Nem tudo nem sempre sob controle - a imagem entre a realidade e a ficção

Walter Riedweg
(Apresentar Video de Throw ao longo da fala)

Me chamo Walter Riedweg e trabalho desde 1993 em colaboração contínua com Mauricio Dias. Nos últimos treze anos temos desenvolvido projetos, que às vezes são chamados de participativos, outras vezes de interativos, ou ainda de projetos de arte pública.  Não sabemos ainda que nome deve levar a coisa que fazemos, ela continua  um pouco sem nome, um pouco sem controle e isso já não importa tanto. A metodologia de nosso trabalho se estende entre o documentário e a representação livre, sendo a vídeoinstalação a forma de apresentação mais frequente. Nosso trabalho investiga como as psicologias privadas influenciam e constituem o espaço público e vice-versa, tendo como característica principal o envolvimento do público na concepção e execução de cada projeto.

 

Nos interessamos por tudo aquilo que não é nosso, por aquilo que não somos, por aquilo que não temos, que não tocamos, às vezes por aquilo que não entendemos ou nem mesmo sabemos. Nem sempre sabemos aquilo que queremos e ainda assim queremos. Nos interessamos pelo Outro porque no fundo cremos que só será no Outro que poderemos nos encontrar e o outro está sempre muito perto, logo ali onde nós terminamos.

 

Nos interessa portanto o território do Público, mas também muito o do Privado. O território entre eu e o Outro é o desconhecido território do desejo e do medo, do mundo à navegar, à descobrir. Talvez por isso nos interessemos igualmente pelo documentário e pela ficção.

 

Toda imagem, em sua base, não pertence ao território do Documentário nem ao da Ficção. O que a fará pertencer a um território ou outro será a literatura que nela se apoiará, seja ela de ordem real ou fictícia. Toda imagem pode conter uma informação literária e servir de construção para uma mensagem. Ela independe à verdade, à mentira, à realidade e à representação para ser intelígivel, para existir. Não há portanto nada de tão preciso, definido, que diferencie estes dois territórios, o da ficção e o do documentário, na base da criação de uma imagem. Como igualmente difícil é diferenciar o que seja espaço público e espaço privado na base da criação artística.

 

Desde que a realidade e sua representação sejam postas em uma espécie de diálogo, em que uma alimenta a outra, é possível criar um campo erótico-poético onde ação e representação, bem como interação ou intervenção,  se misturam, produzindo assim uma certa libertação das categorias artísticas estabelecidas no modernismo e possibilitando novas experiências, novas práticas artísticas.

 

No trabalho com vídeo, com filme, por exemplo, a construção de sequências de imagem – em movimento - pode estabelecer diferentes e múltiplas percepções do tempo e do espaço, seja ele real ou imaginário, pouco importa. A mesma situação, a mesma cena, seja ela de ordem documentária ou fictícia, se filmada por diversas câmeras ao mesmo tempo, a partir de diversos pontos de vista, poderá assim produzir uma sequência de imagens de caráter múltiplo, complexo e assim reconstituir o príncipio de “multiplicidade”,  aplicado na física, também na prática artística. Esta mesma multiplicidade de imagens de uma mesma situação pode subverter o próprio discurso do “real”. Da mesma forma que o uso de mais de uma camera pode diversificar os pontos de vista sobre um contexto, o uso de mais de uma intenção, mais de uma percepção, mais de uma voz criativa, pode também diversificar a ação e a representação na experiência prática da arte. Aí baseamos a possibilidade de uma arte dialógica, tão interessada na interação com quanto na representação da realidade.

 

Toda prática artística é em si um exercício de alteridade. O que diferencia a arte das outras formas de alteridade é que ela se utiliza do território da representação para sua inserção no mundo. Mas a própria representação, se vista como uma ressonância, é também uma mera ferramenta da alteridade. Arte é não é só saber o que dizer, mas é saber fazê-lo ser dito e este diferencial é um grande trunfo desta alteridade: documentar e ao mesmo tempo abrir novas possibilidades de refletir-se sobre o mesmo - o velho e necessário mesmo.

 

A idéia modernista do artista como único criador de poesia nem sempre se aplica na leitura de um projeto de arte contemporânea. Hoje o artista aparece mais como um estimulador da prática poética e depósito tradutor de diferentes contextos e expressões. Procuramos evocar o desejo da poesia e estimular a prática artística como uma ferramenta individual para perceber e atuar com independência na vida. O objetivo de cada experiência é livre e individual. Acreditamos que o poder da arte experimental reside sobre tudo no fato de que cada participante é livre e responsável para julgar se ele quer ou não tomar parte num projeto e também livre para perceber e determinar o que ele terá e fará de cada projeto. E observamos uma enorme escala de diferenças nos níveis de participação e satisfação que as pessoas têm nestes projetos, o que tentamos individualmente respeitar. Este é um dos critérios possíveis sobre como julgar e analisar um projeto de arte participativo, embora devamos também considerar a maneira como este “outro”, participante de um projeto, seja ainda percebido por outros, não participantes. O critério principal talvez seja aliás o diálogo entre os participantes e a sociedade em geral, que o inclui ou exclui, processo este que tentamos tornar visível em cada projeto que realizamos, pois desta avaliação ética-estética tampouco escapam as formas mais documentárias da criação contemporânea.

 

Fazer que o outro deixe de ser a periferia de nossos olhos é tornar visível as camadas subjetivas que constituem o espaço político que vivemos. Talvez seja esta a maior contribuição da tecnologia para nossa vida: a virtualidade confirma filosoficamente a força e o valor das relações subjetivas na construção política e econômica do espaço social. Ela comprova a existência da multiplicidade na base da vida sobre os mais rígidos conceitos de uma verdade absoluta.

 

A tentativa constante de desvincular a subjetividade da política é uma velha hipocrisia da

“intelligentsia”, que começa a ser desmascarada através da continuidade de práticas experimentais em diversos campos e disciplinas no mundo contemporâneo. Criar resistência não é eliminar o conflito, mas reconhecê-lo e respeitá-lo nas mais sutis e reprimidas formas de sua diversidade. Não existe uma só realidade, existem sim reais fragmentos, todos vulneráveis.

(Explicação das imagens de Throw)

nota: este texto foi preparado para o Simpósio, mas no momento da fala Walter Riedweg optou por "não ter controle" e fez uma fala improvisada.