


Intertextualidades prospectivas

Antes de tratar das relações entre obras de arte e contextos externos à sua localização em uma situação de exposição, analisamos a configuração desta como uma estrutura composta pela relação entre manifestação (identificada nos meios e processos que produzem uma materialidade própria) e conteúdo. Este, como componente de um texto curatorial, destaca os valores que determinam o processo de significação que, em algumas vezes, polemizam as narrativas previamente atribuídas aos espaços museológicos.

Considerando o questionamento teórico de Crimp, sobre as exclusões e deturpações geradas pelas práticas museológicas historicamente reconhecidas, encontramos a museumist art de Fred Wilson. Seu propósito é também o de inserir, por meio de instalações em espaços públicos institucionais, um segmento da produção artística cujos cânones têm sido sistematicamente excluídos dos museus destinados à valorização do patrimônio artístico. Tendo como tema central para seu trabalho, a relação entre o espaço institucional do museu ou da galeria e a comunidade à qual estes pertencem, o artista pretende tornar evidente a exclusão de narrativas cujos valores culturais sejam próprios desta mesma comunidade à qual ele, como artista, tem acesso.

Em suas obras, o design da instalação, a justaposição de objetos artísticos (com diferentes valores no mercado) e populares, a articulação de contextos aos quais estes objetos nos remetem, os textos explicativos e provocadores nas etiquetas que acompanham a instalação das obras, a utilização de códigos e formatos por meio dos quais o valor das obras é associado à credibilidade da instituição que as abriga; tudo nos conduz a constatar a exclusão, praticada por historiadores da arte, de qualquer referência específica às "origens negras" da arte européia. Espera-se que a leitura, pelo público, de seus projetos possa direcionar as práticas adotadas em museus para que os artefatos de culturas diversas venham a desempenhar, dentro de seus limites, uma função crítica.

Assim como nas instalações realizadas por Fred Wilson, encontramos frequentemente em galerias e museus um elemento interrogativo, utilizado para criar diferentes reações no público, embora o ato de interrogar não esteja confinado aos limites arquitetônicos da instituição museológica. Eventos como o Artecidade, com curadoria de Nelson Brissac, tem configuração dispersa, imprecisa, porque constroem tensões entre valores patrimoniais museológicos e categorias variáveis da instituição da arte que estão, literalmente, na indeterminação de fronteiras arquitetônicas ou geográficas que as separem.

Se no século XIX pretendia-se preparar o espírito do visitante do museu para uma caminhada, através da história da arte, em busca do "Espírito Absoluto", e esse caminho era conduzido por uma configuração espacial pré-determinada, as configurações museológicas hoje adotam múltiplas estruturas, que proporcionam, por sua vez, leituras instáveis.

A indefinição de paradigmas museográficos, ou a inadequação destes à experiência e a leitura dos valores artísticos que a instituição potencializa ao disponibilizar um conjunto de objetos (consideradas suas múltiplas naturezas materiais e expressivas) é o campo que se abre para a pesquisa de elementos que produzem estruturam museológicas e, conseqüentemente, configurações tipológicas.



REFERÊNCIAS

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