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Bienal sem vão

Elas querem desaprender. Nós também queremos. Elas, os curadores da Bienal. Nós, os visitantes. Na transformação do edifício da 35ª Bienal de São Paulo, um primeiro passo para o desconhecido.
Bienal sem vão

Vista da obra de Torkwase Dyson na 35ª Bienal de São Paulo [Foto: Paula Alzugaray/Da Redação]

Fonte: https://select.art.br/bienal-sem-vao/

 

Por Juliana Monachesi

SELECT

Publicado em: 11 de Setembro de 2023

 

Enfim, uma Bienal de São Paulo que anulou o vão central do edifício modernista, para onde tudo sempre convergiu. Em todas as edições da Bienal de São Paulo, até hoje, a vista do vão desde todos os andares conferiu à “obra do vão central” a condição de instalação emblemática de tudo o que as bienais sempre quiseram afirmar. Na 30ª Bienal de São Paulo (2012), foram os tecidos-processo performáticos de Franz Erhard Walther, ativados pelo público e cuja “visualidade”, portanto, dependia de fatores completamente aleatórios, disparados pela observação da obra desde o segundo ou o terceiro piso do Pavilhão. Pequeno Mundo (2014), de Yochai Avrahami, na 31ª; Dois Pesos, Duas Medidas (2016), de Lais Myrrha, na 32ª; A Infinita História das Coisas ou o Fim da Tragédia do Um (2018), de Sofia Borges, na 33ª; Deposição (2020), de Daniel de Paula, na 34ª.

Na presente edição da Bienal de São Paulo, de número 35, que tem curadoria do coletivo formado por Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel, o vão central continua onde sempre esteve, porém não é o centro do palco. As Coreografias do Impossível, título da exposição, deslocaram o centro de lugar, entre diversos outros deslocamentos – de que se tratará oportunamente. A expografia, assinada pelo escritório de arquitetura – ironias da arte-vida – Vão, subiu uma parede entre o guarda-corpo do segundo e o do terceiro pavimentos, “fechando” o piso intermediário. Resultado: a imagem impactante de uma arquitetura transformada e a anulação desse impulso atávico de olhar (e fotografar) lá do alto o que há abaixo.

Negritude como arquitetura
Ao entrar no Pavilhão da Bienal, no dia do preview para a imprensa, busco a “obra do vão” e descubro que ela não existe. Mas fico hipnotizada pelo trabalho exposto ali, onde antes ficava o vão central, Blackbasebeingbeyond (2023), de Torkwase Dyson, e realizo que ela é de fato um centro de atenção. Três torres erigidas a partir de uma dupla de formas trapezoidais verticais, com um acabamento de chapa de metal que vai de uma aresta inferior à outra, abaulando a parte superior, criando uma curva vazia no topo, estabelecem um diálogo com a arquitetura ao redor, mas constituem uma arquitetura em si mesmas. Essas torres falam da “história das estratégias negras de libertação espacial”. Dyson é uma artista afro-estadunidense que trabalha prioritariamente com desenho e pintura abstratos, em cuja pesquisa a história do Atlântico aparece codificada.

A frase acima, sobre estratégias de libertação, é de Torkwase Dyson, escrita durante a residência artística que ela fez no Wexner Center for the Arts em 2020. Devido ao isolamento, a artista decidiu compartilhar todo o processo da série Bird and Lava (2020) em seu website. “Se a negritude já é uma arquitetura desenvolvida a partir da liquidez (oceano), poderá a obra dar corpo a esse fenômeno e oferecer sensação no registro da libertação? A infraestrutura desta questão, para mim, existe nas hiperformas; uma abstração geométrica extraída das histórias negras e que responde ao nosso ecossistema agora e no nosso futuro”, escreve Dyson em uma das anotações que acompanham os desenhos.

Na Bienal sem vão, Blackbasebeingbeyond é um documento vivo de métodos de comunicação codificados. A partir dele, começamos a desaprender o idioma conhecido.