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Recém-exonerado, presidente da Funarte diz que não pôde aceitar imposições equivocadas de Mario Frias

Painel Folha de S. Paulo, em 04/04/2021.
Recém-exonerado, presidente da Funarte diz que não pôde aceitar imposições equivocadas de Mario Frias

O coronel da reserva do Exército Lamartine Barbosa Holanda foi exonerado da presidência da Funarte (Fundação Nacional das Artes) - Divulgação/Funarte

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/04/recem-exonerado-presidente-da-funarte-diz-que-nao-pode-aceitar-imposicoes-equivocadas-de-mario-frias.shtml

Coronel diz em carta que não é possível tratar cultura como trecho de estrada a ser privatizado

 

Exonerado na semana passada da presidência da Funarte, o coronel da reserva do Exército Lamartine Barbosa Holanda escreveu carta de despedida em que lista o que chama de "imposições equivocadas" da gestão de Mario Frias, secretário especial da Cultura do governo federal, as quais diz que não pôde aceitar.

“Nomeação de pessoal sem correta análise do perfil profissiográfico”, descompromisso com pequenos produtores e propostas equivocadas de parcerias público-privadas de equipamentos como o Teatro Cacilda Becker (RJ) e o Teatro Brasileiro de Comédia (SP) foram alguns dos problemas listados por Holanda em seu texto (veja abaixo).

“A cultura é movida pela emoção e não podemos comparar equipamentos culturais da Funarte com um trecho de estrada a ser privatizado. A cultura tem artistas, palcos, som, iluminação e alma, muito diferente de praças de pedágio, asfalto e piche”, escreveu o coronel, o quinto presidente da Funarte no governo Bolsonaro.

Holanda afirma que não aceitaria que um equipamento público fosse transferido “para as mãos de grupos especializados em reformas de patrimônios públicos para posterior exploração econômica”, o que prejudicaria os “pequenos produtores culturais em favor dos grandes grupos.”

Ele disse à Folha que se colocou contra a privatização de equipamentos culturais públicos sem a participação da Funarte, pois desta forma faltariam oportunidades para os produtores culturais pequenos acessarem a máquina pública, segundo ele.

Na carta, ele afirma que Frias “permaneceu de costas” para a Funarte, e que várias ações de fomento e preservação estiveram ameaçados desde setembro de 2020 (quando Barbosa assumiu a presidência) devido à falta de compreensão da importância da autarquia.

Segundo nota de Frias, o coronel foi exonerado sob pretexto de necessidade de reformulação da Funarte. Holanda pede então na carta que o secretário apresente seus projetos: “De que maneira se fará, com transparência, objetividade e rapidez, a retomada da atividade cultural?”.

Holanda menciona Jair Bolsonaro (que vive tensão com os militares) apenas elogiosamente, agradecendo-o pela missão dada.

A Funarte tem como missão promover e incentivar a produção, a prática, o desenvolvimento e a difusão das artes no país, sendo responsável pelas políticas públicas federais de estímulo à atividade artística brasileira.

Leia a carta de despedida da Funarte do coronel Lamartine Barbosa Holanda abaixo:

O presidente Bolsonaro no Planalto, em seu gabinete, foi muito direto, faça o seu melhor pela cultura brasileira, aceitei a Missão. Ele não citou partidos, apenas ressaltou que deveria apoiar a sociedade brasileira. Não freqüento redes sociais por uma razão, trabalho diuturnamente para cumprir a missão que me foi imposta.

O Senhor Secretário Especial da Cultura e eu tivemos divergências durante a minha gestão, à frente da Funarte. A Cultura é movida pela emoção e não podemos comparar equipamentos culturais da Funarte com um trecho de estrada a ser privatizada. A Cultura tem artistas, palcos, som, iluminação e alma, muito diferente de praças de pedágio, asfalto e piche.

Alguns pontos divergentes deterioraram a relação funcional. Embora tenha muito apreço pelo secretário especial, não pude aceitar algumas imposições equivocadas para nomeação de pessoal sem uma correta análise do perfil profissiográfico, o descompromisso com os pequenos produtores culturais e a proposta de Parcerias Público Privadas equivocadas dos importantes equipamentos públicos culturais da Funarte, como: O Teatro Glauce Rocha/RJ; O Teatro Dulcina/RJ; O Teatro Cacilda Becker/RJ; O Centro Cultural Aldeia Arcozelo/ Paty do Alferes; O Teatro de Arena/SP e O Teatro Brasileiro de Comédias – TBC/SP.

