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Depois do vazio, a vez da política

Esse é o mote do projeto de Moacir dos Anjos, coordenador-geral da 29ª edição. Por Camila Molina


matéria originalmente publicada no O Estado de S. Paulo, 14 de julho de 2009


O recifense Moacir dos Anjos foi anunciado ontem oficialmente como coordenador geral da 29ª Bienal de São Paulo, marcada para ser inaugurada entre o fim de setembro ou início de outubro de 2010. Ainda em Londres, onde ficou por um ano fazendo seu pós-doutorado pelo Transnational Art, Identity and Nation (Train), centro de pesquisa da universidade de artes da capital britânica, Moacir dos Anjos falou por teleconferência com a imprensa sobre o projeto curatorial da exposição, por enquanto tendo como título Há Sempre um Copo de Mar para um Homem Navegar, verso da obra Invenção de Orfeu (1952), do alagoano Jorge de Lima. Duas diretrizes principais alavancam a proposta para a mostra, destaque para o que o curador chama de "política da arte", invocando criações de cunho político; e a mistura de obras de criadores consagrados e jovens na exposição.

Moacir dos Anjos, nascido em 1963 e economista por formação, tem o perfil de curador que a Fundação Bienal São Paulo necessita neste momento de "recuperação e reafirmação" da entidade, desprestigiada por crise institucional. Com passagens por projetos de instituições de peso brasileiras, como ter feito a edição de 2007 do tradicional Panorama da Arte Brasileira do MAM de São Paulo e a cocuradoria, no mesmo ano, da bem-sucedida 6ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre - pode-se citar também que foi diretor entre 2001 e 2006 do Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam), do Recife, o escolhido, que não é um nome surpreendente, tem a capacidade de fazer uma Bienal de São Paulo que possa ser atrativa, a partir de uma "poética do encantamento", e de diálogo com a chamada "discussão atualizada" com o que se faz no exterior, ingredientes que contam para se chamar a atenção de um espectro amplo de público, especializado ou não - sua motivação é deixar o tema da arte fora do campo do hermético. "Acredito na capacidade da arte contemporânea falar das coisas próximas da vida, como, por exemplo, do corpo, dos conflitos, das dúvidas, das questões urbanas", afirma Moacir, desde os anos 90 pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco.

Como coordenador geral da 29ª Bienal, ele terá 30 dias para formatar a equipe curatorial da mostra, inclusive, os responsáveis pelo projeto educativo, arquitetônico e de design gráfico. Heitor Martins, presidente eleito da diretoria executiva da Fundação Bienal - sua posse ocorrerá no fim deste mês depois de processo de transição com a gestão anterior de Manoel Pires da Costa -, afirma que o coordenador poderá escolher entre ter equipe tríplice de curadores ou time com curadores assistentes sediados em outras localidades, mas diz que com certeza haverá a presença de pelo menos um estrangeiro entre eles, porque existe a ideia de internacionalização como parte do projeto da edição. O convite para Moacir foi feito a partir de escolha de Miguel Chaia e Justo Werlang, membros da diretoria encabeçada por Martins.

Há Sempre um Copo de Mar para um Homem Navegar não é um tema, mas título provisório que se pretende ponte para uma metáfora que enfatiza a "natureza política" das criações artísticas - sem ser ilustrativa de situações - e sua "direção utópica". "O ponto de partida é fazer a arte ter potência para ser como copo de mar, possível de se navegar apesar de toda a adversidade." Dentro desse escopo, Moacir dos Anjos, que chega esta semana ao Brasil e vai se dividir entre Recife e São Paulo, afirma que a mostra, com participação de 100 a 150 artistas e orçamento prévio de R$ 30 milhões, terá a arte brasileira como presença importante, permeando toda a exposição. "É possível dizer que será uma mostra de arte brasileira invisível", diz o coordenador, " pensar a história recente da produção nacional pelo viés que une política e estética". Uma das razões fundamentais de seu projeto curatorial é a ideia de apresentar a arte contemporânea brasileira por outro prisma, contra a classificação de que a produção nacional só foi política nos anos 60 e 70, deixando de ser depois disso.

Além do verso de Jorge de Lima, outra frase tida como referência é a do crítico Mário Pedrosa, "arte é um exercício experimental da liberdade". Como uma Bienal de arte se situa num terceiro lugar - ou terceira margem, fazendo a citação de Guimarães Rosa - entre o museu e a ebulição vazia do circuito do mercado/feiras, o experimentalismo é parte possível, necessária e obrigatória de um projeto desse tipo de mostra. Performance, vídeo e cinema terão presença forte na exposição, define o coordenador, e ocorrerão também conferências e workshops. Ao mesmo tempo, ainda não foi renovado o convênio pelo qual a Bienal de São Paulo escolhe a representação nacional brasileira na Bienal de Veneza, mas pelo projeto de gestão de Heitor Martins, Moacir dos Anjos indicará o artista ou artistas que estarão no pavilhão brasileiro do evento italiano em 2011.