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A torre do Masp e a torre Eiffel

 

FOLHA DE S. PAULO

12 de julho de 2006

FOLHA Opinião

Fonte: JATENE, A. A torre do Masp e a torre Eiffel. Folha de S. Paulo. Cad. Folha Opinião. 12/07/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1207200609.htm. Acesso em 28/07/2006.


A torre do Masp e a torre Eiffel

ADIB JATENE

 

Se existisse na época entidade com poder de veto como o nosso Conpresp, certamente a torre Eiffel não teria sido construída

RECENTEMENTE PUBLIQUEI neste jornal artigo com o título "A torre do Masp". Referia-me à proibição, pelo Conpresp, do projeto do Masp de construir uma torre, com mirante situado a 120 metros acima do nível da av. Paulista, permitindo uma visão ampla não só da cidade de São Paulo mas também de toda a área metropolitana. Seria, além de uma atração turística, solução capaz de viabilizar financeiramente o museu.
O prédio sobre o qual se construiria a torre encontra-se abandonado há anos, deteriorado e enfeiando a av. Paulista. O projeto foi bem recebido por arquitetos, entidades e personalidades que enxergam nele atração que existe em muitas grandes cidades do mundo e confirmam o interesse das pessoas em sua visitação.
O Masp conseguiu patrocínio privado que lhe permitiu adquirir o prédio, garantir sua adaptação para uma escola de arte, abrangendo vários campos de atividade em nível de pós-graduação, área na qual o país é carente. Tudo sem apelar seja para incentivos da Lei Rouanet ou para desconto no Imposto de Renda.
Não há exemplo de doação de tal vulto para área cultural por entidades privadas. A única contrapartida pleiteada pelos doadores seria a vinculação do nome da empresa ao empreendimento por período de dez anos. Assinalava, no artigo, que a prevalecer o veto do Conpresp, o Masp teria de devolver os recursos obtidos, perdendo a única oportunidade de crescimento e ampliação.
A apelação apresentada ao próprio Conpresp não foi aceita, obrigando o Masp a entrar na Justiça para fazer prevalecer o que consideramos nosso direito. Na petição, feita pelo escritório do jurista Ives Gandra Martins, há a citação de trecho do manifesto publicado em 1887 no jornal "Le Temps", de Paris, sob o título "Protestation contre la tour de M. Eiffel", que vou me permitir transcrever a seguir em tradução livre.
"Nós, escritores, pintores, escultores, arquitetos amadores apaixonados pela beleza até aqui intacta de Paris, vimos protestar com todas as nossas forças, com toda a nossa indignação, em nome do bom gosto francês, ao qual não se está fazendo justiça, em nome da arte e da história francesa ameaçadas, contra a ereção, em pleno coração de nossa capital, da inútil e monstruosa torre Eiffel, que a língua ferina do povo, freqüentemente impregnada de bom senso e de espírito de justiça, já batizou de torre de Babel. A cidade de Paris vai associar-se, por período tão longo, às bizarras e mercantilistas idéias de um construtor de máquinas, para se enfeiar irreparavelmente e se desonrar?
"É suficiente, ademais, para que se renda conta do que antevemos, imaginar um instante uma torre vertiginosamente ridícula, dominando Paris, como uma negra e gigantesca chaminé de usina, humilhando com seu vulto bárbaro todos os nossos monumentos, amesquinhando toda nossa arquitetura, fazendo-os desaparecer. "Desse sonho absurdo, e durante 20 anos [quando se previa desmontar a torre], veremos se alongar sobre a cidade inteira, na qual freme o gênio de tantos séculos , como uma mancha de tinta, odiosa coluna de ferros aparafusados."
Completa Ives Gandra: ao contrário das apreciações e vaticínios então lançados, a torre Eiffel não conspurcou a arquitetura de Paris. Antes, tornou-se símbolo dessa maravilhosa cidade, recebendo por ano milhões de visitantes e sendo responsável por grande parte da receita municipal. Consta que Guy de Maupassant, grande opositor da torre Eiffel, defendia a sua demolição. Questionado sobre o hábito de freqüentemente almoçar no restaurante da torre respondia que era o único lugar em Paris em que podia olhar todo o horizonte sem o perigo de ver a torre Eiffel.
Existisse à época entidade com poder de veto como o nosso Conpresp, certamente a torre Eiffel não seria construída. Reitero o que disse no outro artigo. Espero, sinceramente, que a Justiça nos permita oferecer à cidade um novo atrativo turístico e possibilite ao Masp sua única oportunidade de ampliação e de importante contribuição para sua independência financeira.


ADIB D. JATENE, 77 anos, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho Deliberativo do Masp.


Fonte: JATENE, A. A torre do Masp e a torre Eiffel. Folha de S. Paulo. Cad. Folha Opinião. 12/07/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1207200609.htm. Acesso em 28/07/2006.