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Ensaio sobre as fronteiras

Paula Alzugaray (revista Isto É, 12 de novembro de 2008)


Cada um à sua maneira, exposição e ataques de pichadores convidam o público a pensar sobre os processos de legitimação artística


Os trabalhos apresentados em I/legítimo: dentro e fora do circuito, exposição que ocupa simultaneamente o Paço das Artes e o MIS, geram muita estranheza. Os filmes do britânico David Blandy, por exemplo, configuram um pastiche de seriado de King Fu, com diário de viagem, Sessão da Tarde e livro de auto-ajuda, que dificilmente se adequariam a festivais de vídeo, ou, muito menos, a programação de tevê a cabo. Blandy está na fronteira entre a arte contemporânea e os sistemas de comunicação de massa, muito bem inserido nessa exposição que mostra de que formas o circuito midiático se infiltra no circuito artístico. A tevê, o videoclipe, a animação, a música eletrônica, as câmeras de vigilância, a tatuagem, o HQ, o grafite, a performance de skate e o hackerativismo interagem no espaço expositivo. “Estamos mexendo em circuitos que estão querendo se estabilizar, o que é perigoso. No Brasil, a street art está virando um gênero”, afirma Fernando Oliva que assina a curadoria com Priscila Arantes. Para colocar à prova esses sistemas, os curadores trabalharam nas fronteiras: entre o clipe e a novela; entre o HQ e o documentário; entre a formação acadêmica e o auto-didatismo, caso dos pintores Rodolpho Parigi e Carlos Dias, colocados lado a lado, em diálogo. A fronteira entre aceitação e ilegitimidade permeia a maioria dos trabalhos e a exposição atinge seu objetivo de convocar o público a pensar os processos de legitimação no circuito artístico.

Por outra parte, a sequência de ataques que pichadores paulistanos têm promovido a instituições artísticas e a becos de grafite da cidade devem ser trazidos ao debate, já que chamam a atenção para os mecanismos de inclusão e exclusão. A exemplo do título da obra de Marcelo Cidade, Técnica de elaborar traçado sem qualquer significação (2004), exposto em I/legítimo, que significados podemos extrair do ataque ao andar vazio da Bienal, promovido no domingo, 26 de outubro? E em que medida esses gestos não perdem sua significação na violência? “A intenção é clara, mas a sociedade não entende porque está habituada a reduzir tudo a vandalismo”, afirma Cripta Djan, 25 anos, ex-pichador, eleito porta-voz do grupo de invasores da Bienal por não ter participado das ações. “Os ataques dizem que a única forma da pichação entrar no circuito cultural é pela invasão. A pichação não pode ser domesticada”. O protesto se dirige tanto ao sistema de arte quanto a grafiteiros. “Estamos inseridos numa cultura capitalista, em que toda contra-cultura vira produto e é absorvida. A história diz. Aconteceu com o punk, com o hip hop, com o grafite. Os caras estão brigando contra isso”, diz o fotógrafo Choque, 22 anos, autor dos registros das intervenções.


A 28ª Bienal, que tem entre suas prioridades um contato direto com o público, rejeitou essa forma de “participação” apagando as marcas do que anunciou ser um “ato criminoso”. A Bienal reage à pichação como qualquer instituição, por mais aberta que se proponha à participação da sociedade. “O que está em discussão é o papel da instituição. Essa violência é uma tentativa terrorista de implodir a instituição, que permite a participação só até um limite, enquanto ela ainda detém o poder da situação”, diz a artista plástica Regina Johas, que no ano passado teve seu trabalho pichado na mostra Vai você, na Galeria Olido.