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Masp: idéias e implicâncias

O edifício do museu parece um aparelho de DVD, num elogio da modernidade técnica

 

FOLHA DE S. PAULO

31 de maio de 2006

FOLHA Ilustrada


 

Masp: idéias e implicâncias

MARCELO COELHO

O MASP ficou sem luz, por falta de pagamento, na semana passada. O escândalo foi grande. Há uma sensação de que o Masp é "propriedade" dos paulistanos. Trata-se, na prática, de instituição pública, ainda que, juridicamente, entidade privada. Alguma solução vão acabar encontrando. O que se segue são algumas propostas e implicâncias. Começo pelas implicâncias.

1) O mito Lina Bo Bardi. Além de produzir o teatro mais desconfortável, mais disfuncional do mundo -refiro-me ao Oficina-, Lina Bo Bardi é responsável pelas janelas mais feias do mundo-as do prédio do Sesc Pompéia, que parecem resultado das cabeçadas de Fred Flintstone sobre uma parede de concreto.
Isso não é nada perto da idéia maligna -felizmente abolida- de fazer com que cada quadro célebre do Masp fosse exposto num painel de vidro ereto, impedindo o espectador de se distanciar para apreciá-lo. Se desse um passo atrás, batia com as costas no quadro anterior.

2) O vão livre do Masp. Pode ter sido um belo feito técnico, permitindo a vista sobre a Nove de Julho. Mas faz parte do culto modernista aos espaços vazios (ver Brasília), com dois ou três efeitos.
Primeiro efeito: o espaço vazio é ocupado por camelódromos, haja vista a feirinha de antigüidades que prospera ali. A sociedade, que quando funciona é ajuntamento de gente numa praça pública, vinga-se de um Estado que se pretende dono do ar. Segundo efeito: para que o vão livre possa existir, o museu tem de ficar pairando no alto, acessível apenas de elevador. Não há melhor metáfora de uma Cultura preservada do contato com a rua, com o pedestre, com o público. Terceiro: O edifício parece um aparelho de DVD, num elogio da modernidade técnica e fria, a que as colunas mais tarde pintadas de vermelho tentaram corrigir.

3) As exposições do Masp. Têm sido horríveis. Uma grande retrospectiva de Renoir teve o mérito de mostrar a quantidade de obras pintadas às pressas, com brutalidades de traço, empastamentos de cor, violências de composição, que o grande impressionista era capaz de fazer.
"Paris 1900", ao que me lembro alardeada na mídia, reunia todas as monstruosidades do "kitsch", do "poncif" e do "pompier" como se fossem opulências artísticas. Reedição de uma mostra do Petit Palais em Paris, não tinha aqui condições de estimular uma visada crítica, quase antropológica, que talvez propusesse sua versão original.
Estou me esquecendo de alguma coisa? Ah, teve a exposição sobre Pelé, que não fui ver.
E a atual exposição Degas, que exibe cinco ou seis obras-primas, muito bem "comentadas" pelos quadros de outros mestres do acervo: merece uma visita, mas está longe de ter a dimensão que se proclama por aí. Quanta publicidade! Tudo sempre me dá a impressão de um novo-rico, querendo a todo custo chamar a atenção dos colunistas sociais.

Enfim, o Masp é sinal da modernidade provinciana de São Paulo, já meio ultrapassada, e nisso está o segredo de sua decadência. Seguem-se duas propostas de solução.

1) Se o vão livre é inviolável, uma idéia seria interditar o trânsito da Paulista naquele trecho. O museu estaria assim ligado, numa esplanada, ao Parque Siqueira Campos, sem fluxo de carros a dificultar a vida do turista.

2) Não acho a proposta de Júlio Neves - um arranha-céu gigantesco ao lado do museu- o despautério que dizem. Chamaram o edifício -que seria pintado de vermelho- de um nome bastante feio. Abrigaria escritórios comerciais e um restaurante giratório no topo, do qual "em dias claros" seria possível divisar "o litoral paulista". Ridículo, concordo.
Mas é também ridículo -volto ao ponto 1- acreditar na clarividência arquitetônica de Lina Bo Bardi; pensar que a pureza do Masp devesse ser preservada de seu entorno. Um entorno, afinal de contas, brutal e burguês, como seu -existe a palavra?- "in-torno". Que se apaga, uma semana depois da crise do PCC. Boa metáfora, sem nenhuma utopia moderna a oferecer em troca.


@ - coelhofsp uol.com.br

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3105200619.htm