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Mario Frias completa 1 ano na Cultura com polêmicas e Lei Rouanet travada

Guilherme Lucio da Rocha e Helena Aragão. De Splash e colaboração para Splash, em São Paulo e no Rio, em 23/06/2021.
Em 23 de junho de 2020, Mario Frias assumiu oficialmente o cargo de secretário especial da Cultura. Divulgada só depois pelas redes sociais do Ministério do Turismo, ao qual a secretaria está vinculada, a cerimônia, realizada já na pandemia, foi discreta e bem diferente da que, em março, havia sacramentado Regina Duarte na mesma função, com convidados e entrada digna de um casamento. Se a relação da atriz com o presidente Bolsonaro se revelou um amor de verão, seu colega de profissão está indo bem mais longe.
Frias é o mais longevo titular no cargo desde o início do governo —antes de Regina, foram outros três, entre eles Roberto Alvim, demitido por plagiar um discurso nazista. O ator conquistou a confiança do chefe graças à defesa ferrenha de sua política, à aproximação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e ao foco na "moralização" do uso da Lei Rouanet —uma grande bandeira bolsonarista desde os tempos da campanha presidencial.
Seguindo a cartilha governista, Frias faz das redes sociais seu principal, e praticamente único, veículo de comunicação. Entre as muitas postagens em que exalta as políticas e aglomerações geradas por Bolsonaro ("o melhor presidente de todos os tempos", costuma repetir), o secretário divulga por ali, eventualmente, as ações da pasta e de órgãos ligados a ela.
Na semana passada, por exemplo, anunciou a abertura de processo para seleção da organização social para gerir a Cinemateca Brasileira, instituição que guarda boa parte da memória audiovisual nacional. O passo era aguardado desde o início do ano. Em maio, fez postagens da Bienal de Veneza, onde assumiu em entrevista à "Folha de S.Paulo" que não conhecia a história da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992), homenageada no evento, e responsável pelo projeto do Masp, entre (muitos) outros.
Com o aumento das tensões no cargo, Frias tem usado cada vez mais o espaço virtual para rebater políticos de oposição, ações judiciais e reportagens críticas. Por duas vezes, reproduziu uma postagem de Eduardo Bolsonaro com um pedido relacionado a ele e ao secretário de fomento André Porciúncula, que eles definem como "secretário da Lei Rouanet":
"Pelo menos uma vez por dia poste uma mensagem, um elogio, ou algo mostrando o trabalho destes que estão sob fogo pesado dos saudosistas dos esquemas do passado".
Há uma semana, Splash tenta entrevistar Mario Frias ou ter respostas para perguntas enviadas à secretaria, sem sucesso.
Frias mantém a tradição de alguns de seus antecessores de nomear figuras sem experiência técnica para a chefia de órgãos ligados à secretaria, como a Funarte e o Iphan. Em setembro passado, chegou a baixar um ofício exigindo que postagens em redes sociais dessas instituições fossem submetidas à pasta.
Ele ainda se tornou alvo de representação na Comissão de Ética Pública por assustar servidores da secretaria ao ir trabalhar armado e tratá-los aos gritos.
Mas é na condução das verbas de duas leis —a Aldir Blanc, sancionada durante a pandemia, e a Rouanet— que estão os principais pesos da balança de seu primeiro ano no cargo.

Uma agenda positiva: a Lei Aldir Blanc

Ao longo do segundo semestre de 2020, Frias publicou alguns vídeos explicando detalhes da Lei Aldir Blanc. Costurada graças à pressão da classe artística sobre o Congresso, a lei que garantiu R$ 3 bilhões para o auxílio emergencial a profissionais da cultura foi adotada como "agenda positiva" para a secretaria.
Houve tensão com o Congresso para a prorrogação de prazos para o uso dos recursos em 2021, como lembra Jandira Feghali (PCdoB-RJ), deputada da Comissão de Cultura da Câmara.
"Na única vez que Frias foi na comissão, prometeu um prazo que não cumpriu: o decreto para prorrogar prestação de contas da Aldir Blanc. Ele só aprovou quando o TCU forçou isso".
Mas, de fato, o dinheiro chegou para todos os estados, o Distrito Federal e 4.176 municípios (75% do total).
Na avaliação de especialistas, entretanto, isso é pouco. Um dos setores mais prejudicados pela pandemia, a cultura viu boa parte de seus postos de trabalho derreterem com a diminuição drástica de atividades presenciais. Com um agravante: principal pilar de financiamento da produção artística nas últimas décadas, a Lei Rouanet encara neste 2021 uma queda forte e inédita de execução. Por motivos alheios à covid-19.
"A Lei Aldir Blanc é um socorro necessário, mas momentâneo. A Lei Rouanet é outra história. Ela movimenta a economia da cultura de maneira constante, profissionaliza", explica a pesquisadora Adriana Donato, especialista em leis de incentivo e doutora em Políticas Públicas pela UFRGS.

