Seminário Vida Coletiva - Conferência 1

Relato da conferência “Gordon Matta-Clark e o Mundo Artístico de NYC nos anos 70”, proferida por Jane Crawford, em 04 de agosto de 2006

Gordon Matta-Clark e a vida coletiva no Soho durante os anos 1970


Gordon Matta-Clark

Jane Crawford agradeceu a oportunidade de mostrar a obra de Gordon Matta-Clark no Brasil. Ele, antes de morrer, queixou-se de que sua obra foi pouco vista e conhecida. Nesta palestra, foi enfatizada a experiência de Gordon como um dos expoentes de um grupo de jovens, artistas ou não, que inventou um modo de vida na cidade de Nova York entre 1960 e 1970.

Uma vida coletiva depende da confluência de fatores que acabam reforçando a convivência e colaboração mútua. No caso, esses artistas faziam parte da primeira geração que teve acesso a anticoncepcionais, a drogas recreativas, uma geração associada ao amor e paz.  No entanto, também se caracterizava pela resistência à política externa norte-americana, que tinha na guerra do Vietnã sua ação mais contundente, e ao conservadorismo da geração anterior.

Este período, segundo Jane, foi marcado por movimentos contrários à guerra que envolveram os jovens, pois estes eram os mais ameaçados pelo alistamento. Os soldados eram recrutados compulsoriamente e, na linha de fogo, encontravam uma realidade diferente dos discursos heróicos que ouviam. O governo americano passava informações erradas sobre a guerra e os que retornavam do front começaram a contar a verdade sobre o que acontecia lá.

Por outro lado, havia um uso “inocente” de drogas. Inocente pois se acreditava que drogas faziam parte de um estilo de vida inovador, de ampliação de consciência, de descoberta de novas possibilidades da mente.

Os jovens também questionavam tudo o que estava instituído e formalizado, criando um real conflito entre gerações. Os artistas jovens especificamente questionavam as instituições, museus e galerias e queriam a arte na rua, junto às pessoas comuns. Ao mesmo tempo, foi uma época de muita festa e diversão. Os artistas eram pobres e por isso mesmo se uniam mais. Viviam juntos, bebiam juntos, trabalhavam juntos.  Em Nova York nos anos 70, havia muitos grupos de artistas, muitas situações coletivas.

Gordon nasceu em Nova York, em 1943, filho do pintor surrealista chileno Roberto Matta-Clark, exilado nos EUA desde a Segunda Guerra. Seu padrinho foi Marcel Duchamp. Na infância, brincava nas ruas, em prédios abandonados. Talvez por isso, a trama urbana das grandes cidades lhe interessava bastante. Desse modo, formou-se arquiteto.

Slide de um imóvel abandonado de Nova York  nos anos 70

A economia da cidade estava mudando, muitas empresas e fábricas abandonaram a cidade, não havia mais emprego suficiente e a cidade empobreceu. Muitos bairros foram esvaziados, a quantidade de moradores de rua aumentou. O esvaziamento econômico ocasionou o abandono de vários galpões e prédios residenciais. A prefeitura, sem dinheiro para restaurá-los, colocou-os à disposição de artistas e grupos de artistas.  Assim[,] estes jovens contestadores começaram a viver nos edifícios do bairro Soho: restauravam os prédios, tornavam o lugar habitável e tinham liberdade para viverem do modo que queriam.

O tipo de arte desses grupos de artistas não interessava para as galerias, não havia o que vender, não havia, portanto, interesse em divulgar tais trabalhos. Para suprir esta lacuna, Gordon criou uma galeria cooperativa na rua Greenstreet.  Logo se tornou local de encontro e discussões sobre arte. Tais encontros foram aprimorando os trabalhos dos artistas, pois todos comentavam as obras uns dos outros, criticavam e se ajudam mutuamente. O grupo incluía artistas plásticos, coreógrafos, músicos, poetas, dançarinos.

Slides de Double Door e outros trabalhos nos edifícios do Bronx

O bairro Bronx, na época, estava decadente e quase abandonado. Uma parte dos moradores deixou o lugar, sendo que alguns chegaram a danificar os apartamentos onde moraram. Gordon fez grandes intervenções recortando esses prédios vazios, numa espécie de arqueologia urbana através das camadas das paredes e andares.

No entanto, em geral, as pessoas ligadas às artes tinham medo de ir a esse bairro e assim, ver os trabalhos.

