Marcel, 30 - Conferência 6

28/01/2006 Relato da Conferência “Speakers’ Corner, sopro a sopro” - Rirkrit Tiravanija

 

Rirkrit Tiravanija fechou o seminário ‘Marcel, 30’ com uma apresentação performática cuja perspicácia e bom humor representaram um sopro de ar fresco após um longo dia de palestras densas. Tiravanija iniciou sua fala dizendo que percebeu ter sido um equívoco ter preparado um paper de antemão e portanto preferia improvisar, e que falaria sobre Marcel Broodthaers sob a perspectiva de um artista, acrescentando: “Então não acreditem em nada do que eu vou falar.”

O tema de sua palestra foi o lado performático da obra de Broodthaers que ele prefere designar como um “actionist” devido às conotações que o termo “performer” carrega, e um aspecto que, segundo ele, ainda não foi explorado criticamente. Salientou ainda que as apresentações prévias foram muito completas na abordagem do artista e como o último palestrante do seminário, ele gostaria de convidar o próprio Marcel Broodthaers para conversar com o público presente.

Uma bela imagem de Broodthaers, sentado durante a montagem de sua exposição na Documenta de Kassel em 1972, é então projetada na tela do auditório e Tiravanija posiciona um dos micronofones em frente à ela (ou melhor, a “ele”): “Obrigado por ter vindo.” Começa seu “diálogo” com Broodthaers, mencionando o episódio que ocorreu durante a primeira aparição pública do artista belga de que se tem registro. Era um evento de celebração da poesia da resistência, no Palais de Beaux Arts em Bruxelas, em 1944. Broodthaers apareceu no balcão do auditório do Palais e gritou: “Louis Aragon, quando você vai parar de comprometer a poesia francesa?” Então, dirigindo-se a imagem projetada de Broodthaers, pergunta: “O que você quis dizer com isso?” Um silêncio se segue. “Está bem, vou tentar fazer uma pergunta melhor.”

Tiravanija continua: “Você conheceu o Manzoni, não sei em que parte do seu corpo ele assinou você… Essa experiência com o Manzoni teve alguma relação com o seu uso da assinatura?”

Silêncio.

“Acho que tem a ver com o comércio. Não sei se você questionava isso, o logo, a marca, que hoje em dia estão tão presentes nas estruturas contemporâneas. Você sempre fez ações além do seu trabalho. Eu odeio ser chamado de performer, eu gosto de ser mais um na audiência. Uma vez alguém disse que compraria um de seus potes de picles de pudesse quebrá-lo e você concordou. Você vê isso como parte do seu trabalho?”

Silêncio.

“Você fez uma exposição na Galeria Saint Laurent em 64, quando realizou o evento “Happening Sofisticado” na Galeria Smith. Você fez esse happening em que revelou uma cadeira com cascas de ovos pintada com as cores da bandeira belga enquanto uma banda tocava o hino nacional com dificuldade. Você tinha consciência dessa idéia de happenings?

Silêncio.

Tiravanija continua tentando fazer a figura de Marcel Broodthaers se manifestar a respeito de alguns tópicos que lhe interessam em sua obra, mas suas perguntas são sempre intercaladas pelo silêncio completo. Referindo-se à declaração de Broodthaers, citada inúmeras vezes durante o seminário, ele pergunta o que o artista queria dizer quando declarou que gostaria de fazer algo insincero. Confessa que ele próprio gostaria também de fazer algo insincero, mas como vive em outros tempos, se fizesse algo parecido, aí isso seria insincero de verdade. Menciona em seguida o fato da obra de Broodthaers estar sempre ligada ao rótulo da crítica institucional, comentando que o artista provavelmente não gostaria muito disso.

É com sua última pergunta a Broodthaers que Tiravanija chega então ao assunto que tão habilmente introduziu em seu “diálogo-ação” com o artista: “É uma pergunta sobre o silêncio. O que você acha da declaração do Beuys de que o silêncio de Warhol era superestimado? Você prefere o silêncio de Warhol ou o shamanismo de Beuys?” Desculpando-se a Broodthaers por tê-lo incomodado tanto, ele então pede ao público que cante parabéns ao artista nascido em 28 de janeiro de 1924, por sugestão de uma pessoa da audiência no início de sua palestra.

Tiravanija despede-se de Marcel Broodthaers com uma pergunta final: “Como viver junto?”

A segunda parte de sua apresentação é dedicada a um filme caseiro que registrou uma ação feita por Broodthaers em Londres, em 1972, e que ele descobriu na casa do ex-galerista Jack Wendler, que trabalhou com Broodthaers e a quem foi apresentado quando montava sua exposição no ICA (Instituto de Arte Contemporânea) há dez anos atrás. Tiravanija conta como foi importante naquele momento ver o quão silencioso Broodthaers era, o quão silenciosamente ele fazia o que ele fazia. “Essa é a parte da discussão a respeito da relação do artista com outro artista”, acrescenta.

Tiravanija explica que Broodthaers nunca falou explicitamente em fazer trabalhos políticos, mas que sua obra tem implicações políticas. Ressalta que neste filme, em que Broodthaers realiza sua ação na célebre “Speaker’s Corner”, no Hyde Park, o silêncio é muito importante, que ele fazia sua ação em silêncio. Para Tiravanija, o silêncio significa que temos que lidar com nós mesmos, com como queremos pensar sobre e entender as coisas.

Sua apresentação termina com a projeção do filme, realizado em 16mm e em preto e branco, na tela do auditório. As imagens trêmulas e um pouco escuras mostram Broodthaers, de terno e gravata num dia chuvoso, alternadamente escrevendo e apagando algumas sentenças com giz branco numa lousa portátil diante de uma pequena audiência de prováveis transeuntes na Speaker’s Corner. É assim, silenciosamente, que ele repete a ação de escrever e apagar frases como “Visite a Tate Gallery”, “Preste atenção”, “Visite o Imperial War Museum”, “A mente de James Joyce”, “Apenas para artistas”, “Vocês são artistas”, “Silêncio.”

Assim como é impossível tentar recriar por meio de um relato a apresentação de Tiravanija (que estará disponível neste site em breve em video), também a ação de Broodthaers e a questão do silêncio que aparece nela devem ser experimentadas por cada um.

(por Kiki Mazzuchelli)

Publicado em 03 de fevereiro de 2006

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