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A semana de Regina Duarte como quase secretária da Cultura

Por Camilo Rocha para o NEXO Jornal em 25/01/2020.

Convidada para assumir a pasta pelo presidente Bolsonaro, atriz tira tempo para conhecer seu potencial novo emprego enquanto é alvo de desconfiança e escrutínio na imprensa

A atriz Regina Duarte ainda não disse o “sim” definitivo ao cargo de secretária da Cultura, oferecido pelo presidente Jair Bolsonaro após a tumultuada demissão de Roberto Alvim. Ela vive, segundo suas palavras, uma fase de “noivado”. Nesse período teve conversas com o presidente e membros do governo sobre sua possível gestão. Na quarta-feira (22), Regina foi conhecer as instalações de seu potencial novo emprego. Segundo Bolsonaro, a nomeação deve se concretizar quando ele retornar de sua viagem à Índia.
Logo que assumiu a presidência, Bolsonaro extinguiu o Ministério da Cultura, transformando-o em uma secretaria sob a asa do ministério do Cidadania, encabeçado por Osmar Terra. No início de novembro, o departamento foi transferido para a pasta do Turismo. Na visão do governo, as duas áreas compartilham “pautas sinérgicas e atividades naturalmente integradas”.
Reações e expectativas
A reação inicial ao nome de Regina Duarte foi variada. Entre os que lamentaram a escolha estão o cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor de “Bacurau”, a cantora Zélia Duncan e o ator Lima Duarte, que disse que “para o Brasil de hoje ficou ideal: Um Sinhozinho Malta no poder e uma Porcina no ministério”.
Já outros nomes, como o ator Paulo Betti e o ex-ministro da Cultura e músico Gilberto Gil optaram por mensagens mais conciliatórias. “Espero que a Regina veja a cultura do Brasil com os mesmos olhos que eu e tantas outras pessoas vemos a bela figura dela”, declarou Gil, no Twitter.
A empresária Paula Lavigne, do Procure Saber e 342 Artes, desejou que Regina "consiga vencer as dificuldades, em nome de uma classe que vem sendo atacada e da qual ela faz parte”. Lavigne elencou pedidos para a possível secretária da Cultura, entre eles a revisão das nomeações para “órgãos fundamentais” como a Funarte, a Ancine e o Iphan, entre outros.
“O que a gente sabe é que ela não compactua com essa visão de guerra cultural do Alvim e do Olavo de Carvalho. Neste sentido, a gente espera que o clima de caça às bruxas, que havia até agora, dê uma esfriada”, afirmou um servidor da pasta ao jornal O Globo, sob condição de anonimato.
As preocupações do meio
O setor está preocupado com os rumos da cultura no governo Bolsonaro depois da desastrosa passagem de Roberto Alvim pelo cargo. O ex-secretário foi exonerado depois de usar em um discurso trechos de uma fala de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista.
Para além da figura de Alvim, amplamente rejeitada no meio cultural, o setor tem manifestado preocupação com as ideias de dirigismo cultural que emanam do governo Bolsonaro. Justificando o veto a obras artísticas em editais da esfera federal, o presidente disse em outubro de 2019 que “não é censura, isso é preservar os valores cristãos, é tratar com respeito a nossa juventude, reconhecer a família como uma unidade familiar, essa é a nossa linha”.
Durante uma transmissão em vídeo, em agosto de 2019, o presidente relacionou filmes com temática LGBTI que seriam retirados de um edital de projetos audiovisuais. “Não tem cabimento fazer um filme com esse enredo né?”, afirmou sobre o filme “Afronte”, que retrata negros homossexuais no Distrito Federal. O edital inteiro acabou cancelado. Retomado, o processo teve seu resultado divulgado em 21 de janeiro. Os quatro filmes mencionados pelo presidente não estavam mais entre os selecionados.
O Prêmio Nacional das Artes, edital apresentado no vídeo que derrubou Alvim, seria orientado por escolhas ideológicas, segundo indicou o ex-secretário. “Todo edital de patrocínio pressupõe uma curadoria. Existe uma escolha, um recorte curatorial que seleciona os filmes que são adequados segundo aquela comissão. Nada mais do que isso, não é censura, é curadoria”, afirmou o ex-secretário ao participar de uma live de Bolsonaro.
