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A vida de Edemar atrás das grades

Preso na cadeia de Tremembé, o banqueiro Edemar Cid Ferreira tem uma escolha difícil: trabalhar na rouparia ou na lavanderia

 

ISTO É

05 de julho de 2006

Brasil - Justiça

Fonte: RODRIGUES, A. A vida de Edemar atrás das grades. Isto É. Cad. Brasil - Justiça, 05/07/2006. Disponível em http://www.terra.com.br/istoe/1915/brasil/1915_vida_edemar.htm. Acesso em 12/07/2006.


A vida de Edemar atrás das grades

ALAN RODRIGUES

Acostumado a decisões sobre investimentos financeiros e compras no mercado de arte, o atual detento da cela 21 do pavilhão I da Penitenciária de Tremembé II, no interior de São Paulo, está diante de uma escolha que vai mudar o seu dia-a-dia. Expira esta semana o prazo-limite de um mês sob observação, a partir do qual Edemar Cid Ferreira – o ex-banqueiro que abriu um rombo de R$ 2,2 bilhões no caixa do banco Santos – poderá optar entre ser auxiliar da cozinha ou ajudante da rouparia do presídio. Preso sob acusação de formação de quadrilha e gestão fraudulenta, Edemar completou um mês atrás das grades na terça-feira 27. Ele foi levado, primeiro, ao xadrez da Polícia Federal; em seguida foi transferido para a fétida cadeia de Guarulhos até ser transferido para Tremembé II. Mas não emite sinais de adaptação. “Ele fala muito pouco e não participa das conversas dos presos”, contou a ISTOÉ um ex-vizinho de cárcere que agora está em liberdade provisória e não pode ser identificado. “Emagreceu muito e passa a maior parte do tempo vendo uma televisão pequena dentro de sua cela.”

De fato, não está sendo fácil para Edemar. O ex-banqueiro e colecionador de arte deixou para trás aquela que é considerada a maior mansão do País, com 4,1 mil metros quadrados no ponto mais nobre do bairro do Morumbi, em São Paulo. É maior do que todo o pavilhão I de Tremembé II, com suas mais de 200 celas em dois andares. Agora, Edemar tem de se conformar com nove metros de cela e a pequena televisão. O chuveiro, não há alternativa, é frio. Por isso, os presos, Edemar incluído, escolhem tomar banho no período da tarde após o lanche com café e biscoitos. Uma rotina em tudo diferente de sua antiga vida de milionário, na qual costumava tomar banhos demorados numa banheira cercada por vidros de cristal líquido. Monitorados por computadores, esses vidros se escureciam ao toque dos dedos do usuário sobre um controle remoto. As refeições, hoje, têm de ser feitas com talheres de plástico. Em seu dia de estréia, o ex-banqueiro pediu garfo e faca de metal, mas foi informado de que esses objetos são proibidos na cadeia: podem ser transformados em armas brancas. Sempre preocupado com a própria imagem, Edemar está enfrentando outro dissabor – não pode olhar-se no espelho, também na lista negra de objetos proibidos dentro da prisão.

A sorte, porém, não o abandonou de todo. Ele ainda está sozinho na cela, sem parceiros. A partir deste final de semana, poderá receber visitas, inclusive íntimas. Desde já, o ex-banqueiro pode desfrutar de banhos de sol de duas horas nos períodos da manhã, e mais duas à tarde. Ainda deprimido, porém, ele mal aproveita essa oportunidade. Quando cai a noite, enfrenta um problema. Instalada no Km 138 da via Dutra, que faz a ligação Rio–São Paulo, a penitenciária tem uma criação de gansos entre suas cercas de arames e as muralhas de concreto. Essas aves constituem um modo eficiente de evitar fugas, uma vez que passam a grasnar diante de todo som diferente. O efeito colateral é que praticamente todas as noites, até o amanhecer, os gansos se manifestam.

Cumprir tarefas laborais é uma alternativa que muitos dos 309 presos da cadeia de Tremembé utilizam para fugir da ociosidade. O presídio é considerado um paraíso no sistema prisional paulista. Afinal, ali não há superlotação, está fora da influência do temido PCC e tem, ainda, uma população carcerária formada por celebridades de colarinho-branco. O sócio da butique Daslu, Antonio Carlos Piva de Albuquerque, já passou por Tremembé. Lá estão, também, o jovem de classe média Mateus da Costa, condenado a 120 anos de prisão por ter assassinado três pessoas durante uma sessão de cinema em São Paulo, e um verdadeiro príncipe: Edinho, o filho do rei Pelé, é outro hóspede forçado da penitenciária. Nesta turma, Edemar, conhecido dos presos como “o bacana do banco”, não dá pistas sobre se vai optar por cozinhar e enxaguar pratos ou operar a calandra na rouparia. O certo é que, seja qual for o seu futuro dentro de Tremembé II, esta é a rotina do homem que se definiu um dia como a “reencarnação do Chatô”, numa referência ao magnata da mídia Assis Chateaubriand (1892-1968). Edemar e seus advogados já foram derrotados na Justiça em três pedidos de habeas-corpus. Os promotores querem saber onde estão cerca de 100 das 9,4 mil obras de arte que o ex-banqueiro amealhou em sua carreira de marchand. No total, sua coleção foi avaliada em US$ 20 milhões. Nenhuma dessas obras pode ser vendida até a conclusão dos processos que Edemar responde.


Fonte: RODRIGUES, A. A vida de Edemar atrás das grades. Isto É. Cad. Brasil - Justiça, 05/07/2006. Disponível em http://www.terra.com.br/istoe/1915/brasil/1915_vida_edemar.htm. Acesso em 12/07/2006.