Relato 2

relato da palestra de Manuel Olveira, por Silvia Laurentiz

A mesa II “Paradigmas do pensamento em arte”, do II Simpósio Internacional de Arte Contemporânea, trata de questões difíceis. Seu tema é “do capital privado versus instâncias públicas, conflito de interesses com o jogo de privatização da cultura, gigantismo expositivo, apropriação do espaço público, estratégias corporativas”. Conforme introdução de Daniela Bousso, o capital privado toma conta da área cultural em resposta ao fato do governo não conseguir subsidiar a cultura em escala de globalização. É o momento, portanto, de se pensar a relação de parceria com as empresas.

Os dois palestrantes, João Ciaco, diretor de Marketing da Fiat, e Manuel Olveira, diretor do Centro Galego de Arte Contemporânea, apresentaram posições distintas sobre o tema. Enquanto o primeiro nos trouxe a visão de um gestor de uma grande empresa privada; o segundo, a proposta de um diretor de um Centro de Arte Público.

Manuel Olveira começa logo dizendo que nunca trabalhou numa grande exposição, como uma Bienal, e nem em uma empresa privada. O que o coloca numa posição estranha àquela mesa, já que sua posição é a de estar ‘do lado oposto’. E questiona a função dos agentes culturais, e a responsabilidade que deveriam ter com a arte, no sentido de lançar novas formas de produção, circulação e visibilidade, promovendo uma troca de sentidos; o que, conseqüentemente, geraria novas manifestações e ações críticas. Hoje, reforça Olveira, encontramos uma realidade cultural complexa, que não poderia ser abordada com o mesmo instrumental crítico que serviu para a modernidade e vanguardas históricas. Isto nos impõe uma intensa revisão de julgamentos. E, no momento que a cultura faz parte da engrenagem econômica, em tempos em que o ‘capitalismo impaciente’ nos obriga a consumir rápida e incessantemente; numa época em que a ‘rentabilidade cultural é medida por números’, mais do que pela qualidade de sua contribuição, temos que pensar iniciativas cuja lógica esteja ‘mais a serviço da arte que do sistema que a sustenta’ e, ‘mais próxima das necessidades dos criadores e do público do que de uma indústria da cultura’.

Continua dizendo que, se o neoliberalismo nos dilui nas massas e nos entorpece, temos que reivindicar por programas e espaços que respondam a uma pluralidade de público. Pois, não se trata de criticar ou refutar a exposição massiva, mas sim clamar por mais variedade de propostas. Não se espera a recusa do festival como modelo de trabalho, mas sim, evidenciar a sua lógica precária e abordagem rasa, e a necessária abertura para outras possibilidades.

Diante desta problemática, a proposta de Olveira é a geração de ‘microesferas públicas’, entendidas como organizações e estruturas autônomas em torno de um interesse comum, que gerariam articulação de trabalhos, oficinas de produção, agências de elaboração, plataformas de visibilidade apropriada, e um modelo estrutural adequado. Neste sentido, a arte estaria sendo pensada como uma ferramenta de reflexão sobre o mundo, e passaria a atuar de forma crítica. Pensar projetos deste tipo demanda tempo, reformulações, pesquisa, novos mecanismos de gestão e de trabalho, demarcados por uma vontade de investigação tanto dos temas como das formas de como tratá-los, e do modo de como comunicá-los. E, esta forma de pensar a arte é complicada, demanda tempo, é cara, mas, garante Olveira, os benefícios são proporcionais aos riscos. Embora, temos que ressaltar, apresentar o processo e não uma obra acabada é menos glamoroso, atrai menos a mídia e, portanto, é mais silencioso, tudo que os investidores e patrocinadores abominam.

Nos projetos de Olveira, o objetivo é dar visibilidade ao processo investigativo, o como a obra é produzida no tempo, suas etapas, as dúvidas ocorridas no percurso, apresentadas por sua rede de colaboradores. Fazer ver os processos, e ao final teremos a obra! – e esta passa a apresentar-se como uma compilação ordenada de todo o processo, que em si é naturalmente desorganizado. Para exemplificar, indicou dois projetos que vem desenvolvendo e estão na web, que deveriam ser consultados para um melhor entendimento de suas idéias. Eles estão em: http://www.p-oberts.org e http://www.proxecto-edicion.net/.

Do debate, gostaria de destacar duas de suas falas. Primeiro, que trabalhar sob sua ótica requer tempo, diálogo, perseverança. Não é tarefa fácil, diz ele, mas não estamos na cultura para fazer as coisas fáceis, mas sim, por sua complexidade. Além disso, devemos lembrar que o mundo é um lugar de conflitos constantes e de diferentes interesses. A arte tem que responder a estes novos conflitos decorrentes dessa complexidade contemporânea, mas não dá para fazer isto se os sistemas de representação continuarem os mesmos de antes (e aqui ele se refere às instituições em estado de inércia).

Segundo, que a relação entre o público e o privado, respondendo a proposta da mesa, deve se dar em posição de igualdade. E exemplifica dizendo que quando ele, que trabalha numa instituição pública, trata de questões de patrocínios e investimentos com a empresa privada – ou seja, quando ele vai falar com os empresários -, ele não vai até eles para pedir dinheiro. Isto só o colocaria em posição inferior diante do poder econômico. Ao invés disso, ele vai oferecer uma possibilidade de intercâmbio, onde haverá benefícios para ambos. Só assim teria, a seu ver, uma real estratégia para uma política de patrocínio entre o capital privado e o espaço público.

Finalizando, para alguns pôde parecer que Manuel Olveira fosse um idealista, e que suas propostas não condizem com a realidade brasileira, seja pelas nossas leis de incentivo fiscal, como a Lei Rouanet, que coloca nas mãos de gestores privados um recurso público; seja pela precariedade de nossas instituições públicas culturais. Entretanto, ele foi capaz de, muito objetivamente, apontar uma saída para a política cultural, para o gigantismo expositivo, e para os atropelos da globalização. Repetindo suas palavras, a realidade não é boa ou má, simplesmente ‘é’ e nela devemos atuar.