O que há com a Rouanet?

A Lei de Incentivo à Cultura (mais conhecida como Lei Rouanet) tem como principal mecanismo o incentivo fiscal, que teve seus números muito reduzidos em 2021.
Nos últimos cinco anos, o mecenato vinha mantendo uma média acima de R$ 1 bilhão e atingiu perto de R$ 1,5 bilhão em 2019 e 2020. A gestão de Frias foi responsável por uma mudança drástica de patamar. De janeiro para cá, foram garantidos cerca de R$ 140 milhões em isenção fiscal a empresas patrocinadoras de projetos culturais que atendam aos requisitos previstos na lei. Menos de 10%, portanto, que o ano anterior. O tempo médio para aprovação de um projeto, que já foi de dois meses, pode chegar a mais de um ano hoje em dia.
A justificativa oficial para a queda na aprovação é a necessidade de evitar o aumento no passivo de prestações de contas da secretaria. Na segunda-feira (21), Frias participou do programa "Sem Censura", na TV Brasil, e afirmou: "Eram 8 mil projetos realizados por ano. Agora serão 1500". Ele argumentou ainda que foi o TCU (Tribunal de Contas da União) que condicionou novos investimentos à capacidade de auditar prestações de contas passadas.
O TCU vem, de fato, cobrando uma solução para as prestações de contas antigas. Mas em audiência pública sobre a Rouanet realizada em abril, Alípio Neto, representante do tribunal, afirmou: "O acórdão não tira a responsabilidade do gestor da aprovação e da análise de outros projetos. Isso foi falado em reunião com representantes da secretaria".
"Equilibrar a homologação de novos projetos à capacidade de auditoria da secretaria é um bom exemplo de responsabilidade e probidade. Não vejo qualquer problema nisso, pelo contrário, só tenho elogios", defendeu a deputada Carla Zambelli (PSL-SP).
"Durante 20 anos foram liberados mais de R$ 12 bilhões pela Rouanet. Por que estes proponentes não desenvolveram um mercado autônomo em todo este tempo? O governo federal não tem obrigação de bancar marmanjo."
Para Eduardo Barata, presidente da Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro (APTR), há um projeto de governo em curso.
"Como não podem acabar com a lei, encontraram uma maneira de desidratá-la. O estado dá incentivo fiscal para diversas atividades no país, o da cultura é uma porcentagem mínima. Qualquer secretário lutaria por manter o fomento, mas o Frias é só uma marionete nesse teatrinho ruim do Bolsonaro", diz ele.

Lei Paulo Gustavo

O novo 'front de batalha' do secretário é o Projeto de Lei 73/2021, de autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA), conhecido como "Lei Paulo Gustavo". Ele prevê que o governo federal repasse de cerca de R$ 4 bilhões para estados e municípios no socorro à cultura, incluindo equipamentos públicos e o setor audiovisual, por conta da pandemia da covid-19. A previsão é que o projeto seja discutido no Senado ainda esse mês.
De acordo com o texto, os recursos serão liberados do Fundo Nacional de Cultura, de responsabilidade da União. De acordo com o PL, caso a lei seja aprovada, o governo federal terá 15 dias para distribuir os recursos para estados e municípios, que também terão de investir recursos próprios, proporcionais, no setor.
Via Twitter, Mario Frias fez críticas ao projeto e afirmou que, caso aprovado, todos os projetos culturais do governo serão interrompidos por falta de recursos.
Em entrevista para o deputado Eduardo Bolsonaro, Porciuncula disse que os defensores do projeto querem "abocanhar" dinheiro da União, já que a Lei Rouanet funciona com incentivos fiscais.
"Temos R$ 3,8 bilhões e esses valores estão contingenciados e precisamos priorizar ações de medicina, compra de vacina. Querem transformar a gente [governo federal] num caixa eletrônico de saque compulsório sem nenhum controle".