Você está aqui: Página Inicial / Dossiês / Nova Cultura à Brasileira: Violências, Desmontes e Apagamentos / Sob Bolsonaro, embates do setor cultural migram da política ao Judiciário

Sob Bolsonaro, embates do setor cultural migram da política ao Judiciário

Ana Paula Sousa para Folha de S. Paulo, em 23/04/2021.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/04/sob-bolsonaro-embates-do-setor-cultural-migram-da-politica-ao-judiciario.shtml?origin=uol

Ações buscam tribunais superiores para lidar com entraves e lentidão de análise de projetos em diversas áreas

 

Também na área da cultura, o Supremo Tribunal Federal impôs, nesta semana, uma derrota ao governo federal. Na noite da segunda-feira, dia 19, a ministra Cármen Lúcia atendeu o pedido feito pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo para que fossem prorrogados os prazos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc.

O pedido de liminar protocolado pelo governo paulista foi o décimo relativo à Aldir Blanc a chegar ao STF. E o décimo a ser atendido. A liminar garante aos estados a extensão do prazo para a execução de projetos e para a entrega das prestações de contas. O STF autorizou ainda que os recursos destinados aos municípios possam ser revertidos para os estados.

Depois da decisão, a Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo recuou em sua intransigência e alterou o decreto que definia que todos os projetos teriam de ser feitos até o próximo dia 30 —ainda que as novas medidas de isolamento tenham inviabilizado até mesmo iniciativas online. Na madrugada de quarta, dia 21, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei da prorrogação da lei.

O caso da Lei Aldir Blanc, que teve de chegar ao STF para ter a razoabilidade garantida, é mais um degrau na escalada judicial vivenciada nos últimos três anos.

Os embates sempre foram constitutivos da política cultural, mas, desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência e o diálogo se inviabilizou. Os entraves migraram da arena política para a judicial.

A primeira ação contra o governo Bolsonaro, no setor da cultura, remonta a agosto de 2019, quando Osmar Terra, ex-ministro da Cidadania, determinou a suspensão de um edital de projetos para a rede pública de TV que previa o investimento em séries com temática LGBT.

Ao tomar conhecimento do episódio, o Ministério Público Federal entrou com uma ação e conseguiu, ainda em 2019, que o edital fosse retomado. A ação prosseguiu e, em fevereiro deste ano, a 1ª Vara Federal do Rio Janeiro abriu um processo para apurar a prática de improbidade administrativa, passando a tratar Terra como réu.

Ao longo de 2020, o setor cinematográfico tentou, por meio de mais de 150 ações, a liberação de recursos de filmes e séries junto à Ancine, a Agência Nacional do Cinema.

Vários produtores conseguiram, via liminar, ter os projetos analisados. Mas isso não garantiu que os recursos fossem liberados.

Enquanto alguns juízes consideram legítima a demanda dos produtores, outros alegam que, ao passar na frente projetos específicos, a Ancine estaria indo contra o princípio da impessoalidade —ou, no linguajar coloquial, permitindo que alguns furassem a fila dos mais de 700 projetos do Fundo Setorial do Audiovisual, o FSA.

Foi também a demora na análise de projetos que motivou entidades representativas de diferentes manifestações artísticas a entrar na Justiça em dezembro.

A Ordem dos Advogados do Brasil apresentou um mandado de segurança coletivo para pedir que fosse liberada a captação via Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet, para 450 projetos cujos processos estavam parados.

O Superior Tribunal de Justiça alegou absoluta incompetência para julgar o mandado e disse ser de estrita competência da Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo determinar o ritmo no fluxo da Lei Rouanet. Tanto no caso da Ancine quanto da secretaria, o Ministério Público apura, paralelamente, as razões para a lentidão.

Esse passivo responde, inclusive, por outra frente judicial na qual produtores e Estado se enfrentam –aquela que questiona o direito de o erário cobrar dívidas relativas a projetos que, anos depois de concluídos, tiveram as prestações de contas recusadas.

Todos esses processos percorrem, porém, um labirinto judicial marcado por liminares concedidas e cassadas e por recursos de ambos os lados. O que o efetivo recuo do governo no caso da Lei Aldir Blanc mostra é que, contra o Estado, é o Estado que pode mais.

 

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/04/sob-bolsonaro-embates-do-setor-cultural-migram-da-politica-ao-judiciario.shtml?origin=uol