O edital foi suspenso pelo governo após a queda de Alvim. Enquanto isso, o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), solicitou a exoneração de todos os funcionários nomeados por Alvim, durante o período em que chefiou o órgão.
A reverenda amiga
A atriz convidou a pastora evangélica Jane Silva, conhecida como Reverenda Jane, para o cargo de secretária-adjunta da Cultura. Atualmente, Silva é secretária de Diversidade Cultural da pasta. O convite foi aceito pela reverenda, que também é presidente da Associação Cristã de Homens e Mulheres de Negócios.
Em novembro, por ocasião de uma viagem de Alvim à Europa, Silva publicou um post elogioso ao então secretário. “Há esperança para o Brasil através da Cultura. O atual Secretário da Cultura Roberto Alvim, começa a limpar a imagem do Brasil no exterior! Parabéns Secretário”, escreveu em seu Facebook.
Representantes do meio cultural expressaram decepção com a escolha. “A gestão da Regina significava esperança para o nosso setor que estava completamente encurralado pelo poder Executivo. Mas a primeira ação dela como secretária, sem ser nomeada, é essa indicação. Isso é um mau sinal”, afirmou o produtor Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro, à Folha de S.Paulo.
Jane Silva e Regina fortaleceram sua amizade durante uma viagem a Israel. Silva já organizou diversas viagens ao país do Oriente Médio, onde diz ter morado por dois anos, ocasião em que se aprofundou em estudos bíblicos. Graças a esses estudos, Silva se tornou palestrante sobre o tema em igrejas pelo país. De acordo com o jornal Estado de S. Paulo, a promessa de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém motivou o apoio da religiosa à campanha de Bolsonaro.
Dívida e pensão
Como parte do governo, Regina Duarte estará sujeita a uma exposição e escrutínio por parte da mídia que será inédita em sua carreira. Nos dias que se seguiram ao convite por Bolsonaro, dois fatos controversos de sua vida já foram levantados pela imprensa.
Segundo a revista Veja, a atriz teve rejeitada a prestação de contas referente a um projeto que inscreveu na Lei Rouanet. Regina captou R$ 321 mil para o espetáculo teatral “Coração Bazar”, que ficou em cartaz entre 2004 e 2005. Segundo portaria publicada no Diário Oficial em março de 2018, a empresa da atriz precisa devolver R$ 319,6 mil aos cofres públicos. À imprensa, o filho de Regina e sócio na empresa, André Duarte, declarou que cumprirá o que a Justiça determinar.
Regina já se posicionou contra o uso da lei Rouanet por artistas de renome. Em uma entrevista ao Programa do Bial, em maio de 2019, a atriz afirmou que “o governo que usa o dinheiro da população deveria apoiar os que estão iniciando, a cultura regional, de acordo com uma legislação própria”. No total, a produtora de Regina Duarte já captou mais de R$ 1,4 milhão em três peças teatrais desde 1999, segundo levantamento do jornal O Globo.
Na sexta-feira (24), o jornal Estado de S. Paulo levantou que a atriz recebe R$ 6.843,34 mensais dos cofres públicos a título de pensão militar. O pai de Regina, Jesus Nunes Duarte, foi primeiro-tenente do Exército e morreu em 1981. Desde 1999, a atriz ganha o benefício. Antes do atual marido, Eduardo Lippincot, Regina já foi casada três vezes. Segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, de 1993, tanto filhas solteiras como casadas de militares das Forças Armadas podem receber pensão. A assessoria da atriz não quis comentar o caso.
Regina é atualmente contratada da Rede Globo. Caso aceite o cargo na secretaria da Cultura, terá de desfazer seu acordo com a emissora, abrindo mão de salário que podem chegar a R$ 200 mil, segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo. Como secretária da Cultura, a atriz receberia R$ 17.327,65 por mês.