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Eleição de Cid Ferreira pode tirar Cildo Meireles da mostra

Recondução de ex-banqueiro ao conselho da Bienal gera reação; para artista, que inaugura mostra no ES, é difícil "compactuar com gangsterismo cultural"

 

FOLHA DE S. PAULO

30 de junho de 2006

FOLHA Ilustrada

Fonte: LONGMAN, G. Eleição de Cid Ferreira pode tirar Cildo Meireles da mostra. Folha de São Paulo, Cad. Folha Ilustrada, 30/06/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3006200608.htm. Acesso em 30/06/2006.


Eleição de Cid Ferreira pode tirar Cildo Meireles da mostra

GABRIELA LONGMAN
ENVIADA ESPECIAL A VILA VELHA

A lista diz que ele estará na Bienal, mas Cildo Meireles não sabe. "A questão da Bienal ficou complicada desde a última sexta-feira, com a reeleição de Edemar [Cid Ferreira] para o conselho. Tenho enorme respeito pela Lisette [Lagnado], mas acho complicado compactuar com esse gangsterismo cultural", disse o artista, um dos mais prestigiados do país, por ora mais preocupado com a exposição que inaugura hoje em Vila Velha, Espírito Santo.
Uma torre feita com mais de 800 rádios empilhados -pequenos e grandes, antigos e modernos, novos e usados-, cada um sintonizado numa estação diferente; uma passarela de madeira sobre um enorme mar de livros -livros abertos com a foto do mar- e a palavra "água" sendo repetida em 80 idiomas. Essas são descrições breves, muito breves, para "Babel" e "Marulho", dois grandes destaques da exposição no Museu Vale do Rio Doce.
A primeira, inédita no Brasil, foi montada uma única vez na Finlândia, onde permanece como parte da coleção do Kiasma Museum de Helsinque. Pensada no começo dos anos 90, a obra une vozes, rádios, sons. ""Babel" é uma espécie de corte enciclopédico do objeto rádio. Os mais antigos são mais pesados e acabam ficando na parte debaixo [da torre]. A primeira versão foi feita na Finlândia, que tem 5 milhões de habitantes... dá para imaginar que esgotamos o mercado de rádios no país. Para esta versão, coletamos aparelhos do Rio, SP e Brasília; de colecionadores a camelôs", conta Meireles.

Distâncias
Com ele, o técnico Luiz Carlos Ferreira, 59, passou meses consertando os rádios antigos para que agora funcionem na instalação. A temperatura da sala, por exemplo, é um dos itens indispensáveis para o funcionamento das válvulas.
"O rádio lida com o espaço de uma maneira muito peculiar: não é exclusivista como a TV; você faz coisas enquanto ouve rádio, ele permite um viajar mais ilimitado. Eu tenho uma espécie de fascínio eufônico: estou com 58 anos e a palavra que mais me emociona é uma palavra em espanhol: "lejos" [longe, distante, remoto]. O rádio me remete muito a essa idéia do distanciamento do sujeito de si mesmo", prossegue.
A exposição traz ainda obras que marcam a trajetória de Cildo. Lá está a emblemática "Cantos" (1967/68), maquete baseada no conceito euclidiano de espaço, e "Malhas da Liberdade", apresentada em 1977 na Bienal de Paris.
"Malhas da Liberdade" representa um pouco a minha maneira de pensar. Sabe esses desenhos obsessivos/repetitivos da infância? O meu era sempre formado por uma linha, entrecruzada por outra, essa por sua vez cortada por uma terceira... Em 1976, resolvi fazer isso no espaço "real" com redes, sempre pensando: "Não é possível que isso ainda não tenha sido estudado". Consultei amigos matemáticos, que não conseguiram me ajudar. Mais tarde descobrir que Feigenbaum, um físico americano, estava estudando isso. Ele descobriu uma constante para isso, que chamou de "Cachoeira das Bifurcações"."
Os trabalhos "Mebs/Caraxia" (1970), "Sal sem Carne" (1974), "Cruzeiro do Sul" (1969/70) e "Glove Trotter" (1991) completam o time de obras escolhidas pelo curador Moacir dos Anjos, diretor-geral do MaMam, em Recife.

Ondas sonoras
Ao partir de "Babel" e "Marulho", o curador percebeu que ambas lidavam com o som e sua propagação. A partir disso, outras obras da mostra tocam o tema, especialmente "Mebs/ Caraxia" e "Sal sem Carne".
"Além do som, procuramos trabalhar com o espaço; não só o espaço físico mas também o espaço político, tema constante em sua trajetória", diz Anjos.
Cildo Meireles nasceu no Rio de Janeiro, mas já morou em Goiânia, Brasília, Belém, Nova York. Mente circulante, fala de seu trabalho fazendo referências a cinema -Orson Welles, Jacques Tati-, literatura -Kafka e Borges-, filosofia, geografia, física e matemática.
Quando falava de sua dúvida em relação à Bienal, porém, terminou com menções futebolísticas: "Ao reeleger um homem ligado a falcatruas do mundo da arte, o próprio conselho fica sob suspeita. Como diria o grande filósofo brasileiro Dadá Maravilha: "Me inclua fora dessa'".


A repórter viajou a convite do Museu Vale do Rio Doce

CILDO MEIRELES
Quando:
de hoje a 17/9; de ter. a qui. e sáb. e dom., das 10h às 18h; sex., das 12h às 20h
Onde: Museu Vale do Rio Doce (Antiga Estação Pedro Nolasco, s/nº, Vitória, tel. 0/xx/27/3246-1443)
Quanto: entrada franca


Fonte: LONGMAN, G. Eleição de Cid Ferreira pode tirar Cildo Meireles da mostra. Folha de São Paulo, Cad. Folha Ilustrada, 30/06/2006. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3006200608.htm. Acesso em 30/06/2006.