Houve a necessidade de defender a cultura, o patrimônio cultural da Funarte e as pessoas deste segmento tão impactado pela Covid-19, onde a nossa classe passa fome e medo. Não é possível aceitar que um equipamento cultural público importante seja transferido para as mãos de grupos especializados em reformas de patrimônios públicos para posterior exploração econômica. Não podemos destruir um esforço de anos e terminar com a nossa economia criativa, prejudicando os pequenos produtores culturais em favor dos grandes grupos.

Foram sete meses. O tempo foi curto. Muito curto. Importante ressaltar que, ao assumir, em setembro de 2020, várias ações de fomento e preservação estavam ameaçadas. Justamente pela falta de compreensão da importância da Funarte por parte da Secretaria Especial de Cultura, em Brasília. Os programas Iberescena e Ibermúsica, além dos prêmios Respirarte e Arte em Toda a Parte, que, juntos, mobilizaram milhares de artistas de todo o Brasil, poderiam ter sido interrompidos.

A luta foi enorme pela manutenção e pelo compromisso dessas ações, incluindo a defesa da prorrogação dos prazos para a execução da Lei Aldir Blanc, reclamada em diversas reuniões por agentes públicos de todas as regiões do país. Estivemos à mesa com prefeitos e vários secretários municipais e estaduais de cultura; universidades e institutos técnicos federais; institutos politécnicos portugueses; associações e profissionais das artes de países como Bélgica, Argentina, Canadá e Estados Unidos.

Infelizmente, em uma nota oficial apenas, o Secretário Especial desfez um trabalho sério e importante que já vinha sendo realizado por uma equipe competente e comprometida com a cultura brasileira.

“Hoje chegamos à conclusão da necessidade de reestruturação da FUNARTE e iniciamos os trabalhos para que todos tenham acesso às políticas culturais de forma clara, rápida e objetiva. Este é o primeiro passo para mudanças necessárias em busca da popularização da cultura – Mario Frias”.

A pergunta permanece: qual o próximo passo para melhoria da Cultura? De que maneira se fará, com transparência, objetividade e rapidez, a retomada da atividade cultural? Secretário, apresente os seus projetos, a Cultura questiona quais são.

Aproveito para elencar algumas realizações significativas do time da FUNARTE neste curto período de gestão. Espero, desta forma, que o Sr. Secretário Especial de Cultura, que permaneceu de costas para a autarquia sob sua responsabilidade, possa entender a surpresa de muitas pessoas ligadas e comprometidas com a melhoria da Cultura com o anúncio da reestruturação.

. Diagnóstico, reavaliação e reestruturação administrativa e operacional;
. Criação de Escritório de Projetos;
. Instalação do Observatório das Artes;
. Reestruturação da Comunicação (interna e externa);
. Estudo de viabilidade para a criação da Escola Técnica de Artes;
. Inclusão, infância e maiores como diretrizes para todas as linguagens da Funarte;
. Revitalização da Escola Nacional de Circo (ENC);
. Regularização de convênio com o Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), responsável pela
certificação dos alunos da Escola Nacional de Circo (ENC);
. Revisão de contratos, convênios e processos;
. Estudo de viabilidade de parcerias público privadas;
. Inclusão de Games (e sua cadeia produtiva) como linguagem;
. Aquisição de Lona de Circo para a Representação em Minas Gerais;
. Anteprojeto pela recuperação da Aldeia Arcozelo, em Paty do Alferes;
. Implantação do Sistema Eletrônico de Informações (SEI);
. Reformulação do Estúdio F;
. Oficialização do Manual "Convênios e Instrumentos Congêneres: Normas e Instruções";
. Edital de credenciamento de artistas e facilitadores de todo o Brasil - Chamamento público
para cadastro em banco de valores, com rodízio para promover a justa oportunidade;

Prêmios
Respirarte, com 8.698 inscritos e 1,6 mil contemplados. (Cerca de R$ 4 milhões);
Arte em Toda a Parte, 1.445 inscritos e 494 contemplados. (Cerca de R$ 2 milhões).


Por fim, despeço-me de toda a equipe da Funarte, das pessoas e instituições que contribuíram para a valorização da cultura brasileira.

Agradeço a Deus, ao Presidente Bolsonaro pela confiança e oportunidade de ajudar a cultura e o país, e à minha família que esteve ao meu lado nesta jornada.

 

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/04/recem-exonerado-presidente-da-funarte-diz-que-nao-pode-aceitar-imposicoes-equivocadas-de-mario-frias.shtml