Slide de um morador de rua frente a um abrigo de papelão

Em 1971, Gordon participou de uma exposição coletiva próxima à Ponte do Brooklin com diversos artistas e tomou contato com os moradores de rua que lá moravam. Teve grande empatia com eles e com o estilo de vida precário a que estavam sujeitos. Observou  a casa de um sem-teto feita de caixa de papelão. Começou então a criar elementos construtivos a partir de lixo recolhido em caçambas.


Slides de paredes feitas de lixo

Slide de Dumpster Duplex

Uma casa foi feita com uma caçamba de lixo e foram realizados diversos eventos reunindo artistas em torno dessa obra.

Diversos objetos de construção foram feitos com lixo para que os moradores de rua os utilizassem para erguer seus abrigos.

Sob a Ponte do Brooklin, Gordon assou um porco para atrair os moradores de rua e assim divulgar entre eles seus projetos de criar materiais de construção a partir do lixo.

Slide de uma esquina com um restaurante simples


Food, 1971

Não havia restaurantes no Soho, então, Gordon e amigos abriram numa esquina o The Food. Os artistas ali poderiam comer e pagar a refeição com algum serviço. Aos domingos, sempre aparecia um convidado para fazer uma refeição especial. Rauschenberg esteve lá, por exemplo.

Muitas obras de Matta-Clark envolviam comida. Ele usava uma gelatina de algas “agar-agar” em pratos que servia aos amigos e também em obras. Ele, como artista e cozinheiro,  considerava-se um alquimista que fazia a transmutação do feio em bonito. A comida era para ele também parte da  sociabilidade, um elemento sedutor para reunir pessoas.

Slide de Matta Bonne Dinner

Gordon cozinhou pratos com ossos que as pessoas podiam usar como pingente após terminar a refeição.

Jane supõe que Hélio Oiticica tivesse freqüentado essas reuniões e talvez pudesse até ter influenciado a decisão de Gordon de boicotar a Bienal de São Paulo em 1971, nos anos da ditadura brasileira. Não apresentou, porém, nenhum fato comprovado sobre tais hipotéticos encontros.

[No entanto, no Itaú Cultural, no Programa Hélio Oiticica organizado por Lisette Lagnado, há um documento de 9 de setembro de 1978 (Tombo 077/78) , em que Hélio lista uma série de coisas  fazer.  A primeira delas seria  enviar um cartão para Jane Crawford, a viúva de Matta-Clark, provavelmente a respeito do falecimento de Gordon em agosto daquele ano].

Slide de Splitting


Splitting, 1974


Splitting (detalhe), 1974

Em Nova Jersey, em um bairro ocupado por desempregados, uma casa foi cortada ao meio. As camadas da casa vieram à luz neste recorte. O público da arte se quisesse ver esse trabalho, sentir a estranheza que o corte trouxe a tal casa, deveria se deslocar até lá. Hoje, a casa não existe mais. Sobraram apenas pedaços apresentados em exposições e fotografias.

A seguir, Jane mostrou outras seqüências de slides de projetos e obras.


Slide de uma obra em que aparecem negativos de filmes fritos

A relação de Gordon com a alimentação aparece em outro ângulo nesses trabalhos.

Slides de desenhos e fotos de terrenos inusitados

Para brincar com o “mito americano de terra para todos”, Gordon conseguiu obter a propriedade de cinco pequenos pedaços de chão:  por exemplo, um quadradinho de menos de um metro quadrado e uma faixa de algumas dezenas de centímetros de largura e vários metros de comprimento. Estes terrenos foram fotografados e exibidos junto com croquis e registros das situações inusitados que a propriedade de tais nesgas de terra acabavam gerando.

Série de slides de intervenções em um enorme galpão no porto de Nova York


Days End, 1975

 

Gordon realizou cortes nestas estruturas e as fotografou. Uma das fotos foi tirada de um barco que ele alugou de um parque.

Série de slides de intervenções em edifícios em Les Halles, durante a Bienal de Paris de 1976: Edifícios do século XVIII localizavam-se no quarteirão que estava sendo demolido para a construção do Centro Pompidou. Neles, Gordon escavou aberturas como se fossem periscópios voltados para a rua.


Conical Intersect, 1976


Conical Intersect (detalhe), 1976

Para concluir, Jane acentuou o lado nostálgico de sua fala. Citou que nos anos 80, surgiram novas galerias comerciais capazes de absorver essas manifestações artísticas, assim os artistas começaram a ganhar muito dinheiro. A colaboração entre artistas cedeu lugar a uma competição pela fama. A vida coletiva, na configuração que ela descreveu com muita saudade, acabou. No entanto, permanecem vivas as experimentações de liberdade na vida e na arte desses grupos.

(por Beatriz Scigliano)

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